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Estará Trump a matar o dólar?

21 Aug. 2017 Benjamin J.Cohen Opinião

Durante quase um século, o dólar norte-americano foi visto como o melhor refúgio do mundo financeiro. Nenhuma outra moeda prometeu o mesmo grau de segurança e liquidez para a riqueza acumulada. Em tempos de dificuldades, investidores nervosos e bancos centrais prudentes preferiram acumular activos denominados em dólares, particularmente em títulos do Tesouro dos EUA. Mas, tal parece já não ser o caso.

A administração caótica do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tem prejudicado severamente a confiança no dólar. Desde o seu discurso inaugural diante de uma multidão fantasma de milhões, Trump tem escolhido lutas com um governo após outro, incluindo aliados como a Austrália e a Alemanha. Mais recentemente, levou o mundo à beira de uma guerra nuclear chocando de frente com o ditador norte-coreano Kim Jong-Un.

O dólar está prestes a enfrentar um sério teste. Os investidores globais continuarão a colocar o seu dinheiro num país cujo líder provoca fortemente o Reino Eremita com ameaças de “fogo e fúria”, ou irão procurar refúgio financeiro noutro lugar? Nunca antes, desde a Segunda Guerra Mundial, houve tantas dúvidas sobre a segurança do dólar.

No período pós-guerra, os mercados financeiros da América, extraordinariamente amplos e bem desenvolvidos, foram uma promessa incomparável de liquidez. E porque os EUA eram o poder militar dominante, lograram garantir também segurança geopolítica. Nenhum outro país se encontrava em melhor posição para prover activos de investimento seguros e flexíveis à escala que o sistema financeiro global exigia. Como a estratega de investimento, Kathy A. Jones, disse ao ‘New York Times’, em Maio de 2012: “Quando as pessoas estão preocupadas, todos os caminhos levam aos títulos de Tesouro”.

O rebentar da bolha imobiliária dos EUA em 2007 é um exemplo disso. Todos sabiam que a crise financeira e a recessão que se seguiria começaram nos EUA e que o país foi o responsável pelo eminente colapso da economia global. E, no entanto, mesmo no auge da crise, uma maré de capital entrou nos mercados dos EUA, possibilitando assim uma resposta por parte da Reserva Federal e do Departamento do Tesouro americanos. Só nos últimos três meses de 2008, as compras líquidas de activos norte-americanos totalizaram 500 mil milhões USD - três vezes mais do que o adquirido nos nove meses anteriores. Longe de depreciar, o dólar fortaleceu. O mercado de títulos do tesouro destacou-se como um dos poucos sectores financeiros que ainda funcionava sem problemas. Mesmo quando a agência de notação Standard & Poor’s baixou o rating dos títulos do Tesouro, em resposta a um breve encerramento do governo dos EUA em meados de 2011, os investidores externos continuaram a adquirir dólares.

O pico da procura por dólares de há dez anos poderia ser atribuído ao puro medo: ninguém sabia o quanto as coisas poderiam piorar. O mesmo pode ser dito hoje sobre o crescente confronto entre os EUA e a Coreia do Norte. Mas, será que a história se repetirá, levando os investidores a refugiarem-se no dólar?

A resposta é: o melhor é não contar com isso. Há meses que os mercados têm demonstrado desconfiança em relação a Trump. Neste ponto, o medo de uma nova crise poderá precipitar a fuga de capitais face ao dólar, e se tal suceder, os EUA terão de lidar com uma crise do dólar, além de um potencial conflito militar.

O risco de uma crise do dólar parecia ser algo distante nas semanas imediatamente após a surpreendente vitória eleitoral de Trump em Novembro passado. Na verdade, no final do ano passado, as entradas de capital tinham empurrado o dólar até níveis não antes vistos, há mais de uma década, devido às expectativas de desregulamentação em larga escala, redução dos impostos e estímulos fiscais sob a forma de gastos em infra-estruturas e aumento da despesa para o suposto “esgotado” exercito americano. O crescimento económico, acreditavam os investidores, estava destinado a melhorar.

Mas, com a administração Trump, agora mergulhada em escândalos, o “impacto Trump” pós-eleitoral desapareceu, e com ele a fé no dólar. Nos primeiros 200 dias da administração, o dólar perdeu quase 10% do seu valor. Enquanto, Trump tem feito ‘tweets’ absurdos, os investidores têm procurado refúgios alternativos e seguros noutros mercados - da Suíça ao Japão. Esta tendência começou antes do mais recente contratempo dos EUA com a Coreia do Norte, mas foi apenas uma gota. Agora, essa gota ameaça transformar-se numa inundação que deixará o dólar deteriorado de forma permanente. Claro que, a administração Trump poderá realmente pretender um dólar mais fraco, e permitir que outros assumam o papel de refúgio seguro global. Mas tal abdicação será historicamente - e perigosamente - míope.

A popularidade do dólar como reserva de valor, confere aos EUA um “privilégio exorbitante”. enquanto os investidores e os bancos centrais colocam a sua riqueza em títulos do Tesouro e noutros activos dos EUA, o governo americano pode gastar o que for necessário para sustentar os seus muitos compromissos de segurança em todo o mundo e financiar os seus défices comerciais e orçamentais.

Com a sua abordagem transaccional à política, Trump parece concentrar-se mais nos custos de ter uma moeda de reserva global do que nas vantagens. Mas, não pode esperar “fazer a América grande de novo” se de que se preocupar com a fuga de capitais, e não irá conseguir aprovar a sua agenda doméstica se tiver de enfrentar sentimentos negativos oriundos dos mercados externos. Não haverá nada “de grande” numa América que sacrifique a sua posição dominante no sistema financeiro global. Se Trump esticar muito a corda ao dólar, irá muito provavelmente arrepender-se.

 

Professor de Política Económica Internacional na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara. É autor do livro ‘A geografia do dinheiro’.