Uma autocracia é uma autocracia
Comecemos por parafrasear uma sentença esclarecida de Angela Merkel. Uma autocracia tem de ser chamada necessariamente uma autocracia. Mais importante, tem de ser denunciada e repelida com os meios julgados ‘legítimos’.
Assim como ontem, o que temos instaurado hoje em Angola, mas com sinais paradoxais de agravamento, é um poder autocrático. E um dos meios legítimos de denúncia e combate das autocracias, sejam clássicas, sejam modernas, é a palavra livre, é o pensamento independente. Não é, aliás, por mero acaso que esses poderes investem desmesuradamente na chantagem, no terror, no medo e em todas as formas possíveis que, em termos psicológicos e materiais, condicionam a independência da consciência. Fazem-no porque sabem do efeito pernicioso que as liberdades têm sobre os projectos ditatoriais, ainda que dissimulados de prospectos de democracias.
No caso concreto angolano, este plano da independência da consciência é dos que não têm sido suficientemente valorizados no debate público. Sobretudo quando se procura analisar as várias dimensões em que a autocracia instalada condiciona o desenvolvimento. Por via de regra, valorizam-se os aspectos mais palpáveis, como a promoção da corrupção, a criação de castas privilegiadas, a exclusão social, a distribuição demasiado assimétrica da riqueza, a má governação, em termos mais gerais, etc., etc.
O aprisionamento das liberdades, genericamente, é mais relativizado entre os entraves ao desenvolvimento. Todavia, depois de quase cinco décadas de MPLA e perante os factos indesmentíveis de endurecimento do poder autocrático, o país tem de começar a reflectir de forma mais detalhada sobre este particular. E um dos pontos de partida poderá ser o desperdício do investimento que se faz em angolanos que se formam com a missão específica de defender as causas do poder, por muito nocivas que sejam aos interesses do país. O problema é de tal ordem profundo se tivermos em conta que estão em causa gerações de jovens e adultos que, em contexto normal, teriam contribuído com o seu conhecimento de forma mais positiva, para o interesse do país.
Senão vejamos. Quando se vêem jovens bem formados defenderem que aquilo que o poder faz a Adalberto Costa Júnior se enquadra na competição política. Quando os vemos classificarem como normal e legítima a indicação de um membro do Bureau Político do MPLA para presidente do Tribunal Constitucional. Quando lhes assistimos a declararem que os órgãos de comunicação social públicos cumprem com o seu papel. Quando ouvimos jovens e adultos a defenderem com unhas e dentes a suposta razão jurídica do Constitucional na anulação do congresso da Unita, o país tem de reflectir sobre quão úteis esses jovens e adultos seriam à causa do desenvolvimento, se pudessem aplicar os conhecimentos que realmente têm. Se pudessem também afirmar, tal como aprenderam nas universidades ocidentais, que aquilo que existe em Angola é tudo menos democracia. Se pudessem declarar que um poder autocrático, no limite, não produz leis justas, muito menos legítimas.
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