ANGOLA GROWING
Francisco Viana, presidente da Confederação Empresarial de Angola

"Não se está a cumprir a lei da contratação pública"

Militante convicto do MPLA, mas crítico de algumas opções do Governo, em especial das privatizações, Francisco Viana é favorável à alternância democrática, porque só entende que ninguém deve ficar eternamente no poder e sente que o partido está esgotado. Apoiante de um pacto de regime entre todos os partidos, o empresário defende que o combate à corrupção deveria começar com a declaração de bens dos governantes. Sugere uma aposta na produção nacional, a todos os níveis, com forte incidência na agricultura.

"Não se está a cumprir a lei da contratação pública"
D.R

Quase meio século depois, ainda estamos a corrigir o que está mal?

Sim. Quando se começa mal, é um grande problema. Angola devia ter nascido com uma Assembleia Constituinte, ter todos os irmãos numa mesma assembleia de um mesmo partido político, fazermos eleições democráticas. Depois esses representantes do povo sentarem-se e decidirem aquilo que é um projecto comum para Angola. Mas, infelizmente, tivemos só o vencedor a ditar a sua lei nos últimos 45 anos e isso não faz bem ao país.

E quando é que paramos de corrigir?

Temos de iniciar uma nova relação baseada no respeito e, sobretudo, acreditar que todos somos angolanos. Somos necessários para a construção de Angola. Ultimamente, não é o que temos vindo a assistir, por exemplo, com a questão dos marimbondos. Isso só divide Angola, porque os tais marimbondos, que acabaram por nem sequer serem devidamente identificados, são necessários para Angola. Todo o mundo é necessário. Não nos devemos auto-excluir até ficarmos sozinhos. O que está mal é não aceitarmos as diferenças.

E o que acha que está a acontecer?

Temos de encarar com muita naturalidade a alternância democrática. Não posso pensar que vou governar o país e o mundo durante todo o tempo. Mesmo se tivermos numa sala a ver televisão, durante 45 anos, não deve ser a mesma pessoa a pegar no comando e a dizer qual é o programa. Os outros irmãos também têm o direito de mudar a programação.

O senhor, como militante do MPLA, faz também parte deste grupo...

Sim, sou militante. Mas, no MPLA, o meu papel é calar. Quando quero abrir a boca, mandam-me calar.

Assim, literalmente?

Tem acontecido muitas vezes até que decidi parar de participar nas reuniões. Faço parte do comité provincial, dei várias ideias. Não estão a fazer utilidade das minhas ideias. Tenho o MPLA no coração e vou morrer MPLA. Mas o MPLA não tem razão em tudo e há coisas que temos de corrigir. Entrei para o comité provincial na esperança de, como empresário, ajudar na questão do empresariado. Fizemos um aviso de que o país ia mal economicamente, escrevemos várias cartas ao Presidente da República.

É um militante zangado?

Não. Sou um militante triste. Gostaria de ver o nosso partido muito mais além do que é hoje. Não há dúvida nenhuma de que o MPLA é uma grande força, mas o problema é que está a autodestruir-se. E não aproveita bem os seus militantes. Sou do MPLA. Talvez seja o único militante do MPLA que esteve três vezes na Jamba. Estive em três ocasiões diferentes. Tive o prazer de conhecer muitos militantes da UNITA. E estive em Paris, com o Holden Roberto. Portanto, no fundo, sou mais um patriota.

Recordo-lhe que o senhor é militante de um partido que tem como 'coluna vertebral' o centralismo democrático. Logo, as decisões da maioria sobrepõem-se...

Todos os partidos no mundo são assim. Até o Trump também é assim. O problema é que não devo partidarizar as questões de Angola, porque o mal de Angola não está essencialmente nos partidos. Está na nossa mente. Não é só o MPLA que quer a exclusão, os outros partidos, nos momentos mais difíceis, se auto-excluíram. Mesmo na luta da libertação, não nos conseguimos unir. Está na hora de pensarmos mais em Angola do que nos interesses partidários e de revermos a nossa Constituição. Nem sequer podemos votar no próprio chefe de Estado. Andamos para trás. Por isso é que agora já não voto. Não voto, porque isto já não é uma democracia, mas sim uma partidocracia. Votamos nos partidos e estes instalam presidentes, quando deveria haver independentes a candidatarem-se. Temos uma Constituição que tem dificuldade em controlar o executivo. Estamos num estado de direito que não está plenamente de direito, porque ainda temos uma grande partidarização das instituições democráticas. Quando é que vamos dar o salto para uma democracia de qualidade? Porque é que temos medo da alternância? Por exemplo, em Cabo Verde, o PAIGC foi governo durante muito tempo, mas depois perdeu as eleições. Mas não é por isso que o PAIGC morre.

