Decisão política coloca operadores de enchimento de gás à porta da falência
INDÚSTRIA. Operadores têm custos acima das receitas e antevêem falência caso não se altere imediatamente o quadro. Ministério das Finanças tem proposta em cima da mesa já há cinco anos, mas reajustes não se adequam ao momento, segundo o Instituto Regulador dos Derivados do Petróleo (IRDP). Empresas apontam o dedo às eleições.
O preço de comercialização de gás butano, fixado até 1.200 kwanzas, está completamente desajustado à realidade actual. Desde 2015 que os operadores têm reiteradamente exigido aumentos aos ministérios das Finanças e dos Petróleos, face à desvalorização da moeda, aos custos operacionais e a outras despesas que, a cada dia, disparam, conforme explicam gestores das empresas Saigas e GasTem.
Severino Chingala, director financeiro da Saigas, entende que o preço não é reajustado apenas porque o Ministério das Finanças “faz de contas”, porquanto tem acesso aos relatórios e contas das empresas. “O custo é a base de determinação do preço, as empresas apresentam relatório e contas, ninguém se preocupa em analisar qual é a média do custo operacional histórico das empresas, são simplesmente ignoradas”, lamenta.
A cobrir 70% da necessidade do mercado nacional, refere que, apesar da subvenção, as empresas não conseguem contornar a “asfixia” provocada pelos elevados custos. No entanto, entende que os aumentos não são feitos simplesmente por questões de ordem política, tendo em conta as eleições gerais do próximo ano. “Como a subida de preço tem implicações políticas, então a decisão política é que as empresas vão à falência. O Estado não quer saber. Estamos há três anos consecutivos com resultados negativos. Neste momento, as operadoras não ganham dinheiro, estão a trabalhar como ONG”, resigna-se, avançando que algumas mais pequenas estão “a um triz” de fechar portas e a Saigas só não o faz por conta de “algumas aplicações financeiras”.
Chingala acredita, entretanto, numa eventual subida depois das eleições gerais, à semelhança do que poderá acontecer com os combustíveis, pelo que propõe um aumento de 30%, ao mesmo tempo que se mostra “revoltado” com o facto de a Sonagas, operadora detida pela Sonangol, fazer “concorrência desleal”. Para o gestor da Saigas, a subsidiária da Sonangol vende muito abaixo do custo, com margem de apenas 100 kwanzas, o que, como refere, contribui para “agudizar a crítica situação financeira das quatro operadoras privadas que estão a engatinhar”’.
Por sua vez, Amaro Servente, director comercial da GasTem, reconhece a dificuldade dos consumidores, devido à queda do poder de compra, mas defende a “necessidade urgente” de reajustes. Só no mês de Julho, os custos estiveram na ordem dos 102 milhões de kwanzas, bastante próximo das vendas. “Estamos a passar pelas mesmas dificuldades, se nós fecharmos, não há gás para ninguém. Todas as empresas privadas estão nesta luta, não sei qual é a política que se vai aplicar”, expõe, sugerindo o aumento da subvenção ou aplicação dos preços reais. “Se não é possível colocar os preços reais, o Estado devia rever o valor da subvenção, aumentar um bocadinho para 60 a 70% para que as empresas possam sobreviver.”
Os custos elevados arcados na transportação têm atrapalhado a operadora na distribuição de gás para as outras províncias, sobretudo no leste, razão pela qual tem havido constante escassez. Uma tendência que poderá piorar nos próximos meses.
No entanto, as empresas e agentes revendedores são obrigados a violar o decreto de 2015, que fixa o preço do gás a 1.200 kwanzas, na tentativa de sobreviverem porque, justificam, os custos se tornaram “elevadíssimos” com a pandemia da covid-19, além do “estado precário” das estradas.
MOMENTO NÃO ÉAPROPRIADO, ENTENDE IRDP
Um ano após aprovação dos decretos Presidencial 283/20, de 27 de Outubro, e o Executivo conjunto n.º 331/20, de 16 de Dezembro, que estabelece o modelo de definição dos preços dos produtos derivados e do gás natural e uma nova estrutura de custos e preços de referência dos produtos derivados do petróleo, incluindo o gás butano, baseada nos preços de paridade do mercado internacional e na taxa de câmbio, como mecanismo automático de ajustamento e actualização das margens de comercialização, a entidade reguladora, Instituto Regulador dos Derivados do Petróleo (IRDP), explica, ao Valor Económico, que o contexto não é ideal para aumento de preços.
“O ajustamento do preço do gás nas condições económicas actuais poderá ter um impacto negativo sobre as camadas mais vulneráveis da população, sendo, por este motivo, uma preocupação perene do Executivo”, justifica.
O IRDP reconhece a “situação crítica” com que se debatem as empresas, com os custos operacionais que se tornaram muito elevados com as subidas sucessivas da taxa de câmbio, assim como o custo de transporte do gás para cobrir as outras províncias. Mas salienta que a decisão está refém do Executivo. “Caberá ao Executivo ponderar sobre o momento adequado que eventualmente estabeleça o equilíbrio entre preservar a sustentabilidade das empresas que operam no enchimento e distribuição de gás e simultaneamente proteger os consumidores em termos de preço e disponibilidade do produto.”
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...