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Benjamin J.Cohen

Benjamin J.Cohen

À primeira vista, a alta do dólar vinca a posição do presidente dos EUA, Donald Trump, que assumiu o cargo prometendo “tornar a América grande novamente”. Um dólar mais forte pode significar que as suas políticas económicas pró-crescimento funcionam. No entanto, um olhar mais atento mostra que as questões são mais complicadas. Na verdade, Trump pode precipitar um grande declínio no dólar.

Para começar, não está claro se Trump pode ter muito crédito na valorização do dólar. Mas, mesmo que pudesse, um dólar forte não é necessariamente bom para os seus objectivos políticos; nem a taxa de câmbio é uma medida que mostra a verdadeira força da moeda.

A administração Trump gostaria que acreditássemos que a alta do dólar reflecte um crescimento económico mais rápido, impulsionado pela agenda de desregulamentação do governo, pelos cortes maciços de impostos e pelos gastos de defesa substancialmente elevados. Depois de anos de má administração, diz ele, “o governo conseguiu restaurar a confiança nos negócios e que a América está finalmente a viver o seu potencial”.

Mas a maioria dos economistas atribui a valorização do dólar ao aumento das taxas de juro. Num esforço para deter a inflação, a Reserva Federal (Fed) dos EUA aumentou a sua taxa de fundos federais por duas vezes este ano e já sinalizou mais dois aumentos antes do final de 2018. Quando mais as taxas de juro dos EUA sobem, mais capital de investimento entra, aumentando a procura pelo dólar. E agora, o dinheiro chega aos EUA, vindo de todos os cantos do mundo.

A situação não é diferente da dos predecessores republicanos de Trump. Os ex-presidentes Ronald Reagan e George W. Bush também reduziram, cada um, os impostos, resultando em défices orçamentais que levaram a Fed a elevar as taxas de juro. Em cada caso, o dólar valorizou-se drasticamente (até 60% no governo Reagan, entre 1981 e 1985). Hoje, a Fed está novamente a actuar de forma independente para afastar o efeito inflacionário da expansão fiscal. Assim, se alguém deve ter crédito pela valorização do dólar é a Fed.

No entanto, pode-se imaginar ouvir Donald Trump a dizer que moedas mais fracas são para “perdedores”. E ele até se pode gabar do aumento do dólar no confronto com o presidente turco, Recep Tayyip Erdo?an, cuja moeda caiu quase 60% desde o início do ano. Mas enquanto uma forte taxa de câmbio do dólar pode atrair o ego de Trump, isso não serve necessariamente a sua agenda.

Afinal, o fortalecimento do dólar aumenta o preço das exportações no exterior e diminui o custo interno das importações, desestimulando o primeiro e incentivando o segundo. Isso está directamente em desacordo com a meta declarada de Trump de reduzir o défice comercial dos EUA.

A obsessão de Trump com o défice comercial levou-o a impor tarifas de importação sobre aço, alumínio e uma ampla gama de produtos da China. Mas, ironicamente, as importações mais caras também pressionam a inflação doméstica, o que poderia forçar a Fed a aumentar as taxas de juro ainda mais rápido do que o planeado. Isso, por sua vez, produziria ainda mais valorização do dólar e défices comerciais ainda maiores, como aconteceu com Reagan e Bush.

Por fim, é preciso lembrar que os movimentos de curto prazo nos mercados de câmbio não são capazes de avaliar a força subjacente de uma moeda. Tendências de longo prazo, como uma moeda é usada internacionalmente - particularmente como reserva de valor para investidores estrangeiros ou bancos centrais - são muito mais reveladoras.

Durante décadas, nenhuma moeda foi mais usada do que o dólar. Devido a esse domínio, os EUA, há muito, apreciam o que o ex-presidente francês Valéry Giscard d’Estaing descreveu como um “privilégio exorbitante”. Enquanto os estrangeiros estiverem com fome de dólares, os EUA podem gastar o que for necessário para projectar poder em todo o mundo. Para pagar por tudo, basta ligar a impressora.