É entendível que um militante do MPLA faça essa pergunta como se estivesse a defender a alternância?

Defendo mesmo. Quando um determinado partido esgota as suas soluções.

É o que acontece com o MPLA?

Estamos sempre a ir buscar os mesmos nomes. Deveríamos ter mais um bocadinho de imaginação, sermos mais inclusivos. Não podem ficar no partido pessoas eternas. Mas isso no partido e na UNITA. A UNITA deu um grande exemplo de democracia interna. Foram cinco a candidatar-se e ganhou o Adalberto. Devemos pegar nos partidos políticos e dar-lhes essa frescura, essa modernidade de alternância.

Já elogiou a UNITA quatro vezes. Dá para entender que apoiaria a UNITA ou gostaria de a apoiar?

Não. Sou amigo pessoal do Adalberto Costa Júnior, acredito que é um homem de grandes qualidades. Também sou sobrinho de Agostinho Neto, o mesmo que prendeu o meu pai. Tenho enorme carinho pelo nosso camarada José Eduardo dos Santos. As pessoas não podem achar estranho gostarmos de angolanos de partidos políticos diferentes. José Eduardo dos Santos foi um grande estadista e ficará na história como grande estadista, quer queiram, quer não. Faz falta. É bom que ele venha a Angola para unir os angolanos.

E tem o mesmo carinho por João Lourenço?

Fui a pessoa dentro do MPLA, uma das primeiras, a fazer campanha para alternância dentro do partido e fui dos primeiros a apoiar o Presidente João Lourenço. O problema é que acabámos por não conseguir chegar a um diálogo. Fiz campanha e estive presente no grande comício que fez com os empresários. Apresentámos as nossas propostas. Quatro anos depois, não conseguimos falar.

Arrependeu-se?

Não estou arrependido, era necessário. O presidencialismo em excesso é muito mau.

E é o que está a acontecer agora?

Já aconteceu no passado. 

O seu pai é que falava no presidencialismo em excesso em relação a Agostinho Neto.

E foi preso e torturado por isso. O meu pai dizia duas coisas. Primeiro, a questão do presidencialismo, segundo, as contas, dinheiros, roubos e a corrupção, que já havia na altura. Também sou filho da minha mãe. Aprendi muito com essa portuguesa que casou com um africano, foi deserdada e, muitas vezes, não davam os papéis que ela merecia no próprio partido porque era filha de um branco, de um colono. Às vezes, dá-me ideia de que Angola não evoluiu muito. Continuamos com os problemas raciais e tribais.

Sente isso?

Todos os dias. A nossa sociedade não está pacificada. Ainda oiço esses sulanos, esses bailundos, esses bacongos. Ainda vejo o que aconteceu no leste com as Lundas. É terrível. Ainda oiço a falar esses cabindas. Para não falar desses mulatos e brancos. Angola tem de olhar para os seus problemas. É fácil um angolano chegar a Portugal e, passados três anos, já é português. Enquanto ao português, a viver aqui 20 anos, o assunto não é resolvido. Um 'mamadu', que trabalha aqui há 40 anos, não tem documentos. Os filhos não podem ir para a escola. A nossa sociedade não é inclusiva.

Isso é culpa de quem?

Se tomar conta de uma casa e mandar em casa, você é o principal culpado. Temos de saber quem está a fazer as leis, quem está as implementar, quem está a conduzir o barco. Mas, na corrupção, já é algo que se enraizou no nosso pensamento. E não podemos apontar os nossos dirigentes por serem corruptos.

Que tipo de combate à corrupção é que deveria ser feito?

