ANGOLA GROWING
KIM FREITAS, RADIALISTA E ESCRITOR DE LIVROS INFANTIS

“A notícia não se inventa”

ENTREVISTA. Em 26 anos, Kim Freitas pensa que ainda não fez o suficiente, apesar de ter produzido sete discos infantis e dois livros sobre educação sanitária. O responsável do programa infantil ‘Kaluanda-piô’ procura apoios para outros projectos de educação para crianças.

 

Já se sentiu alguma vez desconfortável a informar?

Nunca me senti desconfortável. É preciso sempre levar algum conforto ao ouvinte. É preciso levar a informação que o ouvinte não recebe em casa, na escola, na igreja e no serviço. A rádio tem de ser diferente, para não se tornar monótona.

Em 26 anos tem boas histórias para contar…

Desde que comecei a minha carreira tenho procurado ser bastante profissional e imparcial. É uma grande satisfação poder educar as crianças e orientá-las para uma vida mais positiva. Tenho milhares de histórias, umas tristes, outras lindas. Até hoje choro quando vejo uma criança na rua, os chamados ‘meninos de rua’.

Como surgiu o programa ‘Kaluanda-piô’?

O ‘Kaluanda-piô’ surgiu a 17 de Dezembro de 1987 e foi criado por profissionais da Rádio Luanda. Surgiu para servir exclusivamente as crianças de Luanda, porque na altura já existia o ‘Rádio-Piô’ (1983) que servia as crianças de Angola inteira. Só entro para o ‘Kaluanda-Piô’ em finais de 1989 e passo a coordená-lo em finais de 1990.

Em quem se se inspira?

A inspiração vem de forma natural. Na minha infância, li muito. Pelo menos, lia um bom livro por semana. Via muitos filmes. Sonhava de facto ser educador, sonhava transmitir alguma coisa que lia.

O que o motivou a acreditar?

A carreira foi fluindo. Hoje, cerca de 30 anos, penso que ainda não fiz absolutamente nada, apesar de ter produzido sete discos infantis, escrito dois livros, realizado palestras em várias escolas e promovido mais de 200 espectáculos infantis.

Que conselhos daria a quem sonha viver da comunicação?

A comunicação deve ter a capacidade de educar e instruir. Deve informar e formar. Deve exercer grande pressão de socialização do angolano. Os jovens devem trabalhar para informar e fazer da rádio, da televisão ou dos jornais um emprego digno e não um sítio para passar intrigas, boatos, ou mentiras. Uma notícia não se inventa. Ela tem de ter bases, fontes, porque uma notícia é indesmentível!

Como vê os próximos anos?

Gostava que se valorizasse mais o trabalho do jornalista. O jornalista em Angola vive muitas dificuldades. Muitos pensam que é um ‘mar de rosas’, mas nunca foi. É uma profissão que exige sacrifícios.

Que projectos tem?

Continuar a escrever livros sobre a educação sanitária, produzir discos infantis, ter a sorte de alguém apoiar para criarmos o prémio do livro infantil ‘ndenguelândia’, continuar a realizar palestras sobre a qualidade de vida.

Pensa lançar mais livros?

Se dependesse de mim lançava ainda este ano. Aqui em Angola os apoios para projectos e programas infantis estão relegados para terceiro plano. Precisamos dar a atenção merecida à nossa criança. Precisamos formar a sua consciência. Não adiemos isso para daqui a 20 anos..

Teve uma vida profissional fácil?

Nenhuma vida profissional é fácil. O grande segredo é fazê-la com satisfação e isenção. Mas tenho tido algum sucesso.

E a que atribui isso?

À humildade e uma gestão cautelosa de conflitos.

Imagina-se a trabalhar noutro meio que não seja a rádio?

A mim é indiferente, rádio, jornal ou televisão. Já colaborei com o Jornal de Angola e com a TPA.

Ainda temos cantores infantis como nos anos 1980 e 1990?

Ainda andam por aí os grandes mestres neste campo como Luísa Fançony, Filipe Zau, Alice Berenguel, Eduardo Paim, Rosa Roque, Chico Madne, Dionísio Rocha, Fernando Nogueira, Marito Furtado. Agora até é mais fácil, temos muitos estúdios.

O que deve ser feito?

O canto coral deve voltar às escolas, às igrejas. Devemos criar os prémios da música infantil e do disco infantil. Resgatar o folclore. As crianças têm de aprender as cantigas de roda nacionais. Os festivais da canção devem andar por todo o país.

É fácil produzir para crianças?

Nenhuma obra artística de criação é fácil. É preciso ter alguma sensibilidade, gostar do belo, do maravilhoso e estar em ‘dia sim’.

Que outros projectos tem?

Edição e massificação do livro infantil sobre a educação sanitária, produção e edição do disco infantil com a realização de festivais, promoção de palestras sobre a qualidade de vida a crianças e adolescentes. As pessoas esquecem-se que temos de educar os pequenos para que amanhã sejam adultos responsáveis e não deixem tanto trabalho a sociedade. Não podemos criar marginais.