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A propaganda não engana

23 Feb. 2022 V E Editorial

Não é a primeira, muito menos a segunda e não será a última ocasião que se fazem críticas abertas ao mau ambiente de negócios, com o foco na falta de segurança e na escassa transparência do mercado. Desta vez, as críticas, em formato de recomendações, surgem do embaixador da Bélgica em Angola. Sem os habituais rodeios da linguagem diplomática, Joseph Smets especifica a importância da segurança na atracção dos investidores estrangeiros e faz questão de relevar a necessidade de um “clima aberto” que incentive os empresários. Mais ao detalhe, aconselha que se deixe o sector privado trabalhar.

A propaganda não engana

Ainda que o discurso oficial se sinta empurrado a contestar observações como as do embaixador Smets, a realidade não dá margens para tanto. À questão de segurança, por exemplo, ainda em meados de Novembro, o Valor Económico dedicou-lhe um editorial inteiro. A propósito da história inédita do estupro de um investidor estrangeiro numa esquadra policial de Luanda, lembrávamos que um país que quer atrair investidores estrangeiros não se podia dar ao luxo de negligenciar a segurança. Mais preocupante ainda quando a própria Polícia é incluída, pelos investidores e não só, entre os principais factores de instabilidade e de insegurança. Ou, nas palavras de um dos principais empresários chineses em Angola, “quando o polícia se torna numa ameaça maior que o marginal”. Percebe-se, entretanto, que as preocupações do embaixador Smets são mais genéricas. Salvo qualquer distracção patológica, qualquer um que viva em Luanda vê, a olho nu, que os níveis e o tipo de criminalidade que tomaram conta da capital deveriam ser, no mínimo, preocupantes. A qualquer hora do dia e em qualquer lugar, qualquer um está sujeito a ser assaltado. E o sentimento de insegurança, com certeza, vai-se deteriorando. Não é por acaso, aliás, que, no caso particular de cidadãos estrangeiros, volta e meia, são aconselhados pelos organismos e empresas em que trabalham a evitar circular em determinadas horas e em certos lugares. É uma espécie de um alerta laranja permanente. Com o agravante de que das autoridades não se conhecem planos para respostas à altura.

O mesmo diz-se em relação ao problema da abertura e da transparência do mercado. Apesar da melhoria do quadro legal do investimento privado, particularmente o estrangeiro, com a remoção de algumas barreiras formais, o país mantém problemas graves de falta de abertura e de escassa transparência. A questão dos concursos públicos é paradigmática. Nos últimos anos, o Governo investiu, de forma desmesurada, na contratação simplificada. E, quando decidiu fazer concursos, pelo menos os mais importantes, fez quase tudo à medida para que os candidatos preferenciais ganhassem. Ou seja, fez concursos públicos de faz de conta. Basta verificar-se toda a contestação em torno da alienação da gestão dos terminais portuários. Ou os desvios e polémicas que suscitaram tantos outros, como o concurso das 500 viaturas do Ministério da Indústria e Comércio, o da gestão da Reserva Estratégica Alimentar e o leilão do BCI, só para citar estes. Enfim, no fundo, mensagens como a do embaixador belga querem dizer isso mesmo: que os investidores não se deixam enganar propriamente com a propaganda da transparência.