ANGOLA GROWING
RUI VERDE, DOCENTE E INVESTIGADOR

“A matriz [da relação com a China] deveria ser mudada do empréstimo para o investimento”

O jurista, docente e investigador Rui Verde acredita que a China não tem alternativas, senão negociar a dívida com as autoridades de Luanda, sob pena de Angola não pagar e, no fundo, colocar em causa o próprio modelo de relacionamento China/África.  

“A matriz [da relação com a China] deveria ser mudada do empréstimo para o investimento”

Na recente entrevista que concedeu a este jornal defendeu que a dívida com a China tem de ser negociada. A negociação será, certamente, um dos principais dossiers na possível viagem de João Lourenço à China. Acredita que um acordo neste sentido será facilmente alcançado?

A dívida para com a China, neste momento, é das principais ameaças à liquidez das finanças públicas angolanas. Basta ver o efeito de descontrolo que a retoma de pagamentos a Beijing no pós-Covid teve no ano passado nas contas públicas angolanas, que rapidamente entraram em derrapagem. Nos últimos anos, apenas em stock de capital (sem juros) Angola pagou à China mais de 4 mil milhões de dólares. A China tem sido um negociador difícil. No fundo, ainda está numa ‘curva de aprendizagem’ a lidar com as dívidas de países terceiros em desenvolvimento. Nessa medida, não antevejo facilidades na negociação.


Quais acha que serão os argumentos de Angola para convencer a parte Chinesa?

Começa por existir o argumento óbvio. Se não houver negociação, a China arrisca-se a não receber o seu dinheiro e a lançar Angola numa espiral de crise, que irá atingir a imagem chinesa de propor soluções win-win (em que ambas as partes ganham). Além do mais, Angola foi sempre apresentada como o modelo chinês de cooperação em África. Falhando esse modelo, é a própria China que fica em causa. É importante ter em conta as lições da História. Algum paralelo pode ser traçado com as relações da União Soviética com Nasser, no Egipto nos anos 1960 e 1970. É sabido que, sob Khrushchev, a União Soviética financiou em grande parte Nasser e a Barragem de Assuão. Porém, posteriormente, com Brejnev, prevaleceu uma nova atitude, apelando à austeridade e negando o adiamento do pagamento das dívidas. No final, isso levou a Sadat, que se juntou aos americanos e ao declínio da influência soviética no Egipto. Tendo em mente estes exemplos históricos, a China está certamente a equilibrar as suas opções, não optando por um desligamento, mas ao mesmo tempo não aprofundando a relação. Finalmente, temos o problema da dívida chinesa que foi parar aos bolsos de entidades privadas através de desvios vários (factos descritos, por exemplo, na acusação aos generais Kopelipa e Dino). Temos agora uma misteriosa Madam Lo a afirmar publicamente pelo mundo fora que as operações privadas montadas entre China e Angola e que permitiram os referidos desvios derivam de ordens directas do Comité Central do Partido Comunista Chinês. 


Angola, para este ano, espera recorrer aos mercados internacionais para financiar o OGE. Acredita que sobre a mesa também estará a negociação de novos financiamentos?

Não antevejo novos financiamentos-envelope, isto é, para gastos gerais orçamentais. A política de crédito chinesa está muito mais focada. O que é possível são empréstimos para actividades muito específicas e concretas ligadas ao investimento empresarial chinês nas áreas das telecomunicações, indústria automóvel, economia azul, etc.

É relevante sublinhar que a reavaliação da relação não está a ser feita apenas por Angola, mas também pela China, que se defronta com os problemas típicos de uma economia em maturação após um crescimento rápido. Agora não se trata de espalhar dinheiro e boa-vontade, mas de obter rendimentos e retornos eficientes dos empréstimos. 

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