A pandemia que virou o mundo ao contrário
FACTO DO ANO. Pandemia da covid-19 virou o mundo. Tudo foi drasticamente alterado e a incerteza sobre o 'inimigo comum número 1' ditou muitas decisões. Quase todo o mundo ficou fechado e até os relacionamentos pessoais foram alterados. Ano fechou com um sinal de esperança: a vacina vem aí.
Economias colapsaram. Fronteiras fecharam. Países em estado de emergência. Ficar em casa nunca foi tão importante. Unidos, não. Separados, por prevenção. A culpa é da pandemia da covid-19. O ano de 2020 foi diferente em todos os sentidos, até pelas palavras mais usadas: infecção, confinamento, óbitos.
Foram 76.830.147 infectados e 1.693.447 óbitos (até 21 de Dezembro, às 13, hora de Angola). Mesmo com estes números, há quem tenha subestimado o vírus ao ponto de acreditar que não passava de uma “gripezinha”. Foram os casos, mais mediáticos, dos presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e dos EUA, Donald Trump. Mas a 'gripezinha' soma e segue nos estragos pelos países.
O primeiro caso da infecção pelo novo coronavírus foi detectado a 17 de Novembro do ano passado, na China. O primeiro infectado, segundo as autoridades chinesas, teria sido um homem de 55 anos da província de Hubei.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) fez a primeira comunicação pública, via twitter, a 4 de Janeiro. Na altura, já 59 pessoas estavam infectadas. Cinco dias depois, a OMS anunciava que as autoridades chinesas haviam concluído que a doença era transmitida por uma nova espécie de coronavírus (a primeira vez que se deu pelo vírus foi na década de 1960). Já em Janeiro, todos os países receberam um dossier com informações sobre o novo surto, com as recomendações para se tomar medidas.
A primeira morte, vítima do coronavírus, foi de um homem de 61 anos na cidade de Wuhan, China. Nesta semana, começaram a ser lançados avisos dos perigos da doença ainda completamente desconhecida pelos especialistas. As autoridades chinesas começaram a impor restrições a quem tivesse passado ou morasse em Wuhan.
No final de Janeiro, mais de 100 pessoas tinham perdido a vida para a covid-19, que ainda não tinha sido declarada pandemia, nem sequer fora baptizada com o nome que iria marcar todo o ano. No entanto, 17 países já tinham relatado casos da doença. Os EUA proibiram viagens à China.
Só no final de Janeiro é que a OMS decretou emergência global por causa do vírus, mas ainda a declarava uma epidemia. Começavam assim também as restrições. Hubei obrigou os habitantes a usarem máscaras na via pública e outras restrições e o mundo, tal o qual o conhecemos, começou a receber alertas de que vinha daí uma doença perigosa.
Em Fevereiro, o foco do vírus ainda continuava na China. O país chegou a ultrapassar o patamar dos mil mortos provocados pelo novo coronavírus que, entretanto, já tinha saltado fronteiras.
O primeiro morto, fora da China, foi registado nas Filipinas. A partir daí, o mundo começou a tomar medidas. A 11 de Março, a OMS considerou o novo coronavírus uma pandemia e deu-lhe um outro nome: covid-19. A informação foi avançada pelo director-geral, Tedros Adhanom Ghebreyesus, em conferência de imprensa. Nesta altura, já estavam confirmados 118 mil casos e o vírus alastrava-se a 114 países e com o registo de 4.291 mortes. Desde esta altura, os países começaram a traçar planos de confinamento e restrições de circulação. E tudo para travar aquele que foi apelidado pelo mundo 'inimigo comum número 1'.
As Nações Unidas lançaram um apelo que acabou por ser, em grande parte, respeitado: o fim das guerras e de invasões militares.
ANGOLA E O VÍRUS
Os primeiros casos de covid-19 em Angola foram anunciados a 21 de Março. Dois cidadãos foram diagnosticados com o vírus, infectados em Portugal. No léxico, entravam as expressões "casos importados" e, mais tarde, "contaminação local". Nos primeiros meses da pandemia, os casos concentraram-se especificamente em Luanda, sem haver qualquer registo fora da capital. Mas também escasseavam os testes.
