Clínicas com preços cada vez mais elevados
SAÚDE. Utentes consideram preços praticados pelo sector privado da saúde "exorbitantes" e criticam inacção do Governo, perante do contexto de crises pandémica e económica. Tabelas mostram preços distintos e Aniesa diz desconhecer discrepâncias, enquanto gestora hospitalar aponta dedo à importação como a razão dos elevados preços.
Os preços praticados pelas clínicas preocupam utentes que procuram serviços privados de saúde, face ao quase colapso do sistema público. O aumento de casos de malária, registados nos últimos cinco meses e que provocou mais de cinco mil mortes, segundo as estatísticas oficiais, acelerou a procura por privados. Maria Lucas, utente, não entende como é possível que o Ministério da Saúde opte pelo silêncio, defendendo que as instituições privadas devem desempenhar um “papel solidário para que seja restaurada a saúde da população e não para lucrar.” “As clínicas têm aumentado os preços, porque sabem que, em momento de tamanha crise, a população olha para elas como referência por causa das condições que apresentam. Isso só acontece porque a autoridade de saúde não faz vistoria para saber como tem sido gerida esta situação”, lamenta, classificando a situação como "vergonhasa" e de "falta de humanismo".
“Em vez de facilitar a vida da população deixam-na mais debilitada porque os preços cobrados são muito exagerados. O Estado deve criar uma estratégia que visa favorecer a população a ter acesso aos cuidados de saúde nesta época para que os privados tenham preços únicos e que favoreçam a população uma vez que se trata de emergência pública”, defende.
Outra utente, Mélvire Mimosa, também considera os preços exorbitantes para uma população maioritariamente pobre e desempregada. Não compreende a razão de doentes não serem atendidos em algumas clínicas, por não disporem de dinheiro no momento de entrada e, em alguns casos, chegarem a ficar “presos” por não pagarem a caução. Por isso, advoga uma intervenção "urgente" do Governo na limitação de preços.
“Sei que alguns tratamentos médicos são caros e, nalgumas vezes, faz-se apenas em algumas clínicas, neste caso devia ter a intervenção do Governo, com políticas que favoreçam tanto o cidadão como a clínica que presta esse serviço”, defende.
Também Pedro Gonçalves reconhece os gastos dos hospitais privados, mas afirma que não podem servir de justificação para a discrepância exagerada de preços. "Não é possível a caução de internamento na Girassol ultrapassar um milhão de kwanzas", argumenta, defendendo que isso "é inconcebível para um hospital de uma empresa pública".
Profissionais de saúde consultados pelo Valor Económico também consideram que falta de regulamentação, ou de outro dispositivo legal que estipule o preço dos serviços de saúde nas clínicas privadas, contribui grandemente para a especulação de preços. “O caricato é que clínicas, com presença em municípios ou províncias diferentes, cobram pelos mesmos serviços valores diferenciados”, observa um renomado médico, cuja identidade é preservada.
O clínico garante não compreender as razões para haver preços “exageradamente exorbitantes”, inclusive praticados pelas duas clínicas controladas por instituições públicas, a Girassol e a Multiperfil. “O cidadão comum não tem como aceder a estes serviços que já paga através dos impostos", reforça.
Por sua vez, Sandra Mbumba, directora-geral da clínica Grande Muralha da China, aponta como motivo para os actuais preços o custo com a importação de materiais gastáveis necessários e de medicamentos e para a manutenção de equipamentos. "Na saúde, não produzimos nada em Angola, temos de ir à procura no mercado externo. É necessário ter divisas, isso tudo encarece os serviços”, reafirma, salientando que o preço é fixado com base nos custos e no chamado livro de capa da Ordem dos Médicos que dá o valor unitário de cada serviço.
“Não há ninguém que estipula uma tabela de preço, isso depende de cada instituição”, precisa. Sandra Mbumba relaciona ainda a disparidade dos preços com o facto de os fornecedores não serem os mesmos e com as exigências dos médicos que impõem valores por serviço. A isso juntam-se os custos fixos com água, energia, geradores e recolha de lixo.
A gestora da clínica Grande Muralha da China explica que, desde o início da crise, os hospitais privados "lutam para sobreviver".
Os maiores clientes continuam a ser as seguradoras, mas, nos últimos tempos, com o desemprego a subir para níveis alarmantes, tiveram uma baixa de entre 60 e 65%. “Além das seguradoras, trabalhávamos também com as petrolíferas e outras empresas que davam subsídios de saúde, neste momento temos sofrido uma baixa, algumas empresas já cortaram e em outras tem havido restrições, de uma maneira ou de outra que nos tem afectado”, explica, apelando para a necessidade de a banca facilitar o crédito e o acesso a divisas.
Apesar do cenário, que classifica de "angustiante" e de os custos não diminuírem, Sandra Mbumba tem procurado criar novos serviços e reduzir preços para atrair mais clientes. Por exemplo, por uma consulta de clínica geral é cobrado 13 mil kwanzas, em vez dos 70 a 100 dólares anteriores à crise, ou seja, mais de 60 mil kwanzas.