Na educação e no exemplo. Uma vez, propus que, dentro dos partidos, nomeadamente no MPLA, houvesse um gabinete de perseguição à corrupção. Mandar prender todos os corruptos. De maneira que dentro do partido começasse a haver esse hábito.

E qual foi a resposta?

Disseram-me que não estava na China. Mas a realidade é que, na China, há muita corrupção, mas o Partido Comunista Chinês tem um controlo e o presidente Chi Jin Ping enfrenta a América e toda a gente. Combate-se a corrupção combatendo a pequena corrupção. Isto é, começar a formar pequenos funcionários a não receber um maço de tabaco. E dão-se condições aos trabalhadores.

O que é que se deveria fazer e que não está a ser feito?

Aplicar leis. Quando se entra no poder, faz-se uma declaração de bens, a lei da probidade. Quando se diz que não pode haver governantes que fazem negócios, mas continua a haver, obviamente há quem tenha de se rever.

Tem gostado da forma como o Estado recupera capitais?

É necessário que se faça o repatriamento. A França já está a adoptar leis para os dirigentes africanos de modo a que possa recuperar essas fortunas. O problema é que a iniciativa passa ao lado dos países onde são depositados os dinheiros. Já não temos mãos nas nossas próprias riquezas, quando deveríamos ser nós a ter esse tipo de iniciativas.

Incomoda-o ver pessoas serem detidas e presas como tem acontecido?

Não vi ninguém a ser detido, nem preso.

Já tivemos muitos presos...

Temos muito poucos. Deveríamos tentar pôr um bocado de ordem. Muita gente vai para a cadeia, fica lá dois ou três dias e depois sai. Temos também informação de algumas situações em que também agentes da justiça vivem de soltar presos. A família chega, junta um dinheirinho e pronto. Enquanto a justiça estiver assim não se pode dizer que há presos. Não há presos. Há presos de estimação.

Quem?

Acredito que há presos de estimação. O senhor é inteligente suficiente e faça a sua investigação.

Refere-se a Augusto Tomás?

Não devemos chegar e personalizar nomes. Quem sou eu para saber o que se passou com Augusto Tomás...?

Mas como empresário e militante do MPLA, sabe se o incomoda ou não, ou se é correcto ou não.

Não ganhamos nada nessa perseguição. Nem ao Augusto Tomás, nem a nenhum camarada.

Defende uma amnistia?

Defendo um pacto de regime em que todos os partidos políticos se ponham de acordo. Não concordo que se pegue nas coisas dos empresários. Por exemplo, o Kero já era de empresários angolanos. Retiraram-se esses bens para agora negociar em condições desfavoráveis com estrangeiros

Esse pacto está impossibilitado?

Não. É preciso pôr o MPLA e a UNITA de acordo. Temos de pensar no futuro de Angola e não no passado. Temos de fazer uma burguesia nacional. As pessoas foram para a luta de libertação nacional. Imaginemos que fosse o império romano. Fez a guerra e venceu. E o imperador chega e diz, você agora fica cônsul daqui, cônsul dali. Foi assim que as nações fizeram as suas riquezas, dividindo entre famílias. 

E não foi o que aconteceu com o MPLA?

Não. Deveria ser dividido, houve um certo kwata-kwata. Devíamos fazer de forma organizada, como o fez a África do Sul. Começou a repartir riquezas pelos membros do ANC e por várias empresas de uma forma clara, à luz do dia.

E não aconteceu aqui?

Aqui houve uma boa intenção do ex-presidente José Eduardo dos Santos, mas depois não foi devidamente controlada e descambou. Ao invés de esperar a sua parte, cada um foi inventar a sua. A UNITA também teria direitos e estavam nos acordos de Bicesse, para também ter sustentabilidade económica. Só porque é da UNITA já não dá fazenda, só porque é da FNLA, já não dá fazenda. Tem de haver um casamento entre membros do MPLA, da UNITA e da FNLA, tem de haver empresas conjuntas. Temos de procurar fazer partilhas e cruzamento de interesses. Tudo isso não pode ser feito por cima dos interesses do angolano comum.

"O que se aprendeu foi traficar influência, roubar o erário público e ter uma mentalidade de rendeiro". Reconhece estas palavras?

