“A música clássica pode recuperar crianças desfavorecidas”
MÚSICA. Orquestra Sinfónica Kaposoka é a primeira do género em Angola. Com sede na Samba, conta com duas filiais no Zango 3 e em Catete. Trata-se de um projecto que pretende apoiar jovens carenciados. A orquestra, que já actuou em vários países, é apadrinhada pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos.
A Orquestra Sinfónica Kaposoka foi criada em 2008. Como surgiu a ideia?
Quando fui nomeado administrador da Samba, em 2008, as municipalidades receberam dinheiro para a sua gestão. Nesta altura, perguntei a alguém da presidência o que o Presidente esperava de mim, e ele respondeu duas coisas: melhorar as condições da população e tomar conta da reserva do Estado, os terrenos. E, no âmbito das minhas tarefas, decidi andar pelo município e deparei-me com uma escola com condições péssimas e com o rosto triste das crianças. Fechei a escola e arrendei uma casa. Pedi ajuda ao delegado da educação e cedeu-nos carteiras novas. Achei que a música clássica podia recuperar crianças desfavorecidas, pois tem o poder de sossegar, tranquilizar e trazer a criança para o real. Mas, como as nossas crianças não estavam habituadas à música clássica, tinha de arranjar formas de fazer com que fossem elas mesmas a tocar. Então pensei em formar uma orquestra infanto-juvenil. A oportunidade surge depois de uma viagem à Singapura, onde, em contacto com o embaixador, me foi apresentado um fazedor de violinos, e, pela primeira vez, fiz encomendas de violinos. Passado algum tempo, os violinos chegam a Angola, mas mantive tudo em segredo.
O propósito mantém-se até hoje?
Desde sempre me foi dito directamente que devia fazer algo que melhorasse as condições de vida da população. Comecei logo a pensar nos mais vulneráveis. Hoje, entra para a escola qualquer criança interessada.
As crianças pagam?
Zero absoluto, o terno é esse. Tudo é pago pelo Presidente da República. A instalação física da Samba é oferta do banco BPC. A assistência médica e medicamentosa é da Multiperfil, tudo grátis, incluindo as cirurgias.
Que desafios enfrentou?
O projecto é privado, mas temos apoios públicos. A Presidência da República, todos os anos, convida-nos para um ou outro evento. Os ministérios também. No que tange à expansão, o Presidente orientou que fossem abrangidas as demais províncias. As crianças têm consultas grátis na clínica Multiperfil.
Já estão preparadas para acompanhar artistas em concertos?
Os do escalão ‘A’ do grupo principal já tiveram algumas experiências, como no ‘Show do Mês’, onde acompanhámos o ‘mais velho’ Baião, os Líricos e Aline Frazão. Portanto, tínhamos partituras. Mas já conseguem fazer algumas músicas angolanas, desde que tenham partituras. Mas não vamos enveredar por ai, de momento. Só em casos esporádicos e especiais, mas todos seleccionados por nós. Por enquanto, as crianças ainda não estão preparadas para acompanhar músicos.
Recebe propostas para actuar?
Nem todos os serviços são pagos, nem todos nós aceitamos que nos paguem. Embora precisemos de dinheiro. Em geral, são pagos, quando alguma instituição do Estado convida. Há algumas instituições privadas com capacidades de pagar muito mais e ainda pedem redução de preço inacreditavelmente. O que me inquieta é que essa é uma instituição filantrópica e ainda é para crianças. Mas acontece poucas vezes, porque a prioridade é o estudo. Há instituições que não pagam, por serem nossos parceiros, como a Multiperfil, o Instituto de Sangue, que também precisa de ajuda, as creches para crianças carentes também não pagam.
Já há ramificações da orquestra?
Em Luanda, estamos no Zango 3, mas não com as mesmas condições. E, fora de Luanda, temos em Catete, no Centro Cultural Dr. António Agostinho Neto.
Para além da Argentina, onde mais estiveram?
Havia sete prémios e eram todos iguais e nós arrebatámos um deles na Argentina, em 2012. Era um local onde havia prémios e não saímos em terceiro lugar como se tem dito. Nos outros locais, foi só para realizar concertos. Estivemos na Zâmbia, Venezuela, França, Itália, Japão, Espanha e quem custeou parte das despesas foi a nossa embaixada na Espanha e empresários espanhóis. O Presidente da República apoia sempre todas as nossas actividades.
Como está constituída a escola?
Temos várias turmas em cinco escalões. A turma ‘A’ é dos mais avançados e vai até ao escalão ‘E’. Podem ser matriculadas crianças entre os seis e os 14 anos. A escola tem salas de aulas, um refeitório. Uma das salas chama-se ‘As Gingas do Maculusso’, a biblioteca ‘Ary’ e sala de concerto ‘Elias Dya Kimueso’.
Tem uma razão especial?
Porque estes foram os únicos músicos que aceitaram o nosso convite sem cobrar nada e mostraram-se disponíveis sempre que precisássemos. Os outros músicos, mesmo sabendo das nossas dificuldades, cobravam até sete mil dólares para actuarem nas nossas actividades. Optámos por ter nomes de músicos que apoiam o projecto.
Quanto tempo ficam as crianças na escola?
Normalmente três a quatro horas/dia, de segunda a sábado. Mas, até 2012, tinham direito ao pequeno-almoço e a uma refeição quente. Actualmente estão só com a merenda escolar e, aos sábados, o almoço.
O que se aprende na escola?
Temos várias disciplinas. Temos música clássica universal, música clássica angolana, música moderna angolana, música popular angolana. A escola tem também uma componente forte: formar o homem, não apenas na componente musical mas temos também aulas de ética, educação moral e cívica, etc.
PERFIL
Pedro Ambrósio dos Reis Françony, de 64 anos, nasceu em Kasai, na RDCongo. O seu maior sonho é ver todas as crianças a sorrir e criar escolas de música e de futebol grátis. É o primeiro homem ?a abrir uma orquestra sinfónica em Angola.
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