ANGOLA GROWING
Luís Diogo, director-geral da Fabrimetal

“Poderemos ter sucatas para mais cinco anos”

23 Jun. 2021 Grande Entrevista

O director-geral da Fabrimetal prevê que poderá haver uma escassez da sucata no mercado angolano. Mas descarta a possibilidade de optar pela importação e aponta alternativas que passam por uma intervenção do Estado. Por exemplo, a venda das embarcações no cemitério de barcos da Barra do Dande. Garante não ter ligações com grupo de vândalos e, por isso, descarta qualquer participação no negócio da venda de sucata, que está sob suspeita.

“Poderemos ter sucatas para mais cinco anos”
D.R

Pela segunda vez, a Fabrimetal surge na lista de compradores de matéria-prima a indivíduos que pilham bens públicos. Recentemente, foi notificada pelo SIC. Como explica a acusação?

O que estará na base é o facto de nós sermos o produtor nacional que mais material ferroso recebe e por algum desconhecimento das pessoas por não saberem que uma siderurgia como a nossa não adquire todo o tipo de materiais. Mas, como somos nós que compramos mais, provavelmente, poderá ser a razão fundamental de estarem a querer associar-nos a isso. Todavia, não podemos descurar que, já em 2018, de forma também errada, nos associaram a este facto. A empresa esteve encerrada durante 33 dias, não tendo sido verificado nada que justificasse essa acusação. Isso acarretou custos elevadíssimos.

Que custos?

Na altura, pedimos uma auditoria externa. Penso que andou na ordem dos 15 milhões de dólares.

Pensou em pedir indemnização?

Não me passou pela ideia. Temos de tentar ver pelas dificuldades, acima de tudo, manter-nos firmes nos nossos princípios. A empresa está aqui desde 2010 e, por muitas voltas que já se tenha dado, não vamos abandonar os nossos princípios. Por outro lado, na altura, havia uma pressão enorme pelo que estes malfeitores estavam a fazer às populações, nomeadamente nas centralidades, que ficavam sem energia, isso impactava em quem estava na governação.

Nunca pensou que se poderia tratar de ‘perseguição’ da concorrência?

Somos apologistas da livre concorrência e vivemos bem com a concorrência. Não quero crer que algum concorrente possa ter ímpeto de nos prejudicar ou danificar a nossa imagem.

E como classifica a concorrência?

Em duas partes. Uma concorre com produto igual, dentro dos parâmetros de qualidade. As outras unidades fabricam produtos não uniformizados e certificados. Não as posso considerar que estejam no nível de concorrência. Todavia, fazem mossa. Lamentavelmente, para uma parte do mercado o critério fundamental ainda é o preço e a não qualidade do produto. 

“Poderemos ter sucatas para mais cinco anos”

Essa falta de qualidade dos materiais representa algum perigo?

É um facto que nós tentamos sempre mostrar aos nossos clientes, aqueles que nos visitam e dizem que o produto é caro. Nós, sendo membros da Associação das Indústrias de Materiais de Construção, estamos a trabalhar com o Ministério do Comércio e Indústria, nomeadamente o Instituto de Supervisão da Qualidade. Estamos a criar normativos para todos os produtos da área da construção civil. O objectivo é quem produz estar dentro dos parâmetros. Só com essa obrigação é que estaremos todos em pé de igualdade e vai ser acelerado com a nossa integração a Zona de Comércio Livre (ZCL)

 

Quão difícil é esse desafio?

É difícil por razões estruturais. Quando se tem instalada uma indústria numa zona onde não há infra-estruturas, água, as coisas básicas para que isso aconteça, não se pode exigir ao empresário que faça investimentos adicionais na qualidade. Isso colide um pouco com esses objectivos. Se nós compararmos a ZEE e o Pólo Industrial de Viana a diferença é brutal. Um empresário que se instala na ZEE não tem a mesma dor de cabeça. As dificuldades e as prioridades são diferentes. Daí que essas questões da qualidade, certificação, normalização ainda estejam delegadas porque as pessoas entendem que existem outras prioridades. Com a crise, a ZCL é uma oportunidade, os empresários têm de caminhar neste sentido.

As nossas empresas têm  condições?

