ANGOLA GROWING
JOÃO MPILAMOSI DOMINGOS, PCA DA CAXITO REGA

“A agricultura em Angola vive uma fase cíclica de fracassos”

ENTREVISTA. Acredita que a agricultura está refém de políticas herdadas do colono e pensa que bons projectos falharam por falta de “acompanhamento profundo”. À frente da empresa que gere o Perímetro Irrigado de Caxito, João Domingos critica as prioridades na distribuição de divisas, que privilegia pessoas que vão passear ao exterior.

Lidera a Caxito Rega há nove ano. Que balanço faz da sua gestão?

Positivo e de crescimento. O Perímetro Irrigado de Caxito (PIC) é um projecto empresarial governamental criado em 2008, para gerir as terras deste mesmo perímetro, com uma área de 4.628 hectares. Entretanto, neste momento, estão infra-estruturados 2.500 hectares, com o financiamento da China. Inicialmente, tivemos uma produção agrícola de 10 mil toneladas/ano, hoje produzem-se 200 mil toneladas por ano, sendo a banana a nossa bandeira, com 170 mil toneladas. Antes da peste que nos afectou e a crise em 2014, produzia-se mais.

Quantas empresas estão licenciadas para explorar o perímetro?

Temos 370 produtores licenciados. Mas devo reconhecer que houve baixa, porque muitos criaram parcerias, outros juntaram-se em associações e o número baixou para 220.

A suspensão da emissão de licença mantém-se?

Havíamos apenas limitado, e há limitações até agora, porque não temos espaço para atender todos os pedidos. Passamos as terras por via de contratato de exploração que tem regras e quando as regras não são cumpridas as licenças são retiradas. Há empresas com licenças há mais de três anos e não produzem. Com estes, nós rescindimos os contratos e passamos as terras a produtores, de facto.

Há queixas de que os incumpridores são, sobretudo, generais e governantes. Confirma?

Grande parte de detentores de terra são entidades com reconhecimento público e que, nalguns casos, para a rescisão de contratos, nos têm criado alguns embaraços. Mas ninguém está acima da lei. Temos aplicado a lei. Ou dão início à actividade de exploração ou são rescindidos os contratos.

Já se exportam produtos de Caxito?

Apenas a Agrolíder exporta para os países vizinhos e agora, de forma tímida, para a Europa, mais propriamente para Portugal. A perspectiva é atingir também a Espanha. A Tur Agro é outra empresa que está a criar condições para a exportação. O mercado europeu precisa da nossa banana, é um mercado aberto, mas exigente. Temos de nos organizar melhor primeiro.

O que essas exportações significam em termos de entrada de divisas?

São dados que devem ser revelados pelos fornecedores, mas uma banana de Angola na Europa está à volta de um euro. Em função das quantidades que são anunciadas pelos exportadores, pode ter-se uma ideia. A média de exportação da banana, nos próximos tempos, é estimada em 200 toneladas por semana.

E qual é o volume global de vendas das empresas do perímetro irrigado?

Em termos de volume de vendas, os produtores ultrapassam os 35 milhões de dólares por ano. Para o Estado, fazem-se contas em função destes números, pagando as obrigações fiscais. Aqui, felizmente, muitos são cumpridores. Rapidamente, as receitas anuais a favor do Estado podem estar avaliadas em 10 milhões de dólares.

Perspectiva-se o aumento da produção com mais investimento. O escoamento está acautelado?

O escoamento é um problema geral do país. Precisamos de uma cadeia produtiva, desde a produção até ao mercado. Há a necessidade de se criarem entrepostos e uma indústria transformadora de produtos como a banana em polpa, a massa de tomate, o sumo de ananás, etc. No entanto, para o Perímetro Irrigado de Caxito, não temos grandes constrangimentos. Cerca de 60% do produto que chega a Luanda tem mercado. Os produtores têm contratos com supermercados. Há atrasos nos pagamentos, em alguns casos, porque entregam a crédito, mas os grandes produtores conseguem posicionar-se e os pequenos têm o mercado informal.

O PAPAGRO ajudou no escoamento?

Considero que o PAPGRO foi uma iniciativa louvável na sua concepção, mas a sua execução fracassou. As pessoas que estiveram à frente do projecto, sinceramente, falharam na escolha do perfil dos gestores que deveriam impulsioná-lo. Os entrepostos não funcionaram e víamos os centros logísticos abarrotados e sem capacidade de receber os produtos. O projecto foi um autêntico fracasso, por isso tem de ser bem avaliado. Penso, aliás, que deveria ser terceirizado e o Estado daria apenas o seu apoio institucional.

O Ministério da Agricultura também fracassou ao construir uma unidade agro-industrial que não funciona?

