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A fraqueza do dólar forte de Trump

27 Aug. 2018 Benjamin J.Cohen Opinião

À primeira vista, a alta do dólar vinca a posição do presidente dos EUA, Donald Trump, que assumiu o cargo prometendo “tornar a América grande novamente”. Um dólar mais forte pode significar que as suas políticas económicas pró-crescimento funcionam. No entanto, um olhar mais atento mostra que as questões são mais complicadas. Na verdade, Trump pode precipitar um grande declínio no dólar.

Para começar, não está claro se Trump pode ter muito crédito na valorização do dólar. Mas, mesmo que pudesse, um dólar forte não é necessariamente bom para os seus objectivos políticos; nem a taxa de câmbio é uma medida que mostra a verdadeira força da moeda.

A administração Trump gostaria que acreditássemos que a alta do dólar reflecte um crescimento económico mais rápido, impulsionado pela agenda de desregulamentação do governo, pelos cortes maciços de impostos e pelos gastos de defesa substancialmente elevados. Depois de anos de má administração, diz ele, “o governo conseguiu restaurar a confiança nos negócios e que a América está finalmente a viver o seu potencial”.

Mas a maioria dos economistas atribui a valorização do dólar ao aumento das taxas de juro. Num esforço para deter a inflação, a Reserva Federal (Fed) dos EUA aumentou a sua taxa de fundos federais por duas vezes este ano e já sinalizou mais dois aumentos antes do final de 2018. Quando mais as taxas de juro dos EUA sobem, mais capital de investimento entra, aumentando a procura pelo dólar. E agora, o dinheiro chega aos EUA, vindo de todos os cantos do mundo.

A situação não é diferente da dos predecessores republicanos de Trump. Os ex-presidentes Ronald Reagan e George W. Bush também reduziram, cada um, os impostos, resultando em défices orçamentais que levaram a Fed a elevar as taxas de juro. Em cada caso, o dólar valorizou-se drasticamente (até 60% no governo Reagan, entre 1981 e 1985). Hoje, a Fed está novamente a actuar de forma independente para afastar o efeito inflacionário da expansão fiscal. Assim, se alguém deve ter crédito pela valorização do dólar é a Fed.

No entanto, pode-se imaginar ouvir Donald Trump a dizer que moedas mais fracas são para “perdedores”. E ele até se pode gabar do aumento do dólar no confronto com o presidente turco, Recep Tayyip Erdo?an, cuja moeda caiu quase 60% desde o início do ano. Mas enquanto uma forte taxa de câmbio do dólar pode atrair o ego de Trump, isso não serve necessariamente a sua agenda.

Afinal, o fortalecimento do dólar aumenta o preço das exportações no exterior e diminui o custo interno das importações, desestimulando o primeiro e incentivando o segundo. Isso está directamente em desacordo com a meta declarada de Trump de reduzir o défice comercial dos EUA.

A obsessão de Trump com o défice comercial levou-o a impor tarifas de importação sobre aço, alumínio e uma ampla gama de produtos da China. Mas, ironicamente, as importações mais caras também pressionam a inflação doméstica, o que poderia forçar a Fed a aumentar as taxas de juro ainda mais rápido do que o planeado. Isso, por sua vez, produziria ainda mais valorização do dólar e défices comerciais ainda maiores, como aconteceu com Reagan e Bush.

Por fim, é preciso lembrar que os movimentos de curto prazo nos mercados de câmbio não são capazes de avaliar a força subjacente de uma moeda. Tendências de longo prazo, como uma moeda é usada internacionalmente - particularmente como reserva de valor para investidores estrangeiros ou bancos centrais - são muito mais reveladoras.

Durante décadas, nenhuma moeda foi mais usada do que o dólar. Devido a esse domínio, os EUA, há muito, apreciam o que o ex-presidente francês Valéry Giscard d’Estaing descreveu como um “privilégio exorbitante”. Enquanto os estrangeiros estiverem com fome de dólares, os EUA podem gastar o que for necessário para projectar poder em todo o mundo. Para pagar por tudo, basta ligar a impressora.

Mas as políticas beligerantes de Trump estão a colocar em risco essa posição privilegiada. A promessa proteccionista de colocar “a América primeiro” cheira a nacionalismo xenofóbico e a forma como usa tarifas aliena amigos e inimigos. Quanto mais tempo mantiver tais políticas, mais provável é que os mercados se movam gradualmente em direcção a alternativas ao dólar. Eventualmente, o dólar vai lentamente sangrar e tal privilégio exorbitante e a influência global dos EUA ameaçam evaporar-se.

A China já convenceu a Rússia a aceitar a moeda chinesa para pagar o gás natural, em substituição do dólar. Mais recentemente, Beijing começou a preparar o caminho para pagar o petróleo bruto importado com moeda chinesa. Por exemplo, no início deste ano, lançou um novo mercado de futuros de petróleo em Xangai, que parece ter como objectivo estabelecer uma referência de preço na moeda chinesa juntamente com o Brent e o West Texas Intermediate. Se for bem-sucedido, o mercado de Xangai também poderá desencadear uma mudança de pagamentos para outras ‘commodities’ negociadas - tudo às custas do dólar.

Da mesma forma, vários países procuram formas de contornar as sanções da administração Trump aos produtores de petróleo iranianos. A Índia, por exemplo, já paga por algum petróleo iraniano com ‘commodities’ ao invés de dólares. E tanto a Rússia quanto a China têm investido maciçamente em ouro para reduzir a dependência de reservas em dólar. Entre eles, os dois países já compraram cerca de 10% de todo o ouro disponível no mercado mundial.

Portanto, apesar da valorização do dólar actual, um dólar-verde enfraquecido pode estar a prazo. Longe de tornar a América grande novamente, Trump parece estar a apressar o seu declínio económico.

Professor de Economia Política Internacional na Universidade da Califórnia, EUA