Só é possível se tentarmos. Em 2015, o país era maioritariamente importador de varão e aço, as quantidades de consumo eram muito maiores do que as de hoje. Se nós, Fabrimetal, não nos tivéssemos preparado para absorver a procura interna, porque percebemos que existiria menos disponibilidade para importação, não teríamos o posicionamento que temos hoje. Há possibilidade de sempre fazermos melhor até porque há os ajustamentos que estão a ser feitos na economia, em que a diferença entre o câmbio formal e o informal hoje é muito menor do que há alguns. Isso é positivo e está, de certa forma, a tornar as empresas que se adaptaram a serem mais competitivas no mercado externo.

Que investimentos teve de fazer?

Fizemos, em 2015, 60 graus de mudança porque estávamos muito vocacionados para o mercado informal, para o produto que sai rápido sem qualquer normalização. Entendemos que era a hora de certificar a produção, de implementar outras medidas adicionais, porque sabíamos que, por muito menor que fosse a procura interna, ela existiria. Continuamos a fazer hoje. Em época de crise, a empresa concluiu, em 2020, um investimento na ordem dos 21 milhões de dólares. O mercado ainda tem muito para dar e obviamente que não nos colocamos apenas no mercado interno, temos de ver o que está à nossa volta.

Mas o mercado da construção está estagnado com a crise. E a procura?

Está baixa. Há dois períodos, aquele de carência que começou em 2014 e o outro que foi aquele agravado com a pandemia. Nós estivemos cerca de quatro meses em que a construção civil ficou completamente parada. Como o da restauração que está a passar um péssimo bocado. Nós passámos, mas conseguimos, a partir de Julho, reiniciar as facturações e a trabalhar. Obviamente, a procura não está nos níveis em que estava, é expectável que exista uma melhoria no segundo semestre.

Qual é a produção actual?

A nossa produção instalada é de 12 mil toneladas/mês. Até finais de 2020 e início de 2021, estávamos limitados, a produzir a 65% das nossas capacidades por causa da pandemia e, por outro lado, por insuficiência de energia, porque não era suficiente a capacidade para colocar a fábrica a funcionar a 100%.

Qual foi a facturação de 2020?

Tivemos uma quebra na quantidade na ordem dos 20%, face a 2019, porque tivemos de fazer um reajustamento no orçamento. Ninguém estava à espera da pandemia. Por outro lado, parado o mercado interno, viramo-nos mais para a exportação, razão pela qual o ano passado exportámos cerca de 19.500 toneladas. O volume de facturação foi muito menor, era expectável que fosse maior. Foi uma opção que tomámos para manter a máquina em funcionamento. Este ano, prevemos retomar os níveis de 2019 e crescer 25%, face a 2020. Em 2019, vendemos 50 mil toneladas de aço, em 2020 chegámos às 36 mil.

Para que mercados exporta?

Estamos a exportar para a República Democrática do Congo, Gana, Mali. Este ano, de Janeiro até este mês, exportámos seis mil toneladas só para a RDC. Prevemos, a partir do segundo semestre, começar exportar também para o Senegal. Temos a Namíbia e a Zâmbia como mercados a atingir. Espero que ainda este ano, apesar da pandemia, consigamos exportar para a Namíbia.

É possível, dentro de algum tempo, acabar com o défice de sucatas?

É uma preocupação que temos, a sustentabilidade do negócio. Existe ainda muita sucata refrigerada que nunca foi utilizada. Poderemos ter sucatas para mais cinco anos. Essa está armazenada em contentores, ainda não foi utilizada. Depois tem um outro tipo de sucata que é gerada pelo próprio processo industrial.

É suficiente para a indústria?

Não. Estamos a criar alternativas dentro do nosso processo produtivo no sentido de deixar ter a sucata como produto fundamental, mas, sim, um elemento que estará em paridade com outro, nomeadamente monóxido de ferro ou ferro gusa, que é um produto já produzido em Angola, na siderurgia do Cuchi. Ao criarmos este ajustamento interno no processo produtivo, vamos eliminar, a médio e longo prazos, esse problema da escassez de sucatas e, por outro lado, controlar os níveis de preços. Em 2020, uma tonelada de sucata comprava-se a 30 mil kwanzas, hoje compramos a 80 e a 85 mil. Temos aqui um aumento por via da desvalorização, inflação e da oferta e procura.

