Governo comprometeu a aposta de engavetar garantias soberanas
FINANCIAMENTOS. Contrato com instituição financeira internacional obriga Governo a aprovar garantias soberanas. Presidente da República aprovou a primeira no princípio do mês e pode aprovar outras ainda no decurso do ano.
Desafio do Governo, assumido explicitamente pelas Finanças, de evitar a emissão de garantias soberanas para novos empréstimos está afinal comprometido desde Maio de 2019, com a assinatura de um acordo com o DeutscheBank pelo qual a instituição financeira alemã se encarrega de financiar com 1.000 milhões de euros o sector privado angolano.
À luz do Acordo-Quadro assinado, a emissão de uma garantia soberana constitui uma das condições precedentes para a celebração dos contratos de financiamento. Ou seja, quando, em 2020, a ministra das Finanças disse que continuariam a “lutar para não dar” nenhuma garantia soberana já sabia que se tratava de uma missão quase comprometida. “No ano passado, não demos nenhuma. Este ano, vamos continuar a lutar para não dar”, disse, em entrevista ao Expansão, Vera Daves, prometendo “resistir bravamente”, face à pressão que, na ocasião, admitiu existir.
É à luz do referido acordo que o Presidente João Lourenço aprovou, no princípio deste mês, a concessão de uma garantia soberana de 56,9 milhões de euros para cobrir um acordo individual de financiamento a favor da empresa Carrinho Empreendimentos, SA, sediada em Benguela. A autorização provocou inúmeras interrogações por, desde muito cedo, o Governo saído das eleições de 2017 mostrar que a emissão de garantias soberana para novos financiamentos, sobretudo privados, passaria a fazer parte do passado.
MAIS GARANTIAS A CAMINHO….
O chefe do Governo está assim ‘condenado’ a aprovar mais garantias soberanas, estando tudo dependente da qualidade dos projectos que forem apresentados ao BDA, instituição bancária nacional que está a operacionalizar a linha de financiamento.
Para este ano, o Orçamento Geral do Estado fixa em 252.350 milhões de kwanzas (cerca de 338 milhões de euros) o limite para a concessão de garantias pelo Estado. Contas feitas e tendo como base a garantia aprovada para o financiamento da empresa Carrinha, em Benguela, João Lourenço tem margem para aprovar pelo menos mais quatro garantias soberanas no presente exercício económico.
Já o BDA perspectiva, para este ano, “atingir a meta de financiamento equivalente a 125 milhões de euros, mediante o limite de garantia soberana disponível”, estando em “análise quatro solicitações de financiamento para serem apreciadas em comité de crédito”.
GOVERNO ASSUME RISCO CAMBIAL
Outra particularidade do acordo é que o Estado assume o risco cambial. Segundo o acordo, “os desembolsos ocorrerão por meio de pagamentos directos aos fornecedores efectuados pelo DeutsheBank, ao passo que o promotor reembolsará o crédito em moeda nacional ao BDA, cabendo a este o reembolso ao DeutscheBank em moeda estrangeira”. Ou seja, “todas as diferenças cambiais resultantes da contratualização do financiamento, à data de reembolso, serão suportadas pelo Tesouro Nacional, isentando os promotores do risco cambial”, respondeu o BDA ao VALOR.
De acordo com dados da instituição, desde que começou a operacionalizar, a linha recebeu 19 candidaturas, seis das quais cumpriram os requisitos e formalizaram as respectivas candidaturas.
“Entre as candidaturas apreciadas em comité de crédito, regista-se o balanço de quatro aprovações, o que perfaz um montante de candidaturas aprovadas equivalente a 157.513. 965,24 euros. Todavia, apenas duas candidaturas manifestaram a anuência as condições de financiamento apresentadas”, esclareceu o banco.
O BDA acrescenta que existe um “número considerável” de candidaturas não formalizadas devido aos requisitos e complexidades da Linha de crédito. “Esta tipologia de financiamento deve obedecer, em primeiro lugar, às normas e procedimentos da Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Económico (OCDE), órgão que rege os créditos à importação com cobertura de Agências de Crédito à Exportação. No que concerne às solicitações apreciadas em comité de crédito, foram rejeitados dois financiamentos”, indica o banco liderado por Henda Inglês.
EMPRESÁRIOS SEM DINHEIRO PARA COMPARTICIPAR
A incapacidade de comparticipação com fundos próprios é uma das dificuldades que os empresários têm encontrado, visto que “devem comparticipar com 15% do valor do contrato para a realização do pagamento antecipado ao fornecedor”. O valor mínimo permitido para financiamento são 10 milhões de euros, significando que os empresários devem comparticipar com cerca de 1,5 milhões.
“Mediante a origem do financiamento e equipamentos, os contratos de importação devem ter um valor mínimo de 10 milhões de euros, podendo, em algumas circunstâncias, apresentar um valor inferior, caso o DeutshcheBank aprove. Considerando os valores mínimos exigidos, a linha é destinada a projectos estruturantes com foco para promotores de média e grande dimensões”, esclarece.
A morosidade na apresentação do contrato ou proposta comercial alvo de financiamento, a falta de garantias exigidas pelo BDA aos promotores, bem como a existência de muitos promotores com registo de créditos em situação irregular na Central de Informação e Risco de Crédito (CIRC) são os outros constrangimentos para a operacionalidade da linha.
Apesar de admitir a possibilidade de a linha ser subaproveitada, à semelhança de outras linhas de financiamento internacionais, o BDA salienta estar “a criar sinergias para mitigar este risco”, salientando que “um dos principais factores poderá ser o limite de garantia soberana”.
“A maioria dos projectos apresentados enquadra-se na categoria de projectos estruturantes com potencialidade para a exportação e diversificação da economia. O principal constrangimento está mesmo relacionado com a capacidade de comparticipação dos promotores para suprir os encargos da linha”, explica a instituição.
UMA LINHA MARCADA POR CONSTRANGIMENTOS
A negociação da linha de financiamento, assinada em Maio de 2019, conheceu momentos de hesitação, tendo-se colocado até a hipótese de não se chegar a acordo, como chegou a revelar o então ministro das Finanças, Archer Mangueira. “ Foi um processo que levou o seu tempo. Até ficámos com a impressão de que as coisas já não seriam concluídas a bom trecho, mas também, graças ao cumprimento de um conjunto de condições e de processos, com o empenho do BDA, foi possível hoje termos formalmente fechado o processo de negociação”, afirmara, na altura, Archer Mangueira.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...