A auditoria interna ainda não é realizada como dizem os ditames da profissão
Apresenta, como uma das preocupações da actividade da auditoria interna, a carência de profissionais com certificação internacional e aponta o sector financeiro como exemplo no reconhecimento da importância do controlo interno. Na posição oposta, coloca as organizações públicas.
O Instituto dos Auditores Internos vai realizar, esta semana, mais uma conferência anual. O que se pode esperar?
O instituto vai, no cumprimento do seu plano de actividades regular anual, realizar, no dia 7 de Novembro, a conferência anual de auditoria interna. Desde o ano passado, estamos a tentar cumprir com regularidade. No ano passado, realizámos em Novembro e, agora, vamos repetir. No entanto, pelas contingências que estamos a viver no país, não foi possível fazer a devida divulgação.
Alguma razão específica para o tema: “Auditoria Interna, terceira linha de defesa contra fraude e corrupção”?
Escolhemos este tema não só por ser actual nas condições que o país vive, mas porque, no nosso esforço de fazer advocacia da profissão e da função nas organizações, e de acordo com aquilo que são os desafios para o futuro, queremos alertar para um instrumento que a auditoria interna pode ser muito válida para as organizações quando é levada a sério e é feita profissionalmente; quando cumpre completamente com a sua função, aliada àquilo que são as melhores práticas.
Tem sido levada de forma séria?
Não. Se fosse, não faríamos este esforço de fazer advocacia. Estamos a fazer a advocacia da profissão porque, exactamente, ainda se encontram algumas falhas e incompreensões. A auditoria interna ainda não é realizada plenamente como dizem os ditames da profissão. Não depende só da auditoria interna, mas também das áreas de auditoria, da sua qualidade, maturidade e da qualidade dos profissionais. Esta situação não é uma exclusividade do país, cada país tem o seu nível, o seu grau de maturidade.
A deficiente formação dos profissionais é uma das causas mais relevantes?
Há vários factores. Dos mais relevantes é o entendimento que as altas administrações têm daquilo que deve ser a função da auditoria interna. Como ela está enquadrada nas funções da organização e no âmbito da corporação governativa. No que diz respeito aos próprios profissionais, tem que ver com a formação, com o facto de estarem ou não preparados para a profissão. Temos muito poucos auditores com certificação internacional. O instituto de auditores interno possibilita, no mínimo, sete certificações em que a máxima é QIL e, segundo os nossos dados, temos poucos angolanos com esta certificação.
Há dados que referenciam a existência de apenas três auditores internos com certificação internacional. O que isso significa em termos práticos?
Significa, para já, que as áreas de auditoria interna não podem ter um nível profissional elevado; que não há ninguém que dê garantias de que este trabalho está realmente a ser feito com a qualidade exigível e alinhado às melhores práticas usadas no mundo. Temos pessoas autodidactas, mas o certificado dá outra garantia, porque, para manter a certificação, é preciso que se cumpra com determinados requisítos que exigem uma actualização permanente. Podemos também falar da certificação das áreas de auditoria interna, porque não basta termos uma pessoa certificada para dar garantia de que toda a área de trabalho seja de nível internacional. A auditoria interna é também um serviço interno e, por isso, é preciso ser, de tempos em tempos, autoavaliada ou avaliada por uma entidade externa independente.
E esta avaliação não tem sido feita?
A avaliação pode ser feita de duas formas. Pela autoavaliação, que também deveria ser feita por alguém com certificado em autoavaliação de desempenho, ou por uma entidade externa independente. Não temos notícias de que tenha havido alguma avaliação, mas as empresas não têm obrigação de nos informar. Podemos vir a saber pelos relatórios das ‘big four’ (KPMG, Delloite, E &Y e PWC). Quanto à autoavaliação de desempenho que seria feita pelos próprios auditores ou pela própria direcção de auditoria, também não temos tido notícias.
Por que razão a auditoria interna é considerada a terceira linha de defesa contra fraude e corrupção?