Somos uma economia rendeira, não temos o hábito de produção. Temos estado a viver do petróleo, mas não ganhámos hábitos de transformar Angola no vasto campo de gente produtiva. Temos uma administração muito grande e muito pesada, não deveríamos ter tantos funcionários públicos. Quando atingimos a libertação política, deveríamos ter formado guerreiros para a independência económica. O angolano está a perder cada vez mais.

Está a perder posição para quem?

Para os estrangeiros mancomunados. Há estrangeiros que vêm para Angola, fazem esforços e vivem dele. Deveríamos fazer de Angola, tipo os EUA, um estado descentralizado que acolhesse milhões de pessoas, mas não prejudicasse a população. Mas não. Preferimos que venham os nossos mancomunados. Aparecem à frente dos negócios, a gente privatiza para eles e depois vamos buscar as nossas esmolas. Está a acontecer muito. Não estou aqui numa posição de delação, mas sim na intenção de chamar a atenção para o perigo. Angola deveria ter um serviço de inteligência económica.

Os estrangeiros dominam, mas têm por trás alguns angolanos...

Basta assinar e vender posições para 20 ou 100 anos, tanto que o nosso próprio chefe de Estado encontrou situações que teve de corrigir. Deveria haver uma maior aproximação entre o gabinete do Presidente e a classe empresarial. Fizemos uma proposta para que fosse constituído o conselho de concertação económica e empresarial. Iniciámos o diálogo. Na altura, quem esteve a acompanhar foi o ministro de Estado Manuel Júnior e também o da economia, Sérgio Santos. Acontece que, a uma determinada altura, houve um entendimento diverso daquilo que é a concertação e havia pessoas que achavam que era só ouvir.

Um conselho desse tipo não foge ao controlo partidário?

Claro. Tem de ser independente.

A proposta, à partida, muito dificilmente passaria...

Devo partir do pressuposto de que existe um governo legitimamente eleito e temos de trabalhar. Devemos também visitar o Parlamento para trabalhar com os partidos, nomeadamente com as comissões de economia e finanças e da reforma do Estado. Quem governa é com quem devemos trabalhar. Quando fazemos uma proposta ao Governo, não devemos pensar que é do MPLA. Existe uma série de membros do Governo que nem sequer são do comité central.

Qual é a culpa dos empresários?

Se temos uma liderança e um empresariado fracos, claro que a culpa é da liderança. Às vezes, estamos a concorrer com os nossos dirigentes. Eles é que ficam com os melhores contratos, com as 'massas', jogam os foguetes, atiram as canas, fazem as festas. É uma concorrência desleal. Não se está a cumprir a lei da contratação pública. Não é para fazer estes ajustes directos que estamos a ver. Continuam ajustes directos de centenas e dezenas de milhões de dólares. Nós, os empresários, o que é que temos? Temos impostos para pagar e um mercado totalmente descapitalizado. O empresário não tem dinheiro, não tem crédito.

Não acredita no sucesso das privatizações?

Não é que não acredite. Não fizemos a luta de libertação nacional para entregar, de mão beijada, os bens do Estado a estrangeiros.

Os angolanos não têm condições para entrar nessa 'luta'?

A privatização não faz sentido. O angolano não tem dinheiro. Não seria justo continuarmos a permitir a delapidação dos bens do país dessa forma descarada e à luz do dia. Os negreiros ainda andavam muito para vender os escravos, agora nós, com uma caneta, é uma nação inteira vendida aos chineses e a outros. Angola é dos pequenos. Primeiro, temos a agricultura familiar. Somos um país de agricultores. Nas 18 províncias, o que vai funcionar é o agro-negócio. Ao nosso ministro da Agricultura, o engenheiro Assis, puseram-lhe numa posição ingrata, porque ele não tem 'budget'. Deveria ter dez vezes mais daquilo que tem. Deram-lhe o ministério, mas não lhe deram meios. Os nossos heróicos trabalhadores do Estado nem têm bicicletas e motas para ir para o campo. Não têm condições nem ordenados. Não temos veterinários que cheguem. Não temos institutos médios agrários. Poderíamos fomentar o empreendedorismo nas províncias, fazer cooperação com países que já têm sucesso nisso, como é o caso do Brasil. Deveríamos ensinar técnicas mais modernas para que o milho em Angola, não fosse problema.

