“Os EUA precisam de Angola, o maior problema está deste lado”
Das relações de Angola com os Estados Unidos à falência do restaurante Jango Veleiro, Pedro Godinho explica o que vai bem e o que vai mal na economia. Acredita que os norte-americanos estejam estão satisfeitos com João Lourenço, o que o leva a pensar que um possível encontro com Joe Biden é uma questão de tempo. O empresário desfaz ainda o mistério quanto à sua ligação a Marta dos Santos, a irmã do ex-Presidente da República.
Fez parte da comitiva do Presidente da República que, recentemente, esteve nos Estados Unidos. Qual é a avaliação que faz?
Gostaria de corrigir. Não estive na comitiva. Nós, Amcham Angola, como afiliada da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, decidimos organizar um fórum de negócios para o qual convidamos algumas empresas de peso e com a participação do Presidente João Lourenço, à semelhança do que fizemos em 2018, quando foi o primeiro encontro em que esteve nas vestes de Presidente da República. Decidimos organizar este fórum porque há a necessidade de manter o estímulo e a dinâmica do processo que vai conduzir ao fortalecimento das relações económicas e comerciais entre os Estados Unidos e Angola. Acreditamos que a condição que Angola tem, com o Presidente João Lourenço, abriu uma perspectiva muito grande no sentido de atrair o interesse e investimentos de empresas americanas, uma vez que conseguiram perceber e constatar que um dos maiores cancros que as fez afastar do mercado angolano foi a corrupção. E agora conseguiram perceber que a cruzada que o Presidente João Lourenço está a desenvolver contra esse fenómeno é séria e já começou a dar os seus frutos.
Que frutos?
Num segundo aspecto, é a vontade e predisposição que Angola tem em criar uma interacção mais genuína e séria com as instituições como o FMI e o Banco Mundial. Esta interacção forte e a performance positiva que o país tem tido durante as avaliações destas instituições têm facilitado bastante. De uma forma resumida, nunca Angola teve um líder tão querido no seio do tecido empresarial americano. E, quando digo tecido empresarial americano, também estou a dizer a comunidade junto das instituições, porque os Estados Unidos e Angola já têm uma parceria estratégica, mas dentro da estratégia geopolítica em função do posicionamento geográfico de Angola.
Volto à questão anterior. Referiu que Angola nunca foi tão aceite no seio empresarial dos EUA, mas o balanço dos quatro anos de governação, em termos de investimentos americano, não espelha esta realidade…
Já começámos a sentir. Uma coisa é certa: em relação ao sector do ‘Oil and Gás’, nunca houve problemas de investimentos, mas, a uma dada altura, o ambiente era de tal forma nocivo, a nível da corrupção, que temos aqui um caso que podemos trazer como registo. O caso da Cobalt, uma empresa americana que estava a operar os blocos 20 e 21, com algumas descobertas e que, naturalmente, a ter uma participação de empresa angolana, a Nazaki, e sabemos a quem pertencia. O que é que deu? Em função da Lei Anticorrupção no Estrangeiro, a FCPA, a Cobalt teve de abandonar Angola e com pesadas penalizações nos Estados Unidos.
E hoje…
Vimos, por exemplo, que se assinou um contrato com a Sun Africa, cuja perspectiva é atingir 1,5 mil milhões de dólares. Em 2004 e ou 2005, quando Angola beneficiou do financiamento da China de 2 mil milhões de dólares, viram as maravilhas que ocorreram, os kilambas, hospitais, estradas. Isso só para se ter uma ideia do investimento em causa. A Sun Africa, que é uma empresa de energia, prevê investimentos desta magnitude. Já começaram com 300 milhões em Benguela e, na assinatura do memorando de entendimento entre o Ministério da Energia e a Sun Africa, o Presidente esteve a testemunhar, para garantir energia para algumas regiões recônditas do país, como Namibe, Cuando Cubango e Moxico. Outro investimento americano é a Africell, que tem a possibilidade de ser o quarto operador de telefonia móvel. É um investimento americano que vai garantir, pelo menos, seis mil postos de trabalho directo. Temos a GEE, que começou ainda no tempo do Presidente José Eduardo, mas que tem as condições criadas para continuar a fazer investimentos de forma muito acentuada.
