"Dirigentes do MPLA receiam ser apanhados como galinhas"
Seguro. Crítico do actual combate à corrupção, que considera "um combate pessoalizado", líder do Bloco Democrático e professor da Universidade Católica de Angola, reprova os dirigentes do MPLA por "não terem capacidade de se indignar" e desconfia que tomam comprimidos para relaxarem com receio de "serem apanhados como galinhas". Em entrevista à Rádio Essencial, Justino Pinto de Andrade manifesta-se contra a destruição de riquezas construídas de forma ilícita e revela que a plataforma da Oposição está a andar com passos seguros, em que ele se assume como o "equilíbrio".
Assumidamente "horrorizado com a riqueza ilicitamente adquirida", Justino Pinto de Andrade tem, no entanto, uma visão diferente do combate à corrupção. Critica o que tem sido feito, por considerar que se trata de "um combate pessoalizado, como um jogo para dar uma justificação interna de justiceiro, por um lado, e, por outro, para o exterior. O exterior gosta muito dessas guerras entre nós e aplaude". E recorre a uma imagem literária para sublinhar a ideia: "quando aparece um 'don quixote', em cima do cavalo, a disparar por todos os lados, esses países ficam satisfeitos porque os rapazes estão a matar-se entre eles e depois "vamos discutir com o vencedor". É o que eles pensam".
Por isso, o líder do Bloco Democrático olha para os militantes do MPLA com alguma apreensão. Aos de base, antevê que "estão a sentir o aspecto negativo deste combate, que é a perda do emprego, a perda do poder de compra". Aos de topo, desconfia que andam a "tomar comprimidos para dormir", porque "nenhum deles está a dormir à vontade, não sabem quando é que vão ser atacados. Receiam ser apanhados como galinhas".
Com esta inquietação, Justino Pinto de Andrade aponta para a inércia dos dirigentes do MPLA e acusa-os de "não terem capacidade de se indignar". "A cultura que prevaleceu, durante estes 45 anos, foi a cultura do silêncio e não da indignação. Infelizmente, no MPLA, não há o direito à indignação e eles deixam-se praticamente a apanhar como se fossem galinhas. Eu gostaria que eles se indignassem", resume.
E como não existe essa indignação, Justino Pinto de Andrade não tem dúvidas de que "os dirigentes do MPLA ainda não mostraram que não têm sangue de barata, ainda não mostraram a capacidade de indignação". Não defende convulsões, mas admite que "todas as transformações, em princípio, implicam alguns momentos de tensão" e que "não há transformações completamente 'soft'".
Em entrevista à Rádio Essencial, o político e professor universitário defende um outro modelo de combate à corrupção, lembrando que "ninguém foi a um banco, de pistola na mão, buscar dinheiro" e propõe alternativas: "Eu faria com que as pessoas pudessem assumir um compromisso. Isto devia ser tratado de forma mais cuidadosa, porque assim estamos a destruir". Justino Pinto de Andrade lembra que a decisão de criar ricos foi do "sistema", mas isso permitiu a formação de empresas que "estão a ser destruídas". "Não podemos dar pontapés na riqueza, não as podemos destruir. Não faz sentido destruir um Kero que, daqui a pouco, transformam numa loja do povo e vamos comprar bugigangas e mais nada e ficar com a sensação de que estou a combater a corrupção, destruindo um bem, que serve alguém. Quando alguém constrói um supermercado, uma empresa, uma fábrica, e dá emprego às pessoas, e põe bens cá fora, o resultado da acção desse rico é um resultado positivo".
Em alternativa, propõe que se "criem condições para que não haja mais apropriações ilícitas e, se houver alguma ilicitude, criar condições para haver uma reparação". Esta ideia, aliás, o líder do BD pretende ver integrada no conjunto de propostas da propalada plataforma de partidos da oposição.
O EQUILÍBRIO NA PLATAFORMA DA OPOSIÇÃO
Neste caso, e como alternativa de poder, Justino Pinto de Andrade sente-se "um equilíbrio" entre Adalberto Costa Júnior e Abel Chivukuvuku. E recusa liminarmente ser candidato a presidente da República para "não perder a liberdade". Evita escolher um candidato, mas adianta que "há uma escolha natural, devido à importância de um dos partidos", numa referência a Adalberto Costa Júnior.
A organização – ou o movimento – ainda está num estado embrionário e o líder do BD admite dificuldades: "temos de fazer concertações, de acertar ideias. Todos os partos são difíceis, é preciso tratar dos assuntos com pinças para evitar rupturas". Pelo meio, confessa que sente que "há forças políticas da Oposição que não estão interessadas na plataforma, estão acomodadas, e sentem-se melhor na oposição do que eventualmente no poder". No entanto, não as nomeia.
A propósito do poder, Justino Pinto de Andrade está convicto de que, "como o MPLA comete tantos erros, vai ser mais fácil derrotá-lo agora do que antes".
A plataforma começou a dar os primeiros passos em dois encontros, em que estiveram juntos Justino Pinto de Andrade, pelo BD, Abel Chivukuvuku, pelo projecto Pra-Ja, e Adalberto Costa Júnior, pela Unita. O aparente afastamento dos outros partidos, parceiros da coligação Casa-CE, é desvalorizado pelo líder do BD, que considera que, "quando se começa com 1000, quando se pode começar com 10, é melhor começar com 10, limar arestas para quatro e cinco ideias". Justino Pinto de Andrade garante que não há divergências na coligação e que ele tem a liberdade de se reunir com quem quiser. Mas, promete, quando for para tomar decisões substanciais, vai chamar os outros partidos que compõem a coligação e acrescenta que "uma plataforma é um ajuntamento de ideias e não uma sobreposição de uns sobre os outros".
Como ideias principais para a possível plataforma da oposição, Justino Pinto de Andrade, entre outras, quer que a saúde e a educação sejam prioridades do Estado, sem, no entanto, fechar as portas à iniciativa privada. Para já, recusa os rótulos ideológicos de 'direita' ou de 'esquerda' e, em contrapartida, propõe "um programa integrador, adaptado ao momento que está a ser elaborado", com a convicção de que "não vamos voltar a projectos do passado", defendendo que "há modelos ultrapassados e até o capitalismo se desenvolveu".
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