Todas as organizações têm uma gestão com determinadas funções e uma destas funções é o controlo que pode e deve ser exercido externamente. Saber quais são os desafios, controlar a posição no mercado, os fornecedores, clientes e concorrentes. Mas também é preciso o controlo interno e, para isso, existe a área do controlo interno. A organização do controlo interno é feita com base em determinados modelos e o mais usado é o das três linhas de defesa em que a primeira é de quem exerce o controlo, são os gestores de linha. Os directores de produção, finanças, transportes e recursos humanos. Mas, como não basta para um controlo efectivo da organização, existe uma segunda linha que é transversal a toda a organização. Temos a gestão do risco corporativo, a função de ‘compliance’, a função de higiene no trabalho, entre outras. São funções transversais, contrariamente aos directores, que fazem controlo apenas das suas respectivas áreas. Depois há uma terceira linha, que é o monitoramento da primeira e da segunda linhas de defesa. A sua avaliação e assessoria e quem faz é auditoria interna.
Não há o risco de, no futuro, os gestores investirem apenas nas duas primeiras linhas?
Não. Como é que o gestor tem certeza que as outras linhas estão a funcionar bem. Quem lhe diz? Não podemos ser árbitros e jogadores ao mesmo tempo. Alguém tem de dar garantias de que estão adequadas aos interesses da empresa. A primeira missão da auditoria interna, declarada pelo instituto de auditoria interna global, é proteger e aumentar os activos da organização e esta protecção e aumento dos activos está no bom funcionamento da auditoria interna. Se algum gestor diminuir a qualidade do trabalho da auditoria interna está a correr o risco de diminuir também a qualidade de trabalho das outras linhas de defesa.
Na generalidade, o gestor angolano tem esta percepção?
Depende do gestor, mas a relação tem vindo a melhorar. Temos consciência de que os gestores já perceberam que não podem ficar sem a área de controlo interno. Todas as organizações com algum relevo têm área de controlo interno com auditoria interna e ‘compliance’. De uma ou de outra forma, muito próxima daquilo que é o modelo de três linhas de defesa. Há sectores que já têm uma maturidade de controlo interno muito grande, como é o financeiro, as seguradoras e os bancos. Algum sector privado de grande vulto também.
E o sector público?
É diferente. Sabemos bem qual é a mentalidade da função pública, a forma como estão organizados os nossos ministérios e outras instituições do Estado. A função pública não está muito preparada para ter, internamente, em cada unidade orgânica, este controlo interno. Mas há algumas instituições públicas que já têm estas áreas com uma maturidade aceitável como são os seguros e a aviação.
Concorda que, por exemplo, nos pareceres dos relatórios e contas, sobretudo das empresas públicas, os auditores internos não destacam as reservas que comprometem a organização?
Não posso dizer o que se passa de concreto em cada uma das organizações. Mas, de forma doutrinaria, tenho de ter certeza de que quem está a fazer este relatório é mesmo auditor, porque, hoje, a palavra auditoria já aparece em tudo que seja controlo, fiscalização ou inspecção. Quem dá garantias de que está a ser feita profissionalmente é quem tem uma certificação. Mas também é muito normal que haja discrepância entre a ideia do auditor interno e a do auditor externo, até porque o auditor interno conhece melhor a organização, tem contacto com a sua área financeira, que lhe dá muito mais informação, mas os dados básicos não podem ser diferentes.
Mas acontece…
O que pode acontecer é que, por ser uma auditoria interna assinada por alguém que não esteja certificado, a auditoria externa não confia muito neste documento. Se for um relatório assinado por um QIAL ou CFSA (níveis de certificações internacionais) a auditoria externa é obrigada a confiar porque este profissional também tem regras que tem de cumprir e o relatório é uma base de trabalho para o auditor externo. Não quer dizer que não haja pontos de vistas diferentes. Pode haver, até porque é um relatório e contas e não depende só das regras internas da organização, mas das regras de contabilidade universal.
Esta situação, por vezes, motiva suspeitas de sonegação de dados, resultante, por exemplo, de uma possível concertação entre o gestor e o auditor. O que acha?
As suspeitas ou não de sonegação vem sempre à tona. Se há ou não uma concertação com o gestor, é difícil provar, mas devemos admitir que é a mentalidade que sempre imperou nos organismos estatais, por isso falamos, por exemplo, da bajulação. É uma moral que se pretende afastar, não podemos negar que existiu, sabemos que ainda existe.