No caso da Africell, há quem defenda não tratar-se de uma empresa americana…
Os Estados Unidos são um país com um mosaico de etnias diversificadas. Há as comunidades italiana, africana, latino. Se estão nacionalizados como americanos, o investimento é americano.
O regresso dos bancos americanos é uma das expectativas, mas tudo indica que não acontecerá para já…
Hoje em dia, os grandes bancos já não fazem questão de se deslocar do ponto de vista geográfico. Uma das estratégias é a utilização de representações. Há um banco muito conhecido, o City Bank, que já esteve representado cá, teve um escritório, mas, depois, devido à dificuldade do mercado e do 'doing business', decidiu partir. Neste momento, estão a avaliar a possibilidade de se estabelecer com um escritório de representação, mas, apesar de tudo, não deixam de fazer algumas operações. Neste momento, o que há para fazer depende muito mais de Angola do que dos bancos correspondentes. Há uma série de pressupostos que o mundo financeiro exige para que esteja garantida a protecção contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, e são esses pressupostos que se exigem de Angola. Mas, como Angola sempre se sentiu um país soberano, os nossos líderes achavam que não deviam acompanhar a evolução mundial dentro do mundo financeiro, atrasaram o processo e deu nisso, mas é decisão dos próprios bancos. Vamos sentindo que os bancos, pouco a pouco, vão conseguindo alguns correspondentes que vão fazendo algumas transacções. A situação de pagamento ao exterior já é muito melhor comparando há dois ou três anos.
Questionou-se muito a não recepção do PR por Joe Biden. Qual é sua opinião?
É um falso problema. Se calhar, estamos num estado de desespero tal que as pessoas pensam que um Presidente ser recebido na Casa Branca seja a solução da nossa desgraça cá no país. É um processo que advém da guerra fria. Os Estados Unidos apostaram aqui no seu cavalo para defender a sua estratégia nessa região. O seu cavalo, quando enveredou pela via bélica, acabou sendo derrotado. Portanto, há sempre aquele sentimento de falta de confiança. Este é um aspecto, mas os Estados Unidos facilmente ultrapassam isso. Os americanos, quando os interesses económicos estão presentes, rapidamente ultrapassam isso e todos os dias dão mostras disso. Um outro fenómeno que era um cancro para os americanos, eles nunca esconderam e nunca escondem. O cancro era a corrupção. E a prova evidente é que, quando o Presidente João Lourenço decidiu incitar esforços nesta cruzada contra a corrupção, Trump, que não prestava muita atenção a Africa, decidiu mandar aqui o seu secretário de Estado e com um recado, colocando os Estados Unidos à disposição do Presidente João Lourenço para ajudar no combate à corrupção. Quando um Presidente do estilo Trump, conservador e com muito pouca atenção a África, manda o seu secretário de Estado é porque tem alguma consideração pelo trabalho que o Presidente está a fazer.
Mas com o presidente Joe Biden….
Joe Biden está há pouco menos de um ano e, mal entrou, veio a covid-19. Com todos os problemas da economia americana, a primeira preocupação é virar-se para as questões internas. Agora, do pouco tempo que tem, ele vai priorizar aqueles países que transmitem a certeza de que estão a comungar e a enveredar pela mesma direcção que os objectivos da sua administração. E, neste momento, Angola ainda não está completamente livre do rótulo que transporta durante decanas sobre a corrupção. A confiança não se desenvolve de um dia para o outro. Quanto à transparência, vou dar um exemplo que foi levantado nas redes sociais: o Presidente da Zâmbia estava prestes a ser recebido porque é alguém com perfil de empresário e, de uma forma geral, o empresário facilmente lida com esta questão da transparência porque, mesmo a administrar uma empresa, se quisermos ser bem-sucedidos, temos de saber gerir e a melhor via para atingir o sucesso é a gestão transparente, metódica e rigorosa. Por isso, ter um empresário na liderança de um país tem as grandes probabilidades de se conseguir enveredar pelo sucesso com mais facilidade do que aqueles líderes genuinamente políticos.
