A Personalidade do Ano
ANÁLISE. Contrariamente às três primeiras edições, este ano a redacção do VALOR não escolheu para personalidade do ano uma pessoa, mas sim um facto: o IVA. Por tudo o que causou antes e depois da sua implementação, este imposto sucede a João Lourenço, que foi a escolha das duas últimas edições. Isabel dos Santos foi a eleita de 2016.
O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) tinha a entrada em vigor prevista para Janeiro de 2019, mas a decisão foi adiada para Junho e, a poucos dias da data, foi novamente adiada para 1 de Outubro. E assim à terceira foi de vez. Estabelecido em 14%, o IVA substitui o imposto de consumo que era taxado em 10%.
Nesta primeira fase, ficaram autorizadas a cobrar o imposto mais 1.600 empresas inscritas na Repartição Fiscal dos Grandes Contribuintes. E pelo menos 103 softwares de empresas nacionais e estrangeiras foram validados, além de autorizadas 15 topografias e gráficas para a impressão das facturas e documentos equivalentes.
Os primeiros dias provaram que as condições técnicas, humanas e até mesmo psicológicas não estavam criadas. Registam-se casos de contribuintes que cobraram simultaneamente o IVA e o imposto de consumo, assim como de gráficas que não conseguiam atender a procura.Há também registos de empresas que cobraram impostos a produtos isentos, como é o caso dos da cesta básica
A prática também contraria a tese que vinha sendo defendida pelo Governo, segundo a qual a entrada em vigor do imposto não provocaria subida dos preços. Nas explicações do Governo, as empresas não autorizadas a cobrar o imposto, por exemplo, não tinham razões para mexer nos preços. Mas esses operadores acabaram mesmo por actualizar o preço dos produtos, uma vez que, ao adquirirem as mercadorias, ficaram sujeitos a pagar o imposto e, como tal, tinham de recuperar este valor, mesmo sem assumirem que estavam a cobrar o IVA.
Por outro lado, nos casos em que a tese do Governo sobre a contenção dos preços fazia sentido em termos técnicos, a razão acabou contrariada por motivações psicológicas. Exemplo disso é que até operadores na informalidade, inseridos em actividades aparentemente distanciadas do tema dos impostos, como a prestação de micro-serviços, se sentiram no direito de aumentar os preços por causa do IVA.
O ‘IVAN’, como muitos passaram a denominar o imposto, tanto por ironia como por ignorância, passou assim a ser apresentado como o principal culpado da subida de tudo e mais alguma coisa. Desde as grandes superfícies comerciais ao engraxador de sapatos.
A reacção das autoridades foi imediata e, entre outras medidas, passou por colocar técnicos da Administração Geral Tributária (AGT) e de outras entidades de fiscalização, como o Inadec, a vasculharem os estabelecimentos comerciais, na tentativa de controlarem os preços. Mas logo se colocaram novos contrangimentos. As equipas de fiscalização revelaram debilidades e dentro da própria AGT surgiram dúvidas na interpretação do imposto. Por exemplo, determinadas padarias acabaram suspensas pela cobrança do IVA, porque supostamente o pão estaria isento enquanto produto da cesta básica. Posteriormente, a própria AGT apareceu a esclarecer que, afinal, o pão estava mesmo sujeito à cobrança e que a isenção se aplica somente à farinha de trigo. No entanto, estão habilitados a cobrar o IVA no pão apenas os estabelecimentos ou contribuintes que estejam inscritos no regime geral, como as grandes superfícies comerciais. “Estes estão autorizados a cobrar o IVA no pão, agora todos aqueles que não estão no regime geral não podem cobrar o IVA no pão, porque não estão autorizados a cobrar”, explicou Adilson Sequeira, director dos Serviços do IVA da AGT. Vários observadores econtraram nessa explicação a falta de realismo com que se abordou a efectivação do imposto, visto que, apesar de proibidas de cobrar o IVA, estas padarias não autorizadas têm a necessidade de aumentar o preço para cobrir o custo da farinha de trigo, que não está isenta.
PREÇOS DISPARAM 22%
O efeito psicológico do IVA nos preços esconde, na verdade, a razão principal do aumento do custo dos produtos e serviços: a depreciação da moeda. A derrapagem do kwanza foi, de resto, dos principais argumentos dos analistas que defenderam a escolha de outra data para a implementação do imposto, ao mesmo tempo que sugeriam uma taxa inferior (entre os sete e 10%). Na opinião destes, a combinação entre a depreciação da moeda e a entrada em vigor do IVA causaria impacto negativo na capacidade de compra das famílias.
Empresários e associações empresariais, como a AIA, apontaram precisamente o próximo ano como o mais indicado para a efectivação do imposto, por considerarem que ainda havia muito trabalho por fazer. O Governo justificou, no entanto, a entrada em vigor este ano com as metas orçamentais. No Orçamento Geral do Estado de 2019, revisto em Junho, as estimativas das receitas do IVA estavam fixadas nos 249,3 mil milhões de kwanzas.
Sobre os receios generalizados do aumento de preços, a prática acabou por dar razão aos cépticos e o Ministério das Finanças (Minfin) acabou por confirmá-lo.
Em declarações ao VALOR, o ministério liderado pela economista Vera Daves reconheceu que a “cobrança indevida” do IVA terá influenciado em cerca 22,34% o aumento dos preços. Segundo o Minfin, determinadas empresas alargaram os preços “com o pretexto da obrigação da liquidação do IVA”.
Mas, além da cobrança indevida do IVA, o ministério aponta a desvalorização, a especulação e a redução da oferta de bens, causada pelo aumento dos custos de produção, importação, distribuição e comercialização,assim como as dificuldades de escoamento dos produtos de origem nacional. Como precisou o Minfin, “a investigação dos factores que influenciaram a variação dos preços evidenciou que 22,34% da variação total não é explicada pelos factores (como escassez de produtos ou divisas), mas da especulação resultante da aplicação indevida do IVA e ao mero açambarcamento e restrição à concorrência por parte de alguns agentes comerciais, sendo que 22,66% é explicado pelo efeito dos factores estruturais, maioritariamente o excesso de liquidez”.
O FUTURO...
Tudo indica que o futuro reserva ainda muita discussão à volta do imposto, depois de a fase de pré-implementação ter ficado marcada por trocas de palavras entre a classe empresarial e os técnicos da AGT. A empresária Filomena Oliveira ficou particularmente destacada, ao merecer uma reacção indirecta do Presidente da República, com João Lourenço a recorrer à frase “não gostei”, aludindo o facto de a empresária ter acusado a AGT de “surdez”.
A nova controvérsia está instalada à volta dos prazos de reembolso, resumida nas palavras do PCA da Sistec, numa entrevista recente ao VALOR. “O que se passa é que o contribuinte é obrigado a deduzir o excesso nos períodos seguintes, sem direito de reembolso e só ao final de três meses desta situação e com valor superior a 3409 ucf é que o contribuinte pode pedir o reembolso. Ainda assim, o reembolso irá acorrer no final do terceiro mês. Portanto, temos mais 90 dias em cima dos noventa dias que se aguarda. Isto acaba por se traduzir em 180 dias. É uma situação muito preocupante para as empresas que se encontram no regime geral pois vai provocar seguramente graves problemas de tesouraria”, explicou, António Candeias, defendendo o encurtamento do prazo para entre 30 e 40 dias, sob pena do encerramento de várias empresas, sobretudo “as que já estão numa situação relativamente frágil de liquidez de tesouraria”.
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