A profecia das relações estratégicas
DIPLOMACIA. Generalidade das opiniões aponta para um desempenho positivo do novo Presidente da República na sua primeira mensagem à Nação, mas indicaram um aspecto em que o mesmo terá falhado.
Um discurso cheio de tudo, é o denominador comum das apreciações que ainda se fazem da primeira mensagem à Nação do novo Presidente da República. Com base nesses pronunciamentos, João Lourenço terá passado no seu primeiro teste nas vestes de novo líder do país, perante os angolanos.
Se, por um lado, a balança pende claramente a seu favor, entretanto uma referência no mesmo discurso constitui o que vários observadores não hesitaram em considerar a grande mancha naquele início de tarde sem sol. A referência aos países com os quais o sucessor de José Eduardo dos Santos pensa em manter relações estratégicas teria condicionado a excelência do seu desempenho.
“Angola dará primazia a importantes parceiros, tais como os Estados Unidos da América, a República Popular da China, a Federação Russa, a República Federativa do Brasil, a Índia, o Japão, a Alemanha, a Espanha, a França, a Itália, o Reino Unido, a Coreia do Sul e outros parceiros não menos importantes, desde que respeitem a nossa soberania”, ressaltou João Lourenço, numa altura em que os níveis de aprovação estavam em alta e previa-se um fim em grande.
O inusitado residirá num par de aspectos que a opinião pública considera relevantes no domínio das relações e cooperação entre Estados. O primeiro terá decorrido de uma aparente deselegância, dado que, na Praça da República, estavam presentes chefes de Estados estrangeiros que acederam, de pronto, ao convite do PR cessante para testemunharem a investidura. Não apenas os seus países não foram citados, como nenhum dos citados estava representado ao mais alto nível.
Para já, sabe-se que a diplomacia angolana teve de se desdobrar em múltiplos contactos para assegurar uma representação que se considerasse condigna, dado que Angola não figura propriamente no conjunto de países que os outros estadistas priorizariam neste momento. Por outro lado, a repercussão internacional dos protestos da Oposição aos resultados das eleições levou o poder a esmerar-se na presença estrangeira, com a qual desejava reforçar a credibilidade do processo. Crê-se, também, que o interesse económico reduzido nesses tempos de crise remete o país para o plano secundário dos destinos internacionais dos líderes das outras nações.
O destaque nesse particular recai sobre Jacob Zuma, presidente da segunda maior economia de África e maior potência económica e política da região em que Angola se insere.Nos últimos anos, foi o estadista mais chegado ao antecessor de João Lourenço, sendo que a sua ascensão a líder sul-africano quebrou a frieza e algum cinismo que caracterizavam as relações bilaterais na era de Nelson Mandela e o seu sucessor, Thabo Mbeki. Angola foi o primeiro país que Jacob Zuma visitou tão logo tomou posse, e é, na verdade, o país estrangeiro em que o político mais vezes esteve. Nenhum outro estadista veio cá em duas ocasiões numa semana em visita oficial que não fosse para escala técnica.
Politicamente, as relações eram, ou são, saudáveis.Especialistas estimam que a lacuna entre Angola e a África do Sul reside no plano económico, por conta da crise económica e financeira por que passa Angola. Em Abril deste ano, o encarregado comercial da embaixada sul-africana em Luanda estimou que as trocas comerciais com a África do Sul haviam caído em 2,4 mil milhões de dólares em 2016, uma redução de 75%.
Em declarações à RNA, Matomé Mbata sublinhou a necessidade de incremento das trocas comerciais entre os dois países, tendo em conta a sua proximidade, tecnologia e os recursos naturais. “Queremos promover e reforçar os negócios entre os dois países por três razões: a primeira, porque estamos próximos, são três horas de voo; segundo, porque temos a tecnologia, e terceiro, porque Angola tem petróleo e a África do Sul não tem, nesta perspectiva poderemos estabelecer fortes parcerias”, referiu o diplomata.
A dúvida reside se, nas actuais condições, a África do Sul merece ser incluída no conjunto de “outros parceiros não menos importantes”.
Historicamente, as relações com a República Democrática do Congo oscilam entre boas e menos boas, mas Joseph Kabila veio. Esperava-se uma referência ao país, quanto mais não seja porque as relações entre ambos é importante para impedir o alastramento para o Angola dos vários conflitos cíclicos que tem conhecido.
Outra nota sonante vai para a Côte D´Ivoire, cujo chefe de Estado também voou para Luanda com o fito de presenciar a passagem de testemunho na chefia do Estado angolano. Alassane Ouattara tinha razões políticas suficientes para declinar o convite, uma vez que Dos Santos opôs-se abertamente à sua primeira vitória para as presidenciais naquele país. Numa recepção a diplomatas estrangeiros na Cidade Alta, em Janeiro de 2011, José Eduardo dos Santos declarou que o derrotado Laurent Gbabo era o “Presidente constitucional” daquele país, colidindo com a posição defendida pelo Ocidente, em particular a França.
Fontes do MIREX indicaram que, entre os convidados africanos, Ouattara era o que menos se esperava que acedesse ao convite. Não sendo a Côte D´Ivoire um parceiro que se possa considerar estratégico, aconselhava-se, entretanto, alguma elegância e consideração políticas.
E tem Portugal, país com o qual Angola parece estar condenada a manter uma relação de amor e ódio permanente. Na manhã da investidura, o governo português confirmou a recepção de uma “carta rogatória” de Angola na qual o país voltava a bravejar por alegada violação da sua soberania. Em causa estava o anúncio, por um tribunal de Lisboa, de que o então vice-Presidente angolano, Manuel Domingos Vicente, irá a julgamento em Janeiro do próximo ano, na sequência das acusações de prática de corrupção activa.
Único estadista europeu na cerimónia, pela segunda vez Marcelo Rebelo de Sousa foi o centro de milhares de olhares naquele dia, quando João Lourenço terminou a sua “lista dos favoritos” sem que o seu país fosse incluído, depois de haver sido vivamente ovacionado na apresentação dos convidados estrangeiros de alto nível. Crê-se mesmo que a referência “desde que respeitem a soberania angolana” no discurso de João Lourenço se destinava a Portugal, em particular.
Este desenvolvimento foi anterior à proclamação por José Eduardo, em Outubro de 2013, do fim da parceria estratégica entre os dois países. Na altura, as autoridades lusas já andavam à ‘caça’ de Vicente.
O atenuante naquele momento de incredulidade residiu na projecção que o novo líder angolano antes fez sobre a cooperação internacional do seu Executivo. Lourenço prometeu conduzir uma política de aproximação aos países da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), “com vista à troca de informações no domínio da segurança, para a prevenção e combate ao terrorismo”. Sobre os Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP), assegurou que a relação de Angola com os mesmos estará “sempre presente”.
Tradicionalmente, equipas multi-sectoriais contribuem na elaboração e redacção dos discursos de estadistas. Não se sabe ao certo como foi o processo do primeiro pronunciamento do Presidente João Lourenço.
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