A CULPA NÃO É DOS AMERICANOS
Quando Giorgia Meloni respondeu a uma provocação de Emmanuel Macron, lembrando-lhe a vergonhosa e contínua pilhagem francesa em África, certamente não se tinha esquecido de que as relações internacionais se guiam essencialmente pelo pragmatismo. O que a primeira-ministra italiana quis recordar ao presidente francês é tão somente o lado sombrio desse pragmatismo na relação com uma certa África. É a imoralidade que não olha a quaisquer meios para alcançar todos os fins. Meloni refrescou a memória de Macron que a França, sem o mínimo de remorso, levou o caos à Líbia para matar Kadafi e inviabilizar importantes concessões energéticas de Tripoli a Roma. O presidente francês teve de engolir em seco, ao ouvir Meloni dizer-lhe que a França leva 30% do urânio nigerino, quando 90% da população deste país africano vive sem electricidade.
Os franceses estão, entretanto, longe de ser o exemplo mais acabado da aplicação da imoralidade ao extremo no pragmatismo diplomático. Bem à frente, destacam-se os norte-americanos. Há séculos que assim é, mas a arquitetura do domínio global forjada depois da Segunda Grande Guerra deu aos americanos um espaço quase único no manuseio da imoralidade na política externa. Para exemplos, não precisamos recuar tanto no tempo.
Quando Joe Biden define Mohammad bin Salman como um “pária” e ameaça-o com sanções pelo assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi; quando, dois anos depois, esse mesmo Biden vai prostrar-se na Arábia Saudita perante o “pária” para lhe suplicar o aumento da produção do petróleo; quando Lloyd Austin passa por Angola e aponta o dedo aos autocratas pelo mundo, fingindo que não se refere ao regime de Luanda; quando o embaixador dos EUA em Angola avista “valores comuns” entre os dois países; quando tudo isso acontece, o cinismo e a imoralidade não deixam qualquer espaço para a vergonha. É isso o que qualquer liderança verdadeiramente comprometida com Angola deve ter em conta.
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