Cartão sem toma da vacina custa 8 a 15 mil kwanzas
Corrupção. Esquema está montado em vários postos de vacinação de Luanda e, em alguns, conta com a participação de efectivos do Ministério do Interior. Quem não quer tomar a vacina pode pagar oito a 10 mil kwanzas para obter cartão de vacina com certificação. Serviço de Investigação Criminal (SIC) confirma a prática criminosa recorrente.
Em Angola, surge um esquema de corrupção nos postos de vacinação que atesta a vacinação de cidadãos que nunca foram imunizados, conforme apurou o VALOR nos postos da Cidadela Desportiva, Zango 3, Cazenga e Viana.
O esquema é liderado por quem trabalha nos postos de vacinação, voluntários, agentes dos bombeiros, polícia e profissionais de saúde. Mas tudo através de intermediários, geralmente jovens que ficam a controlar o movimento nos centros com a ‘capa’ de prestarem serviços de cadastramento para quem não o fez. Estes anunciam a proposta de facilitação do cartão sem tomar a vacina ou ainda tomar sem aturar as longas filas, conforme se constata na Cidadela Desportiva e no Zango. Os preços dos cartões variam entre os 10 e os 15 mil kwanzas, mas, com negociações, podem chegar aos oito mil kwanzas.
Por exemplo, em Viana, na Casa da Juventude, um profissional, que alega estar associado à delegação municipal de saúde para dar segurança, garante a entrega do certificado depois de assinar a segunda dose. Tudo é feito, segundo garante, “dentro dos procedimentos normais”. Ou seja, os dados são colocados no sistema. Entrega o cartão assinado com a primeira dose. E aí já consta a data prevista para a suposta segunda dose e ainda com a promessa de entrega do certificado. Por isso, cobra 15 mil kwanzas dispensando cerimónias de ‘batimento’.
No entanto, no Zango, na Cidadela Desportiva e no Cazenga, o preço chega a ser relativamente mais baixo, negociado entre os oito e os 10 mil kwanzas. O negócio não é feito só com quem acorre aos centros, mas também com pessoas próximas, familiares e amigos que não querem tomar a vacina. Os familiares dos operacionais são dispensados de pagar, mas recebem os cartões e certificado ao domicílio.
O esquema não poupa o maior centro de vacinação da capital, o Paz Flor. Ao VALOR, a coordenadora Felismina Neto confirma ter apanhado em flagrante, por duas vezes, vendas de cartão de vacina. “A primeira situação foi um utente que veio subornar um funcionário e os dois foram apanhados. Encontrei os dois em posição suspeita, ele a entregar os documentos. Como ele se negou a fazer a vacina, conclui que era questão de suborno”, recorda.
Uns dias depois, voltou a apanhar um casal de voluntários no esquema. Até possuíam códigos de barras que podiam gerar o certificado. “Felizmente, tenho colegas que estão a fazer monitorização do sistema, foram apanhados e levados à polícia. Aqui, a pessoa que eu apanho tomo medidas na hora, chamo a polícia”, deixa claro, garantindo que não “brinca em serviço” porque até com os agentes da polícia são “rígidos”.
COMPRA DE CARTÕES RECORRENTE, DIZ SIC
O porta-voz do Serviço de Investigação Criminal (SIC), Manuel Halaiwa, revela que “prática tem sido recorrente” e que até conhece casos de pessoas, dentro do sistema, que introduzem nomes para cartões e certificados da vacina. Dá o exemplo das recentes detenções de um subchefe dos bombeiros e de um agente voluntário da Associação Jucarente.
“Da investigação, o SIC apurou que os indivíduos se aproveitaram da sua posição para inserir, desde o princípio de Setembro, no sistema informático nomes de diversos cidadãos, entre pessoas da família, amigos e de alguns expatriados, sobretudo de nacionalidade libanesa, sem que lhes fossem administradas as vacinas, tudo isto em troca de favores para empregar familiares”, lê-se no conteúdo disponibilizado por Manuel Halaiwa.
De acordo com a Our World in Data, o centro que controla a estatística mundial de vacinação, 3,9% da população angolana já está vacinada num universo de mais de 4,45 milhões de doses administradas. A meta do Governo é vacinar 60% da população elegível até o final do ano.
Por causa das enchentes nos postos, o Governo prorrogou até ao dia 1 de Novembro, a entrada em vigor das regras que proíbem o acesso a instituições públicas sem o cartão de vacina, enquadrada nas medidas de prevenção e controlo da propagação do vírus SARS-COV-2 e da Covid-19.
Tomar vacina só com mil kwanzas na mão
Um outro esquema de corrupção é o pagamento para a toma da vacina, desencadeada pelas longas filas registadas, sobretudo na semana passada, nos postos de vacinação que tiveram grande adesão a seguir às restrições impostas. Na Casa da Juventude de Viana, surgem acusações, de quem conseguiu os certificados, de que há agentes envolvidos. Cobram mil kwanzas por um atendimento célere. O mesmo preço é praticado na Cidadela Desportiva. Diferente do de Viana, aqui quem actua são os intermediários. Segundo um deles, só ‘trabalha’ das 8 às 12 horas e o valor é dividido com uma enfermeira.
O mais caro para furar a fila chega a ser na praça do KM 30, em Viana. São cobrados de 1.500 a dois mil kwanzas e os fiscais do mercado são os intermediários. Segundo uma fonte, um agente dos bombeiros foi apanhado em flagrante e delito, mas, no dia seguinte, voltou ao posto. No entanto, o SIC não confirma essa detenção no mês passado.
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