Disse que a confiança não se desenvolve de um dia para o outro, quatro anos não é tempo suficiente?
Os efeitos da corrupção continuam. Está seguro que, se for a uma instituição pública pedir um terreno, não lhe vão pedir gasosa? Está seguro que, se for levar um projecto para os vários departamentos institucionais, não lhe vão pedir uma participação?
Mas estas situações são apenas pelo ‘deixa andar’ do passado ou também se explicam por erros na estratégia de combate à corrupção?
Angola está independente há 46 anos e há fenómenos que começaram desde o dia primeiro da Independência e, até agora, não foram banidos. Não esperava nem espero que, por exemplo, um fenómeno como a corrupção, que se tornou sistémico, fosse combatido em tão-pouco tempo. Leva muito tempo e não é só com conversa, é com prática, com mobilização da sociedade. A sociedade não está a fazer o seu papel. Não vejo programas educativos ligados à corrupção e são programas que deveriam começar nas escolas, na imprensa, com peças teatrais.
Há muitos obervadores que falam em combate selectivo. Não será também por este entendimento que falta o engajamento da sociedade?
Até aonde sei, a justiça em qualquer parte do mundo é lenta. Em função da complexidade do problema, pode levar anos, mas isso acontece aqui, nos Estados Unidos e em qualquer latitude. Acredito que o cidadão espera sempre que as coisas sejam feitas em função da sua necessidade, mas há situações em que não dá para queimar etapas, tem de se cumprir com os pressupostos que possam garantir que, no final do processo, o julgamento seja justo. Temos de ser realistas. Temos outro problema: a formação da população não está a ser feita. Os nossos filhos que estão com cinco e ou seis anos não estão a ser educados sobre o que é corrupção, o que é nepotismo, sobre o impacto da corrupção na sociedade, sobre a economia, sobre o homem. É preciso também ver a questão patriótica, o amor à Nação. Não está a ser ensinado.
Mas…
E deixe repetir. Tenho uma relação com os Estados Unidos de quarenta anos e sete meses, juntei-me a uma empresa americana desde Fevereiro de 1981 e o que testemunho hoje é que estão ultrafelizes com o Presidente. Agora, é um dos aspectos que é preciso prestar atenção. Há alguns problemas à volta da sua liderança que precisam de ser acautelados e resolvidos porque isso macula, atrasa o processo de aproximação e que para os Estados Unidos receba o Presidente de braços abertos e façam aquilo que a nossa sociedade espera.
Conhecendo o norte-americano e as barreiras internas que entende que devem ser ultrapassadas, quanto tempo acha que será necessário para que os investimentos americanos venham como esperado e para o Presidente João Lourenço ser recebido na Casa Branca?
Esta questão da Casa Branca é algo que vai acontecer a qualquer momento. Um dos aspectos que corresponde ao sonho da Amcham é ver Angola na lista dos países mais desenvolvidos do mundo e, para lá chegar num período curto de tempo, é importante que Angola seja capaz de desenvolver uma parceria estratégica com os Estados Unidos do ponto de vista económico e comercial.
Há um memorando neste sentido desde 2010…
O problema é a implementação dessa parceria estratégica, porque os países que tiveram esta parceria tiveram resultados. Vamos começar. Em 1945, o Japão criou esta parceria estratégica, tornou-se na segunda maior potência do mundo, durante muitos anos. Foi destronado agora pela China. A Coreia do Sul, até ao início de 1980, ninguém a conhecia. Foi em finais dos anos 1990 que começámos a ver os Hyundai, Daewon e depois a Samsung, LG e agora vemos os FPSO, esses grandes navios de petróleo fabricados na Coreia. É uma potência em termos de indústria e em termos tecnológicos. Qual é o segredo? Parceria com os Estados Unidos. Israel é uma potência na região. O que é que vem daí? Parceria estratégica. A Árabia Saudita é uma potência na região, respeitada por tudo e pelo mundo. O que é que tem aí? Parceria estratégica. O mesmo aconteceu com a Inglaterra. Portanto, é por aí. Se, de facto, virmos que este processo está a caminhar a bom porto e houver uma dedicação por parte de Angola, esta parceria sai porque os Estados Unidos precisam de Angola nesta região. O maior problema está deste lado.