Estes dois primeiros casos foram confirmados depois de algumas especulações pelas redes sociais. A 26 de Março, e já com apenas três casos, o Governo não cruzou os braços e anunciou uma série de medidas para conter a propagação do vírus. Foi decretado, pela primeira vez, o Estado de Emergência. Todos os voos foram suspensos por 15 dias. O país fechou as fronteiras. As aulas, tanto nas escolas como nas universidades, foram suspensas. Passou a haver limitação de circulação nas estradas. Mais de metade dos trabalhadores foi mandada para casa e os funcionários públicos passaram a trabalhar apenas metade do tempo e, ainda assim, nem todos.
Foi criada também uma comissão multissectorial de combate à doença chefiada pelo ministro de Estado e chefe de Segurança da Presidência da República, Pedro Sebastião, retirando essa competência à ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta. Choveram críticas. Na óptica da opinião pública, devia ser uma entidade ligada à saúde e não um general. Mas Pedro Sebastião levou adiante a missão.
Desde o início da pandemia, foi declarado, por três vezes, o Estado de Emergência. Assim como nos demais países, todos os dias, as autoridades passaram a 'invadir' à noite a televisão para actualizar os dados sobre a doença. A ministra da Saúde e o secretário de Estado para a Saúde Pública, Franco Mufinda, tornaram-se figuras ligadas às boas e más notícias.
Para ajudar Angola no combate ao vírus, mais de 200 médicos cubanos foram contratados para entrar na linha da frente, com salários acima de cinco mil dólares mensais. O que provocou mais agitação na classe médica.
ESTADO DE CALAMIDADE COM ABERTURAS E RECUOS
Com 69 casos positivos registados, dos quais quatro resultaram em mortes, o Governo decidiu aliviar as medidas e passou do Estado de Emergência para o de Calamidade Pública.
A mudança significou uma maior liberdade. Nesta altura, Portugal também anunciou o Estado de Calamidade. Os angolanos não ficaram indiferentes às coincidências e acusaram o Governo de ser “maria-vai-com-as-outras”, no caso de imitar as medidas em Portugal. Foram mantidas algumas restrições no funcionamento dos serviços públicos e privados, bem como a continuidade da cerca sanitária em Luanda que estava prevista ser levantada em Junho. Mas os casos foram aumentando e Luanda, a mais fustigada pelo vírus, nunca se abriu para as demais províncias.
Desde 25 de Maio, altura em que Angola saiu do Estado de Emergência que o país continua no Estado de Calamidade. O Governo, durante estes últimos seis meses, recuou e avançou nas medidas. Uma delas foi o de uso obrigatório de máscara, incluindo pelos condutores de automóveis, mesmo viajando sozinhos. Por causa disso, um médico, Sílvio Dala, morreu em plena esquadra, detido por não usar máscara.
PAÍS CHOROU LUTHER RESCOVA
A covid-19 vitimou mortalmente muita gente e, entre elas, muitas figuras públicas no mundo, das artes à política, da literatura ao desporto. Em Angola, não foi diferente. Uma das mortes foi a do governador do Uíge, Sérgio Luther Rescova. Ex-líder da JMPLA e ex-governador de Luanda, Sérgio Rescova morreu numa unidade hospitalar na capital a 9 de Outubro. Os angolanos choraram a morte do jovem político. Rescova foi secretário nacional da JMPLA, antes de assumir a liderança do Governo Provincial de Luanda, em Janeiro de 2019. Em Maio deste ano, foi nomeado governador do Uíge.
Antes de chegar ao Governo, foi deputado e, na Assembleia Nacional, esteve inserido na Comissão dos Assuntos Constitucionais e Jurídicos. Era membro do Conselho da República e do Comité Central do MPLA. Formado em Direito pela Universidade Católica, passou, na mesma universidade, a docente de Ciência Política e Direito Constitucional.
TELETRABALHO VEIO PARA FICAR
Desde que foi decretado o Estado de Emergência, as empresas em Angola e no mundo tiveram de se adaptar. O teletrabalho foi a escolha obrigatória. Em bancos, multinacionais, escolas, prestadoras de serviços e até nas telecomunicações, o teletrabalho entrou na rotina diária e há quem garanta que veio para ficar. O Facebook e a Google anunciaram manter-se em teletrabalho até 2021 por causa da pandemia. Por Angola, o Banco Nacional de Angola, por exemplo, durante o Estado Emergência, manteve apenas 25% dos trabalhadores de forma efectiva e o restante em teletrabalho. No Estado de Calamidade, o número de efectivos aumentou para 35%. A crise trouxe melhorias significativas do ponto de vista tecnológico em função do teletrabalho, segundo a administradora do Capital Humano, Beatriz dos Santos. A Endiama manteve a produção e a totalidade da força graças ao teletrabalho, revelou o presidente do conselho de administração da empresa, Ganga Júnior.