Mas as políticas beligerantes de Trump estão a colocar em risco essa posição privilegiada. A promessa proteccionista de colocar “a América primeiro” cheira a nacionalismo xenofóbico e a forma como usa tarifas aliena amigos e inimigos. Quanto mais tempo mantiver tais políticas, mais provável é que os mercados se movam gradualmente em direcção a alternativas ao dólar. Eventualmente, o dólar vai lentamente sangrar e tal privilégio exorbitante e a influência global dos EUA ameaçam evaporar-se.

A China já convenceu a Rússia a aceitar a moeda chinesa para pagar o gás natural, em substituição do dólar. Mais recentemente, Beijing começou a preparar o caminho para pagar o petróleo bruto importado com moeda chinesa. Por exemplo, no início deste ano, lançou um novo mercado de futuros de petróleo em Xangai, que parece ter como objectivo estabelecer uma referência de preço na moeda chinesa juntamente com o Brent e o West Texas Intermediate. Se for bem-sucedido, o mercado de Xangai também poderá desencadear uma mudança de pagamentos para outras ‘commodities’ negociadas - tudo às custas do dólar.

Da mesma forma, vários países procuram formas de contornar as sanções da administração Trump aos produtores de petróleo iranianos. A Índia, por exemplo, já paga por algum petróleo iraniano com ‘commodities’ ao invés de dólares. E tanto a Rússia quanto a China têm investido maciçamente em ouro para reduzir a dependência de reservas em dólar. Entre eles, os dois países já compraram cerca de 10% de todo o ouro disponível no mercado mundial.

Portanto, apesar da valorização do dólar actual, um dólar-verde enfraquecido pode estar a prazo. Longe de tornar a América grande novamente, Trump parece estar a apressar o seu declínio económico.

Professor de Economia Política Internacional na Universidade da Califórnia, EUA

Durante quase um século, o dólar norte-americano foi visto como o melhor refúgio do mundo financeiro. Nenhuma outra moeda prometeu o mesmo grau de segurança e liquidez para a riqueza acumulada. Em tempos de dificuldades, investidores nervosos e bancos centrais prudentes preferiram acumular activos denominados em dólares, particularmente em títulos do Tesouro dos EUA. Mas, tal parece já não ser o caso.

A administração caótica do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem prejudicado severamente a confiança no dólar. Desde o seu discurso inaugural diante de uma multidão fantasma de milhões, Trump tem escolhido lutas com um governo após outro, incluindo aliados como a Austrália e a Alemanha. Mais recentemente, levou o mundo à beira de uma guerra nuclear chocando de frente com o ditador norte-coreano Kim Jong-Un.

O dólar está prestes a enfrentar um sério teste. Os investidores globais continuarão a colocar o seu dinheiro num país cujo líder provoca fortemente o Reino Eremita com ameaças de “fogo e fúria”, ou irão procurar refúgio financeiro noutro lugar? Nunca antes, desde a Segunda Guerra Mundial, houve tantas dúvidas sobre a segurança do dólar.

No período pós-guerra, os mercados financeiros da América, extraordinariamente amplos e bem desenvolvidos, foram uma promessa incomparável de liquidez. E porque os EUA eram o poder militar dominante, lograram garantir também segurança geopolítica. Nenhum outro país se encontrava em melhor posição para prover activos de investimento seguros e flexíveis à escala que o sistema financeiro global exigia. Como a estratega de investimento, Kathy A. Jones, disse ao ‘New York Times’, em Maio de 2012: “Quando as pessoas estão preocupadas, todos os caminhos levam aos títulos de Tesouro”.