A não concretização desse ajuste obrigará à importação de sucatas?

Não é o recurso que queremos utilizar. Não queremos estar muito dependentes da importação de matéria-prima, não é o nosso foco. Queremos usar como matéria-prima aquela que existe no país. Mas, se um dia tiver que acontecer, fá-lo-emos porque não podemos parar.  

Qual é a quantidade de sucata adquirida?

Compramos, em média, 400 toneladas de sucata/dia. Quando digo sucata, material ferroso que não inclui cobre, alumínio, sarjetas de saneamento, carris de caminho-de-ferro.

Hoje nas ruas de Luanda não se vê sucata…

Luanda tem sucata que é gerada pelo processo industrial. A sucata hoje vem de outras províncias, maioritariamente do sul. Na zona norte, estamos a tentar captar mais matéria-prima e providenciar um ponto de revenda do nosso produto.

O material bélico do tempo de guerra pode ser alternativa?

Nas condições que temos hoje, não serve pelo elevado nível de carbono. Não são bons para a nossa produção enquanto produto certificado. Quem não tem produto certificado pode receber tudo. No entanto, no futuro, com um sistema mais elaborado, onde se pode introduzir materiais com elevado níveis de carbono e depois tem forma de poder reduzir estes níveis de carbono, estes materiais podem ser admitidos. Obviamente que só poderão ser admitidos se houver uma autorização especifica ou directa das autoridades que gerem estes materiais.

No caso, teria parceria com as FAA que tem muito material ‘abandonado’…

Sim, em 2019, demos uns passos, houve um contacto prévio. Na altura, tiramos algumas amostras e, de facto, colocamos em 'stand by', porque não tínhamos condições. Mas, é obvio, será uma matéria que voltaremos a colocar à mesa logo que as condições estejam criadas.

O Estado perde muito com sucatas abandonadas?

Perdemos todos nós. Cito o exemplo do cemitério dos barcos, na Barra do Dande: são quantidades enormes de material ferroso que estão sob a tutela do Estado que, com alguma iniciativa mais acutilante, podiam dinamizar a economia, promovendo cortes formais e as indústrias podiam adquirir estes materiais. Estaríamos a fomentar a indústria.

Já tentou comprar os barcos abandonados nesse cemitério?

Se dissesse que não, estaria a mentir. Já fizemos contactos com o Instituto Marítimo e Portuário de Angola, manifestámos o nosso interesse, mas as coisas não se desenvolveram. Sei que existem movimentações para a abertura de um concurso para esse trabalho. Posso garantir que a Fabrimetal estará cá para receber estes materiais e daria um uso correcto.

A abertura de uma indústria em Moçambique continua de pé?

Moçambique também é um mercado-alvo porque, desde 2017, está previsto receber investimentos avultados no negócio de gás. Este processo foi atrasado em função do conflito armado. A obra, a ser feita, é muito grande para um país que não tem produção interna, é possível para nós. Numa primeira fase, vamos exportar para lá, temos já alguns contactos, instalar um armazém de distribuição que seja fornecido através de Angola. O objectivo depois, lentamente, é começarmos a produzir também lá.

A fábrica é muito poluidora. Como previne os danos ambientais?

Temos feito investimentos para minimizar esse efeito. Concluímos, no final de 2020, a instalação de um sistema totalmente novo de filtragem dos fumos gerados pelos nossos processos. Sistema esse que nos garante 80 a 90% de purificação dos fumos que são extraídos. Por outro lado, estamos a fazer o reaproveitamento dos resíduos gerados pelos processos. Já fizemos contactos com as administrações municipais e o Governo de Luanda no sentido de poderem usar este produto para poder resolver o problema de muitos buracos na estrada, evitando gastos para o governo. Por outro lado, estamos a criar mais espaços verdes dentro da nossa área e zonas limítrofes.

Perfil

Dedicado à Indústria

Luís Diogo é licenciado em Auditoria e Revisão de Contas, bacharel em Contabilidade. Dedicou-se à área financeira de empresas por 20 anos, porém, desde a vinda para Angola, há 14 anos, está sempre na direcção de indústrias. É director da Fabrimetal há sete anos. De nacionalidade portuguesa, pensa que deve a Angola em “muitas coisas.”