Pelo mundo, a plataforma Zoom cresceu, nas bolsas, mais de 600% em apenas três meses, de Março a Maio.
LÍDERES MUNDIAIS NÃO ESCAPARAM AO VÍRUS
Alguns líderes mundiais não escaparam de serem infectados pelo vírus da covid-19. O presidente dos EUA, Donald Trump, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, fazem parte da lista de líderes mundiais que não escaparam ao vírus da Covid-19. Este último esteve duas semanas afastado do governo para tratar a infecção do novo coronavírus, com complicações que o obrigaram a um internamento, por alguns dias, nos cuidados intensivos. Também o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, teria sido infectado. Pelo menos, foi a narrativa que passou para a comunicação social, mas nunca mostrou o teste.
Donald Trump e Jair Bolsonaro foram os líderes mundiais que mais desvalorizaram a gravidade do vírus. No entanto, os países que lideram são aqueles que mais têm sido fustigados pelo vírus. Bolsonaro chegou a comparar a covid-19 com uma “gripezinha”. Trump sugeriu injectar lixívia nas veias das pessoas já que a lixívia elimina o vírus das superfícies. Mas depois arrependeu-se e afirmou ser "uma mera brincadeira".
Os dois políticos de direita têm sido aconselhados e corrigidos em público muitas vezes pelas próprias autoridades de saúde, tanto locais, como internacionais. As polémicas obrigaram os dois presidentes a mexer nas estruturas governativas e Donald Trump anunciou a intenção de suspender os pagamentos à OMS.
Testaram também positivo o primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, o presidente francês, Emmanuel Macron, o chefe de governo do Canadá, Justin Trudeau, e o chefe de Estado do principado do Mónaco, Alberto II, Este foi o primeiro líder mundial a confirmar estar contaminado. Cumpriu uma rigorosa quarentena e superou a doença. Carlos, príncipe de Inglaterra, também não escapou ao vírus.
PRINCÍPIO DO FIM?
O Reino Unido fez história ao ser o primeiro país a dar início a uma campanha de vacinação contra a covid-19. A campanha começou a 8 de Dezembro e uma mulher de 90 anos, da Irlanda do Norte, foi a primeira a receber a vacina da Pfizer/BioNTech fora de um ensaio clínico. Margareth Keenan, citada pela BBC, declarou sentir-se “muito privilegiada” por ser a primeira pessoa a receber o medicamento no hospital universitário em Coventry.
Para as autoridades do Reino Unido, o 8 de Dezembro vai ser um dia histórico. O ministro da saúde, Matt Hancock, referiu-se à data como o Dia Dia V”, que é uma referência ao Dia da Vitória da II Guerra Mundial. Até ao Natal, deverão ser vacinadas mais de quatro milhões de pessoas.
O Reino Unido é o país europeu mais afectado pela crise pandémica com mais de 61 mil mortos e mais de 1,7 milhões infectados.
PAÍSES RICOS COMPRARAM 80% DAS VACINAS
Os países mais industrializados já compraram ou encomendaram mais de 80% das vacinas de combate ao coronavírus que vão estar disponíveis até ao próximo ano. Mas foram os que mais investiram na produção da vacina. Nunca a História registou gastos tão avultados na procura da cura para uma doença. Até finais de Novembro, foram investidos cerca de 2.800 mil milhões de dólares
O alerta foi lançado pela presidente do Conselho de Economia da Saúde para Todos da Organização Mundial da Saúde (OMS), num artigo de opinião publicado recentemente no VALOR ECONÓMICO. Mariana Mazzucato defende que, mesmo contra os interesses de alguns governos e de laboratórios, a vacina deve ser "distribuída de forma justa e disponibilizada gratuitamente a todos os que dela necessitem”. Uma tarefa, no entanto, que poderá ser difícil de concretizar, já que, alerta a economista, “os países de rendimento elevado já pré-encomendaram doses suficientes para distribuir várias vezes pelas suas populações, deixando o resto do mundo possivelmente numa situação de escassez que nem permitirá cobrir as comunidades em maior risco”. Apesar de todo este investimento público, Mariana Mazzucato dúvida que tenha sido feito com a transparência que os próprios valores exigem. Por isso, defende que a covid-19 é um “teste perfeito” para saber se vai haver “uma abordagem mais centrada na saúde pública”.
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