A grande aposta devia ser ajudar os agricultores?

Não. A grande aposta tem de ser em todos os leques do conhecimento. 

E como é que se faz?

Por exemplo, chega-se aos antigos combatentes e entregam-se tractores. Isso chega? O antigo combatente já está cansado. Deve-se formar um membro jovem da família. Se se quiser fumar um bagre, ninguém tem condições para o fazer. Não há quem ensine a tirar o lagostim ou a fazer a desova, para fazermos piscicultura. Não há ninguém que consiga meter pequenas máquinas para aproveitarmos o tomate que estraga. 

Quem deveria fazer esse investimento?

Na Alemanha, ou na União Europeia, cobram impostos, mas prestam serviços. Só com a pandemia, dos impostos que receberam, criaram condições para os empresários. Criaram sedes e centros de formação.

O que é que está a falhar?

O que está a falhar é que ainda continuam interesses europeus a comprar os nossos traidores. Aqui em África, temos cientistas, inventores. Temos angolanos que já venderam um aplicativo a 25 milhões de dólares. Não fazemos só funge. Quando se entra naqueles matos do Golungo Alto, do Samba Caju, não há nenhum saco para pegar no produto, não há motas para entrar. Ninguém ensina nada, nem ao menos como se vai podar o café. Ninguém ensina como se vai tirar as carraças ao boi. Mas temos bois, somos uma maravilha de oportunidades, dando lugar aos pequenos. As pequenas e microempresas, em qualquer parte do mundo, devem ser apoiadas.

Está de acordo com a lei laboral?

A lei laboral tem laivos de comunismo. Se for a um tribunal de trabalho, praticamente perde, se for empresário. Já é uma prática dos juízes, "coitadinho dos trabalhadores", as famílias também dão dinheiro e depois dividem o saque. Vamos pensar diferente. O trabalhador é feliz se tiver transporte. Ganha 25 mil kwanzas e tem cinco filhos.

E isso é um bom salário?

Claro que não. Mas é o salário do mercado. O Estado deveria ter metro, transporte, clínicas com condições para o trabalhador. O trabalhador em casa não tem luz, água, chega ao trabalho a cheirar a catinga. Ainda é chamado a atenção, porque está a cheirar a catinga, mas não sabemos de onde é que está a sair. O trabalhador, às vezes quando chove, já não vem trabalhar e leva falta, mas andou a tirar baldes de água de casa. Somos heróicos e o angolano ainda chega sorridente ao trabalho. Precisamos de dar primeiro ao trabalhador formação e condições para o trabalho e com pouco dinheiro. Poderíamos dar o tal um milhão de casas que não sei aonde é que andam. Fez-se a Centralidade do Kilamba e conheço pessoas que são ricas e têm lá três apartamentos para as amantes. Fazem-se casas para os pobres, mas depois continuam a ser os ricos que as usufruem. Temos de amar o nosso povo e os dirigentes de olhar o povo com amor. A lei do trabalho é importante, mas, tem de ser equilibrada. 

E esta lei é equilibrada?

O problema é o custo de vida. O trabalhador, há poucos anos, comprava o frango a 300 kwanzas e agora compra-o a dois, quase três mil kwanzas. Antigamente, comprava farinha a três mil kwanzas e agora compra a 21 mil. Em cinco anos, passámos de 100 dólares, que eram 10 mil kwanzas, para os 65 mil kwanzas. O custo de vida aumentou imenso. A miséria é tanta... e ainda dizem que não existe miséria. Não estou a ganhar dinheiro. Tenho restaurantes e não estou a facturar, porque o povo não tem dinheiro. Então, onde está o dinheiro de Angola? É preciso pôr aquela diferença do petróleo, fez-se o orçamento a 40 dólares, mas agora estamos a receber 30 dólares a mais. Esse dinheiro tem de ser transformado e redistribuído para a população. Angola não tem kwanzas e isso é muito grave. Olha-se para o angolano e vê-se que está triste. E não tem nada que ver com a governação.

Quatro ministros da economia em quatro anos. Isso significa instabilidade?