De facto. Com a construção da unidade de transformação de tomate e da banana em Caxito, eu acreditei que estava aí uma alternativa para os produtores. Não considero ser um fracasso, mas houve vários constrangimentos que condicionaram o arranque. São falhas de origem de fabrico que deveriam ser resolvidas mais cedo, mas, com a crise, a situação complicou-se. Entretanto, tudo está a ser feito para que, nos próximos quatro a cinco meses, a linha da banana comece a funcionar.

É dinheiro do Estado mal gasto, concorda?

Não gosto muito de falar da fábrica, porque penso que algumas falhas podiam ser corrigidas atempadamente. Em todo o caso, está a ser requalificada para, em vez de produzir massa de tomate, produzir sumo de tomate.

Já estão calculados os prejuízos resultantes dos roubos de postos de transformação (PT) de electricidade, no Perímetro Irrigado de Caxito?

É uma acção que está a criar grandes transtornos. A produção aqui é feita com rega por via de bombeamento que precisa de energia. Em dois meses, foram roubados 35 PT, é um crime bastante organizado com pessoas armadas e técnicos de electricidade que desligam os postes de alta tensão antes de levarem aos mandantes. E esses mandantes - não tenho receio de o dizer - são empresas que, não tendo capacidade financeira para importar PT, compram a estes grupos. Mas a polícia está a trabalhar para identificar os autores.

Pode quantificar os prejuízos?

Os PT são um conjunto e cada um chega a custar oito milhões de kwanzas. No entanto, há outros prejuízos económicos, porque o produtor, sem energia, deixa de regar as plantas e, como consequência, despede as pessoas que trabalhavam na rega. Todos os prejuízos calculados em consequência do roubo de PT estão estimados em mais de um milhão de dólares.

Na qualidade de engenheiro agrário, está de acordo com as políticas agrárias que o país implementa?

Sou quadro sénior do Ministério da Agricultura e nem por isso sou de fugir a questões sérias. Penso que nos mantemos reféns de algumas políticas que herdámos na época colonial. Algumas até eram funcionais, mas, com a independência e com o crescimento da densidade populacional, já não se adequam ao contexto actual. Não podemos elaborar projectos sem primeiro fazer estudos profundos. Falhámos no processo da reconversão dos quadros. Temos especialistas agrários que devem acompanhar o trabalho no campo, mas não querem ir ao campo, esse é um grande problema É preciso incentivar o técnico com subsídios e outras políticas para este ir exercer a sua actividade ao campo. No Ministério da Agricultura, 90% dos trabalhadores são técnicos superiores, engenheiros agrónomos, mas todos estão de fatos e gravatas nos gabinetes. Há bons projectos no país, como o projecto de desenvolvimento agrário (PDR) que também fracassou por falta de acompanhamento profundo. Eu fui supervisor deste projecto para a província do Uíge. Vivemos numa fase cíclica de fracassos. Esperemos que a situação na agricultara melhore, porque é a base da nossa economia.

Também se inclui no grupo de técnicos de gravata?

Sim, sou um deles, mas hoje estou emprestado à gestão empresarial. Ainda assim, no Perímetro Irrigado de Caxito, eu saio para o campo sem fato, sou um homem de campo e por isso estou aqui. Tenho duas valências: ser agrónomo e gestor empresarial, daí os resultados do PIC que são visíveis.

E como olha para o ‘ bolo’ do OGE atribuído à agricultura?

Ainda é irrisório. Nesta fase de crise, por exemplo, os empresários enfrentam graves problemas para conseguir os factores de produção que, grosso modo, são importados. Estes deveriam ter prioridade na distribuição de divisas, porque geram empregos. Mas o dólar e o euro são dados para pessoas que vão passear ao exterior. É preciso fiscalizar melhor as saídas de divisas e dos poucos recursos que o país tem.

Para quando a feira da banana?

A feira da banana, até ao ano passado, era organizada pelo governo da província do Bengo, com o apoio do Ministério da Agricultura. Este ano, vai ser terceirizada e decorrerá entre Maio e Junho. Já foi seleccionada a empresa que vai realizar a 6.ª edição, na base de um contrato. A outra novidade, este ano, será realizada numa fazenda, no Bengo, para incentivar a produção.

PERFIL

João Mpilamosi Domingos, 48 anos, é natural de Cangola, província do Uíge.

Aos 14 anos, foi estudante na República da Cuba, onde se licenciou em engenharia agrícola. De regresso a Luanda, em 1991, fez outra licenciatura em gestão empresarial.

Filho de um conhecido político já falecido, Domingos Moisés ‘Victoria é Certa’, é mestre em negócios e finanças e quadro sénior do Ministério da Agricultura.

Foi delegado da Agricultura do Uíge e preside ao conselho de administração da Caxito Rega.