Por norma, dá-se mais importância ao parecer dos auditores externos. Até que ponto é certa a percepção de que estes são os mais confiáveis?
O erro começa aí, em procurar algo perfeito. Se existe possibilidade de maquinações internas também existe possibilidade de maquinações externas. Aliás, falando mesmo de outras áreas científicas, é visível, por exemplo, que há estudos encomendados. Também pode ser que muitos relatórios tenham sido encomendados e pagos como tal.
Como explica o facto de as auditorias externas continuarem a manter o nível de aceitação mesmo depois de ficarem expostas na sequência da falência de algumas organizações?
O que se passa é que nunca ninguém conseguiu provar, se não estas grandes empresas já teriam perdido o mercado. Continuam, porque, muitas vezes, conseguem provar que a informação foi dada e quem recebeu o relatório é quem sonegou determinadas informações, arrancando páginas ou recorrendo a outras práticas. São situações que se registaram nas grandes crises que aconteceram no mundo desde a Enron à Parmalat. Mas uma coisa é o que o auditor relata e outra é o relatório que vem para fora.
Qual deve ser a posição do auditor quando nota que apenas parte do seu parecer foi tornado público?
Os relatórios não são todos publicados, apenas as partes que são exigidas por lei, mas, nos relatórios, há outras notas, como chamadas de atenção. Normalmente, existe um órgão interno, comissão ou comité de auditoria, que trata de todos os assuntos relatados, inclusíve as notas suplementares. Acontece que nem sempre, no ponto de vista do gestor, as recomendações podem ser tratadas ou porque tem dificuldades orçamentais, ou porque tem algum outro motivo que faz suspender determinado processo.
Segundo os últimos dados, o instituto tinha 57 associados. Mantém-se com este número?
Temos à volta de 100, já crescemos desde o ano passado e vamos tentar crescer ainda mais. Fazendo nalgumas projecções, com base aquelas que são as organizações de grande porte, deveríamos ter três mil. Temos de fazer o trabalho no sentido de aumentar a nossa presença, ir ao encontro das organizações e destes profissionais.
Três mil é o número de auditores internos que estimam existir no país?
Nas projecções que fizemos, estimamos que existam entre três mil e 3.500 e nós só temos 100 associados. Mas é também devido à situação económica que vivemos. O instituto, enquanto membro do instituto internacional, tem de pagar uma quota para a sua filiação e é em divisas. Entre 2011 e 2012, já fomos cerca de 400 membros, mas baixou, devido à necessidade de pagar estas quotas, 100 dólares anuais.
Quando falamos em três auditores com certificação internacional também só olhamos para o universo do instituto?
No universo daquilo que o instituto conhece. Há expatriados que trabalham no país para várias organizações e estes não se apresentam, mas certamente têm certificação. Também não temos conhecimento de muitos auditores do sector petrolífero, mas sabemos que o sector petrolífero tem auditoria interna muito bem organizada.
Há quem defenda que os auditores estão muito confortáveis com a auditoria de conformidade, mas devem começar a apostar também na auditoria operacional. Concorda?
Não é a nossa visão. A auditoria de conformidade é precisamente algum trabalho de ‘compliance’, que parece fácil, mas não é porque é preciso analisar se toda a actividade da empresa está de acordo com as leis e com a sua própria política e procedimentos. Se a auditoria interna tem como a principal missão a protecção dos activos da empresa, ela está preocupada no seu todo, nem sequer está à procura das zonas de conforto.
PERFIL
Doutorado em Economia (Análise Financeira de Empresas) pela Universidade de Mendel (MZLU v Brne), República Checa (2001), Ladislau Ventura é, além de presidente do Instituto dos Auditores Internos de Angola (IIA Angola), chefe de departamento da AGT. Com mais de 15 anos de experiência em Auditoria Interna, em todo o seu espectro, é membro do The Institute of Internal Auditors (IIA Global), desde 2007 e membro fundador da African Federation of Institutes of Internal Auditors – AFIIA (2009).
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