A insensibilidade do poder e a paixão de Lula
Luís Inácio Lula da Silva, o histórico e carismático ex-presidente do Brasil, tem um discurso hostil contra a pobreza extrema que o diferencia largamente do resto das lideranças dos nossos tempos. A partir do seu país ou nos palcos internacionais, não há uma única oportunidade que Lula desperdice. Quando se trata de atacar a insensibilidade generalizada, face aos 750 milhões de humanos que passam fome pelo mundo, Lula vai ao extremo. Protesta invariavelmente com frustração e desespero genuínos, apesar da pessoa optimista que aprendeu a ser ao longo da vida.
Mais do que a preocupação de dar respaldo às suas convicções ideológicas, Lula da Silva atira-se convictamente contra a pobreza porque é um líder raro que compreende, como poucos, o fim último da governação. Mostrou-o, de resto, quando teve a oportunidade de presidir ao seu país, liderando transformações de fundo que tiraram milhões de brasileiros da miséria. Todo o seu fervor contra a fome não poderia ser mais bem ilustrado, aliás, senão pela icónica ideia de que jamais dormiria descansado, enquanto houvesse brasileiros que se levantavam e se deitavam sem uma xícara de café. Hoje, e com a expectativa de regressar ao comando do Brasil, onde 19 milhões de pessoas ainda passam fome, Lula mantém o combate à pobreza extrema como a sua paixão política e, ao mesmo tempo, como a razão de ser de toda a sua luta.
Com muita pena, entretanto, a paixão e a razão de Lula não têm sido capazes de contagiar a maioria esmagadora dos seus pares pelo mundo em que reina a pobreza extrema. E o caso específico de Angola é dos exemplos terminados de que o que mais abunda são governantes que nunca perceberam verdadeiramente o propósito último dos postos que ocupam. É o mínimo que se pode dizer quando há angolanos literalmente a morrerem de fome, com realce nas terras secas do Sul, e o Governo não implementa um plano continuado de emergência para minimizar o drama. Os gritos diários de socorro que ecoam do Namibe, Cunene, Huíla, dentre outras províncias, não parecem sequer pertencer a cidadãos do mesmo país onde o Presidente da República aprova centenas de milhões de dólares para a compra de sobrefacturados edifícios ministeriais. A agonia provocada pela fome e que devasta centenas de famílias angolanas não parece perturbar o sono de governantes que atiram 10 milhões de dólares para a construção de um pavilhão numa feira de retornos duvidosos. Estes angolanos que, definhados pela fome, fogem do país em longas caminhadas à procura de salvação são mesmo desta terra em que o Presidente aprova a compra de apartamentos e viaturas milionários para outros cidadãos um pouco mais especiais. Enfim… Na cartilha de governação do Governo que se tem, deixar as pessoas morrerem de fome deverá ser necessariamente um dever patriótico. Só isso para explicar tamanha insensibilidade e desprezo ao martírio da fome por que passam estas famílias que já mereciam, no mínimo, um estado de emergência.
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