Porquê?
Dificuldade linguística. Nigéria, África do Sul e Quénia beneficiam muito mais porque têm um denominador comum, são países anglófonos. O que é que os outros países estão a fazer, a optar pelo inglês como segunda língua. Assim fez a Noruega, a Finlândia. A China tem o maior número de falantes de inglês no mundo. Isso fez com que facilmente absorvesse as tecnologias norte-americanas e pusesse as fábricas americanas e de outros países lá na China.
Mas só a barreira linguística explica a não implementação da parceria estratégica desde a assinatura do memorando em 2010?
Vou dar um exemplo. Uma empresa americana que está aqui há mais de seis anos a tentar investir em vários ramos, trouxe o suporte de instituições financeiras americanas. Queria construir casas sociais no Bengo. Andou para frente e para trás. Em 2018, tentou falar com o Presidente dos Estados Unidos, o homem foi ganhar oxigénio para voltar. Trouxe um projecto de conversão do lixo em material reciclado, produção de energia e tratamento de lixo. Andou dois anos no Ministério do Ambiente, sobe e desce, sobe e desce. Depois saiu do Ambiente foi para a Economia. O homem anda aí de baixo para cima e não consegue. O somatório do projecto que ele quer desenvolver atinge os 4,8 mil milhões de dólares. No entanto, o homem anda a lutar, a tentar conseguir alguma coisa. A culpa são os americanos que não querem vir? Estes serão os porta-vozes dos outros interessados. É um exemplo, posso dar mais outros.
Disse que o Presidente é muito querido pelos americanos, mas uma coisa é a simpatia pela pessoa e outra, totalmente, diferente é o apoio, o acreditar nas políticas e na governação…
Tudo isso tem o seu peso. Essa avaliação é completa. O Presidente encontrou uma situação sistémica, está a tentar combater, mas se 60 ou 80% das pessoas vivem desse sistema, naturalmente não será fácil. O que disse é inteligente: “Epah, sim gostamos de ti, temos simpatia por ti, mas será que o que estamos a ver é suficiente?” Ainda não é para convencer estas empresas a virem cegamente para Angola, ainda não é.
Qual é o balanço que faz das actividades da Amcham desde a criação, em 2017?
Extremamente positiva e foi para além das expectativas. A Amcham saiu daquele círculo, que é normal em algumas organizações como a nossa, que é organizar eventos e desses eventos criar pontes para parcerias no sentido de dar o seu melhor para aproximar duas nações. Havendo uma parceria genuína, teremos condições de garantir o bem-estar do cidadão deste país porque Angola tem os condimentos todos para estar entre os países mais desenvolvidos do mundo, não é de África só. Precisamos de apostar no conhecimento, na educação, na formação e os Estados Unidos podem contribuir.
E tem havido trabalhos neste sentido?
Há instituições académicas que querem colaborar com Angola. Este processo começou ainda em 2010, quando levei daqui uma delegação da Universidade Agostinho Neto (UAN), o reitor era o Orlando da Mata. A Universidade de Houston estava interessada em assinar uma parceria com a UAN para trabalharem na revisão curricular, considerando as necessidades do mercado e das empresas petrolíferas. Terem este convénio de tal forma que um estudante da UAN teria chancela da Universidade de Houston. Onde falhou? Angola. Temos este sonho, investir no conhecimento, investir na transferência de tecnologia, investir nas oportunidades de negócio. Temos esta oportunidade e os Estados Unidos podem fazer isso, estão ávidos por fazer isso. Contam com Angola como parceiro estratégico, Angola tem de fazer o seu trabalho de casa. A Amcham está a trabalhar neste sentido e, por isso, este ano constituiu o working group. Um grupo de trabalho Estados Unidos - Angola.
Em que se resume este grupo?