Contrariando a directora hospitalar, a bastonária da Ordem dos Médicos, Elisa Gaspar, desconhece o livro da ordem pelo qual as clínicas se baseiam para estipular actos médicos. Salienta, no entanto, que convocou por duas ocasiões os colégios de especialidade, bem como as seguradoras, para acertarem o preço dos actos médicos, porém estes “não apareceram.”
ANIESA ALHEIA A SITUAÇÃO
A discrepância e os preços considerados exorbitantes no sector privado da saúde são de inteiro desconhecimento da Autoridade Nacional de Inspecção Económica e Segurança Alimentar (Aniesa). O inspector-geral, Diógenes de Oliveira, refere ter tomado conhecimento através do Valor Económico, mas promete averiguar a realidade. “Tem de se fazer um trabalho aturado não só nas clínicas da capital, mas a nível nacional. Vamos trabalhar, devemos perceber se existe uma discrepância, preços avultados.Não existe valor uniforme temos de pegar na base, na estrutura de cálculo e fazer todo trabalho”, avança.
DISCREPÂNCIA DE PREÇOS
Hospitais privados do mesmo patamar cobram uma a duas vezes mais pelos mesmos serviços. E, apesar de constarem entre os preços livres, os serviços são exorbitantes, pelo menos na avaliação de vários utentes. Os valores praticados, por exemplo, em cinco unidades hospitalares privadas, listadas pelo Valor Económico, diferem gritantemente. Sejam em clínica geral, consulta de especialidade ou parto. No caso deste neste último, as diferenças são mais acentuadas.
Em duas clínicas equiparáveis, a Girassol, pertencente à petrolífera pública Sonangol, e a Sagrada Esperança, da Endiama, o valor cobrado por um parto normal difere mais de 300 mil kwanzas, como mostra a tabela na página anterior. Para um parto com recurso a cesariana, é ainda mais alto, com diferenças de um milhão de kwanzas. A comparação torna-se mais diferenciada se feita com os preços praticados pela Medical Center, chegando a diferenças em torno de um a dois milhões de kwanzas.
As três clínicas preferem acompanhar a gestante desde o primeiro mês. Só em consultas, na Medical Center, uma paciente chega a gastar durante os nove meses de gestação, sem contar com a medicação e exames, cerca de 500 mil kwanzas. Já nas duas clínicas associadas às empresas públicas, por volta, de 280 mil.
A Ensa Seguros entregou à ADV Angola a responsabilidade de negociar com as clínicas. Carlos Duarte, PCA da seguradora, reconhece encontrar "muita discrepância" nos preços. Por isso, observa maior dificuldade na efectivação do seguro de saúde pela "falta de harmonização de preços pelos actos médicos".
Uma fonte ligada a uma prestadora de serviços de seguros de saúde refere que o preço fixado para clientes segurados não é igual a de um particular. A estes existe um “certo equilíbrio” definido nas negociações com as clínicas. Explica, por outro lado, que, nos últimos três anos, a tendência dos preços estabelecidos anualmente é de subir por causa da desvalorização do kwanza, da importação de medicamentos, da manutenção de equipamentos e dos pagamentos a funcionários estrangeiros. Pelo que, entende, à semelhança de outros sectores, fruto da conjuntura económica, os serviços de saúde também inflacionaram.
No mesmo alinhamento, o economista Eduardo Manuel explica que o "objectivo das clínicas é o lucro" e que, com a necessidade de cobrir os custos operacionais aumentados com a crise pandémica, foram obrigadas a “subir ligeiramente” os preços. “É mau para o consumidor visto que, de modo geral, não tem poder de compra. Isso é que faz com que as clínicas tenham problemas financeiros porque o consumidor não tem poder de compra”, nota.
Sindicato lamenta salários desiguais
A diferença salarial entre médicos nacionais e estrangeiros, às vezes, com as mesmas funções e horas de trabalho, é considerada pelo secretário-geral do sindicato dos médicos, Miguel Sebastião, de "bastante exorbitante". A instituição escreveu, mais uma vez, ao Ministério da Saúde para intervir. Sem qualquer resposta, esta semana reúne-se para decidir sobre as reivindicações ‘ignoradas’.
“Os hospitais privados não têm um salário fixo, porque têm políticas de pagamento diferentes para os que consideram de efectivos e colaboradores, estes dependem da quantidade de doentes atendidos. A política de pagamento não é aquela que desejamos. É privada, temos tido limitações para impor o nosso caderno reivindicativo", lamenta.
Miguel Sebastião entende que, quando o Ministério tomar posição “dizendo que os médicos não podem ganhar abaixo de um determinado valor, o privado vai ter de se adaptar". “É preciso que o Ministério veja o médico como alguém que deve merecer a atenção devida. O médico em Angola é miserável. O privado age deste modo, porque a função pública também é assim”, lastima, sugerindo uma tabela salarial especial, na qual a diferença não possa ser tão exorbitante.
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