O rebentar da bolha imobiliária dos EUA em 2007 é um exemplo disso. Todos sabiam que a crise financeira e a recessão que se seguiria começaram nos EUA e que o país foi o responsável pelo eminente colapso da economia global. E, no entanto, mesmo no auge da crise, uma maré de capital entrou nos mercados dos EUA, possibilitando assim uma resposta por parte da Reserva Federal e do Departamento do Tesouro americanos. Só nos últimos três meses de 2008, as compras líquidas de activos norte-americanos totalizaram 500 mil milhões USD - três vezes mais do que o adquirido nos nove meses anteriores. Longe de depreciar, o dólar fortaleceu. O mercado de títulos do tesouro destacou-se como um dos poucos sectores financeiros que ainda funcionava sem problemas. Mesmo quando a agência de notação Standard & Poor’s baixou o rating dos títulos do Tesouro, em resposta a um breve encerramento do governo dos EUA em meados de 2011, os investidores externos continuaram a adquirir dólares.

O pico da procura por dólares de há dez anos poderia ser atribuído ao puro medo: ninguém sabia o quanto as coisas poderiam piorar. O mesmo pode ser dito hoje sobre o crescente confronto entre os EUA e a Coreia do Norte. Mas, será que a história se repetirá, levando os investidores a refugiarem-se no dólar?

A resposta é: o melhor é não contar com isso. Há meses que os mercados têm demonstrado desconfiança em relação a Trump. Neste ponto, o medo de uma nova crise poderá precipitar a fuga de capitais face ao dólar, e se tal suceder, os EUA terão de lidar com uma crise do dólar, além de um potencial conflito militar.

O risco de uma crise do dólar parecia ser algo distante nas semanas imediatamente após a surpreendente vitória eleitoral de Trump em Novembro passado. Na verdade, no final do ano passado, as entradas de capital tinham empurrado o dólar até níveis não antes vistos, há mais de uma década, devido às expectativas de desregulamentação em larga escala, redução dos impostos e estímulos fiscais sob a forma de gastos em infra-estruturas e aumento da despesa para o suposto “esgotado” exercito americano. O crescimento económico, acreditavam os investidores, estava destinado a melhorar.

Mas, com a administração Trump, agora mergulhada em escândalos, o “impacto Trump” pós-eleitoral desapareceu, e com ele a fé no dólar. Nos primeiros 200 dias da administração, o dólar perdeu quase 10% do seu valor. Enquanto, Trump tem feito ‘tweets’ absurdos, os investidores têm procurado refúgios alternativos e seguros noutros mercados - da Suíça ao Japão. Esta tendência começou antes do mais recente contratempo dos EUA com a Coreia do Norte, mas foi apenas uma gota. Agora, essa gota ameaça transformar-se numa inundação que deixará o dólar deteriorado de forma permanente. Claro que, a administração Trump poderá realmente pretender um dólar mais fraco, e permitir que outros assumam o papel de refúgio seguro global. Mas tal abdicação será historicamente - e perigosamente - míope.

A popularidade do dólar como reserva de valor, confere aos EUA um “privilégio exorbitante”. enquanto os investidores e os bancos centrais colocam a sua riqueza em títulos do Tesouro e noutros activos dos EUA, o governo americano pode gastar o que for necessário para sustentar os seus muitos compromissos de segurança em todo o mundo e financiar os seus défices comerciais e orçamentais.

Com a sua abordagem transaccional à política, Trump parece concentrar-se mais nos custos de ter uma moeda de reserva global do que nas vantagens. Mas, não pode esperar “fazer a América grande de novo” se de que se preocupar com a fuga de capitais, e não irá conseguir aprovar a sua agenda doméstica se tiver de enfrentar sentimentos negativos oriundos dos mercados externos. Não haverá nada “de grande” numa América que sacrifique a sua posição dominante no sistema financeiro global. Se Trump esticar muito a corda ao dólar, irá muito provavelmente arrepender-se.

 

Professor de Política Económica Internacional na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara. É autor do livro ‘A geografia do dinheiro’.