Fazem parte deste grupo a Câmara de Comércio Estados Unidos/Angola que representa mais de 3 milhões de negócios no mundo e estão representados em 121 países. A Amcham Angola, a Câmara americana em Angola. Número dois, o departamento do comércio dos Estados Unidos da América, representantes deste departamento participam neste grupo. A embaixada dos Estados Unidos em Angola. Um outro grupo com bastante peso, os membros do PAC BBIA, é o conselho do presidente dos Estados Unidos para o Doing Business em África. Este conselho é constituído por empresas de peso que têm influência. O que move a política externa americana são os interesses económicos, as amizades nunca são permanentes. Portanto, qualquer inquilino da Casa Branca, antes de definir a sua estratégia externa, chama e aconselha-se com essas empresas. Esses são os olhos e os ouvidos do presidente. Trouxemos essas empresas para o working group. E esse grupo é liderado pela Chevron. O objectivo é convencê-los a advogar os interesses de Angola.
Existindo este grupo, entende a contratação de uma empresa lobista por parte do Governo angolano, tendo em conta a melhoria das relações com os EUA?
Não quero envolver-me em políticas. Há um velho ditado que diz que “a união faz a força”. Portanto, depende sempre dos intervenientes no processo. O processo mais fácil será atingido se houver união, se houver uma convergência de esforços. Sinto-me mais à vontade para falar do ponto de vista dos negócios.
Mas esta empresa lobista também pode concorrer para esse sucesso.
Eu não tenho muito a dizer sobre isso, porque não conheço a essência do lóbi. Sei que são contactos e influências. Mas conheço e sei da história americana e de qualquer outro país que o ‘drive’ de qualquer país são os interesses económicos e comerciais e nós estamos aí.
Como o vosso grupo empresarial tem estado a enfrentar a crise?
Ainda estamos vivos. Já realizámos o funeral de cinco parcerias entre as quais três com empresas americanas. O segredo desta nossa sobrevivência deve-se tão-somente à diversificação do nosso negócio.
Entre 2004 e 2011, o nosso forte estava exactamente no Jango (restaurante) e o Jango servia de sustentáculo para os outros projectos. Estávamos em restauração, estávamos a facturar de verdade, mas não nos concentrámos somente na restauração, desenvolvemos outros projectos noutras geografias. Fomos buscar estes recursos, investimos em imobiliária, construímos um condomínio em Cabinda, o Futila com 11 edifícios, fomos à área de prestação serviço, à área de engenharia e também à área do ‘oil and gas’. Entrámos em participações em blocos. Hoje, quando o Jango se foi, os outros projectos conseguiram ir dando algum suporte.
O Jango é hoje uma empresa falida?
Extremamente falida. Ela está em coma induzido, se retiramos a máquina, acto seguinte será realizar o seu funeral, não tem sustentação económica. O Jango não foi capaz de gerar recursos bastantes para pagar salários e os impostos. A uma dada altura, fomos pedir crédito para pagar impostos porque, apesar das dificuldades, a AGT, o nosso Estado, não faz como outros que, quando há crise, fazem injecção de capital no sentido de conseguir manter as empresas. Pelo contrário, o nosso Estado foi apertando mais, mais e mais. Chegámos ao ponto de recorrer a financiamento porque não queríamos estar em default quanto às nossas obrigações fiscais e tributárias. Tínhamos 300 e tal trabalhadores, as dificuldades começaram, não tomámos a decisão de despedir logo o pessoal, o projecto foi morrendo e, no final do mês, com 300 e tal pessoas de salário, subiu-se o IRT… Chegámos a um ponto em que não tínhamos o dinheiro para pagar os salários, mas tínhamos de arranjar o dinheiro para pagar os impostos porque, se não pagar no trigésimo dia, pagas depois a dobrar. Lá fora, o Estado vem em teu auxílio e injecta e nos Estados Unidos a fundo perdido. Não pedimos que o Estado injecte capital, mas, pelo menos, que nos garanta um alívio fiscal, um alívio tributário. Por isso é que hoje participamos em inúmeros funerais de empresas. É uma coisa que a nós horroriza. As pessoas não são capazes de entender que quem garante a sustentação tributária são as empresas, a função pública só absorve.