Já tínhamos um programa, o Angola Investe, do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, capitaneado pelo ex-ministro Gourgel. É dos melhores projectos que conheço no mundo. O problema é que caiu numa sociedade corrupta. A culpa não é do Governo, mas sim de uma sociedade que está habituada a ir buscar dinheiro ao banco e a não pagar. Isso originou que o fundo criado pelo ex-chefe de Estado deixasse de funcionar. Não há fundo que resista a tanta corrupção.

Foi um duro golpe o fim do Angola Investe?

Já estávamos a trabalhar para fazer o Angola Investe 2, com a correcção e os melhoramentos. Seria corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. Mas decidiram fazer uma coisa, já com o ministro Luís Pinto da Fonseca, que não lembra ao diabo, que foi o Ministério sediar todos os empréstimos. Ficaram a comandar o barco, o BDA. O Governo é que manda na banca. Aquilo nem no tempo da Roménia poderia acontecer. Faz o Prodesi, mas não trabalha com os empresários.

É possível haver uma redução de preços dos produtos da cesta básica?

Claro que é possível. É pôr o angolano a trabalhar bué. Isso faz-se apoiando a produção. Quando o ministro do Comércio falou do matabicho, tinha razão. Temos tantos produtos bons. Não devemos falar da cesta básica, mas sim de segurança alimentar. Se oferecer arroz à população do Sul, que não come arroz, só se vão arranjar problemas. O que devemos fazer é fomentar a produção. O problema aqui é mais fomentar, porque se vai buscar a micha do projecto. Imaginemos que vou fazer dois/três projectos de 50 milhões de dólares. Aconteceu com o Prodesi. Só os grandes é que recebem dinheiro. Os pequenos não estão a ver nada. Mas alguns que estão aí, ligados ao poder, já têm a sua parte. Mas o povo que só bastava mil dólares não recebe. O óleo pode-se fazer aqui em Angola, com jinguba. Se falarmos da cesta básica, estamos a falar do açúcar, tomate, sal e fuba. A fuba vir do Brasil é uma brincadeira. Se apostarmos nos camponeses, eles vão produzir. Agora pensa-se em mandar vir estrangeiros, até há projectos megalómanos de chineses a entrar nos nossos campos.

Temos condições para exportar?

Claro que temos condições.

E há excesso de burocracia na exportação?

Disso não tenho dúvidas. Nos outros países, quando se exporta dá-se um incentivo. Aqui ainda temos de pagar. Pagamos taxas. Na China, os empresários são incentivados e ainda recebem do imposto 17%. Tem noção dos camiões que estão a ir ao Luvo e de lá para o Zaire? Aos montes. Já estamos a exportar.

Não deveríamos ser mais ambiciosos em vez de ficarmos só por aqui, pelos vizinhos?

Você nem consegue ter uma mulher, quer ter quantas então? Se estás no Luvo e nem consegue ainda fornecer o Zaire, já quer ir aonde? Temos aqui países à volta mais do que suficientes para um grande início da exportação. As barreiras impostas nos países europeus são muito mais complicadas. África tem muito dinheiro e os nossos produtos têm uma penetração imediata nos países vizinhos.

Em 2015, utilizou a expressão “o El dorado em Angola vai começar”. Falhou?

Não falhou. Quando utilizei essa expressão, o petróleo tinha caído e Angola estava numa crise quase de insolvência. Teve de pedir dinheiro a todo lado e só a China é que deu. Não tínhamos indústria nem agricultura. E de então para cá, multiplicaram-se. Antigamente, não ouvia um angolano a dizer "vou à minha fazenda", agora multiplicam-se grupos de criadores de coelhos, galinhas, vacas e cabras. Produzimos um pouco de tudo cada vez mais. Agora é que o 'el dorado' começou. Mas não aconteceu em dois dias. No mercado do Km 30, pode-se ver que produzimos muita coisa. Há lá quem torre jinguba. E, torram jinguba com motor de carro, porque não estamos a conseguir meter-lhes lá algumas moageiras a sério. Então, inventam e inovam.

É a luta pela sobrevivência?

É o heroico povo angolano. Quando dizem que os africanos não gostam de trabalhar, é mentira. É racismo. O africano gosta de trabalhar, não o deixam trabalhar. Há angolanos que gastam mil kwanzas para chegar ao trabalho e só vão ganhar 800 a 900 kwanzas. Mesmo assim está alegre, ainda não deu nenhuma bofetada ao patrão.

