A corrupção dos decretos

22 Sep. 2021 V E Editorial
A corrupção dos decretos
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Os estudantes levantaram as suspeitas e não o fizeram sem fundamento. Quando decisores públicos criam decretos para regular as mensalidades nas instituições privadas de ensino, é esperado que estes governantes não tenham nem colégios, nem universidades. Ou seja, não tenham qualquer hipótese de os seus negócios beneficiarem directamente desses decretos. De outra forma, qualquer argumento, por muito fundado que pareça, cai necessariamente no saco roto da suspeição.

É o que aparentemente se passa com o aumento das propinas nas instituições privadas de ensino. Os ministérios das Finanças, do Ensino Superior e da Educação e os lobistas do ensino defendem-se com o aumento da inflação para ajustar os preços em 15% e 25%. Mas os estudantes acusam, sem desmentidos, que alguns desses governantes têm escolas privadas e que, no momento da decisão, estariam a pensar como empresários e não como decisores públicos. Porque só assim, segundo os estudantes, se compreende que não tenham levado em conta a agressiva perda de rendimento das famílias nos últimos anos.

Mas este exemplo da educação é apenas o reflexo de um paradigma instalado há décadas. Para a memória colectiva, a generalidade dos governantes tem a rotina de entrar nos gabinetes a pensar como fazer negócio consigo próprios. E, no momento em que deixam os gabinetes, saem a pensar como ganhar dinheiro com os cargos que exercem. Desde as opções que cedem ao crime, como a corrupção e a participação em negócio, a alternativas mais ‘limpas’ como a aprovação de regulamentos que favorecem os seus próprios interesses.

É precisamente por isso que, quando houver em Angola uma liderança disposta a promover reformas dignas desse nome, a perspectiva do combate à corrupção tem de ser alargada. Além da obrigatoriedade da apresentação e publicitação dos bens, os governantes terão de ser necessariamente forçados a desvincular-se da condição de empresários ou de accionistas de qualquer negócio que tiverem. Porque aquilo que vimos assistindo com normalidade é uma aberração que tem de ser obrigatoriamente corrigida. Ver, ainda hoje, governadores-empresários a orçamentarem e aprovarem projectos para as suas próprias empresas; ver instituições reguladoras a serem geridas por accionistas dos operadores que regulam; ver tudo isso enquanto se destila o combate à corrupção, não só nos mantém abaixo das exigências da civilização. É qualquer coisa que nos abeira da loucura colectiva.