Lembra-se da facturação do Jango no seu melhor?
Chegámos a fazer cerca de 7 a 8 milhões de dólares por ano. Nos anos 2006 e 2007, estávamos próximos disso. Eram cerca de 600 mil dólares por mês. O Jango teve momentos áureos. Hoje, nem 2 mil dólares faz. É uma discrepância grande. O Jango só continua a respirar por meio de máquinas, sobrevive da injecção de capital de outros projectos do grupo para poder manter aberto e isso porque nos vamos mantendo relutantes para não mandar os jovens ao desemprego.
Mas também porque acredita que, melhorando a situação, pode voltar a ser um bom negócio considerando a sua localização…
Nunca. Há um outro fenómeno, há um combate cerrado contra o desenvolvimento da Ilha. A Ilha só terá futuro quando forem ponderados vários aspectos.
Quais?
Desde 2005, a cidade de Luanda foi-se expandido para o Sul, temos o Kilamba, Talatona, Benfica e mesmo para o Noroeste. Houve uma dispersão. Desde 75 até por esta altura 2000, 2001, 2004, o único local turístico mais próximo do coração de Luanda era a Ilha. Com este fenómeno da expansão de Luanda, as pessoas foram e a Ilha deixou de contar com muitos destes turistas. Isso é um factor. Segundo factor, a esta hora, se sair da ilha, vai encontrar um posto de controlo. Este posto de controlo da Polícia inicialmente fazia o controlo do bafómetro. Está aí todos os dias. Se a Ilha é essencialmente turística, as pessoas quando vão para lá, a primeira coisa que fazem é beber. Então ninguém vai meter-se num buraco que, quando sair, está lá a polícia. Então vão buscar outras soluções. Resultado, todas as casas estão a ir à falência.
Muitas vezes, é apresentado como testa-de-ferro de Marta dos Santos. É, de facto, testa-de-ferro? Isso não o incómoda?
De maneira nenhuma. As pessoas só conseguem fazer este tipo de afirmação por não conhecerem a minha essência. Eu fui vítima do sistema. Tinha uma empresa americana que quis fazer a exploração de algumas descobertas no Bloco 6. Foi descoberto petróleo e o petróleo era pesado. A operadora era a Total que abandonou por ser um campo marginal. Então esta empresa americana decide explorar este bloco. E contactam-me para poder entrar junto da Sonangol e ofereceram-me 100%. Estavam dispostos a pagar tudo na fase inicial. Disse sim, era ouro sobre o azul. Primeiro, marcaram uma audiência com Manuel Vicente, peço a audiência e pedem-me as razões da audiência. Eu, burro, explico isso. Poucos dias depois da viagem marcada, o presidente do outro lado pergunta-me se tenho algum problema dentro da Sonangol. Uma semana depois, os homens vieram sem o meu conhecimento, foram postos na Sonangol e apresentaram-lhes outras empresas, dizendo que eu só vendia cervejas e gelados lá na Ilha. Mas, quando os americanos fizeram ‘due inteligence’, recuaram. Um mês depois, contaram-me o que aconteceu.
E como surge Marta dos Santos?
Então vou ter com o meu irmão que conhecia o círculo do poder e fui aconselhar-me com ele. Pedi que ele me arranjasse alguém do poder. E apresentou-me o casal, Marta dos Santos e o Pacavira. Ainda me questionaram se era mesmo entrar nos blocos como a Total. Eu disse que sim.
Perfil
Dentro dos petróleos
Pedro Godinho Domingos é empresário angolano, com destaque na indústria petrolífera. Formado em Engenharia de Minas e em Gestão de Negócios, preside ao conselho de administração da Prodiam – Oil Services – empresa angolana ligada ao Grupo Veleiro. Com mais de 20 anos de experiência no sector petrolífero e serviços associados, Godinho foi quadro de companhias de referência mundial no sector, como a Chevron Texaco e a Sonangol. Pedro Godinho é ainda fluente em inglês e um respeitado palestrante sobre ‘oportunidades de negócios em Angola’.
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