O povo angolano é pacífico?

É pacífico até um dia, porque depois tudo cansa.

Não gostaria de ser governante?

Cada um tem a sua vocação e faço aqui uma declaração pública. Nunca me vão encontrar num cargo público.

Não tem essa tentação?

Já estou a ter intervenção política. 

Já tem porque é militante do MPLA...

Sim. Sou membro do comité provincial, porque fui eleito e já não me vou candidatar a mais nenhum cargo dentro do MPLA.

Está com medo de não ser eleito?

Não. O MPLA já me conhece como crítico e sinto-me muito bem. E nunca vou ser de um outro partido. Vou morrer no MPLA.

E vai votar no MPLA?

Se houver uma separação entre votar para o chefe de Estado e votar para o partido, irei votar. Se for esta a Constituição, em que tudo está embrulhado, Francisco Viana não vai pôr o seu dedo.

Portanto, o seu problema é João Lourenço?

O João Lourenço é grande patriota e um grande Presidente.

Porque faz essa distinção?

Porque não podemos ter poder excessivo em nenhuma situação.

E é o caso dele?

Na Constituição de Angola, o chefe de Estado tem poder a mais. Se amanhã entra o Adalberto, com esse poder, vai ser mau para Angola. Qualquer presidente com esses poderes excessivos não é bom. João Lourenço é um patriota. Gosto dele. Está a tentar fazer o seu melhor. Está rodeado de marimbondos. Continua com muitos marimbondos.

E o marimbondo pica a sério...

Ele disse que aguenta. O problema é que o tempo está a passar. Angola precisa de acelerar nas mudanças. Não personifiquem os problemas de Angola no João Lourenço ou no Adalberto. Todos os angolanos são poucos. Não acusem um chefe de Estado que está a fazer o possível. (...) Sabemos que temos de acabar com a corrupção e sabemos que Angola tem de ser mais inclusiva. Fizemos uma revisão constitucional à pressa. Dá-me a ideia de que é para matar a visão daqui a uns cinco anos. Poderíamos fazer o seguinte: em 2022, o povo que escolha e depois vamos a uma assembleia constituinte. E vamos elaborar um projecto comum. O pacto de regime é isso. Temos de votar uma nova Constituição, mas amplamente discutida também pela sociedade civil, pelo clero, pelos sindicatos e por todo o mundo. Coisa que também não entendo como é que entramos num governo e vamos dizer que vamos simplificar e acabar com não sei quantos ministérios e, de repente, metemos 10 províncias como projecto, quando não temos estradas nas províncias. Nem temos um governador que consiga governar

É uma contradição?

É, e uma grande contradição. Temo que seja mais uma manobra eleitoral do que qualquer coisa. Como vamos eleger ou nomear o Tribunal Supremo e o Tribunal Constitucional? Se pertence a um partido e depois quer ser nomeado, tem de ficar dois ou três anos fora desse bureau político.

Deveria ser feito com a Laurinda Cardoso?

É minha opinião humilde como cidadão.

Cidadão e não só. Também dirigente do MPLA...

Não sou dirigente do MPLA. Faço parte da direcção. Mas continuo humildemente no meu canto. Num partido nem todos têm de ser dirigentes. Temos de ter humildade de ser militantes de base e considero-me mais militante de base. E estou disponível para a batalha. Por isso, para aqueles que pensam que vou entrar para outro partido, não vou. Vou continuar no meu partido, mas tenho de ter a liberdade de ajudar o meu partido com as minhas ideias.

E respeitar as decisões do partido?

Respeitar também pode ser por protesto. Posso dizer, não concordo, mas vou fazer e vou acatar. 

Perfil

Empresário e militante convicto

Francisco Viana, natural de Golungo Alto, Kwanza-Norte, é presidente da Associação Empresarial de Luanda e fundador do Fórum dos Empresários de Língua Portuguesa. Já foi catalogado de “patrão dos patrões”, título que agora rejeita. Assumido militante do MPLA, sendo actualmente membro do Comité Provincial de Luanda, considera-se um “militante triste e calado.”