ANGOLA GROWING
CLAUDIO MISCIA, EMBAIXADXOR ITALIANO EM ANGOLA

“A rota Luanda/Roma tem um grande potencial para a TAAG”

O diplomata aponta o desenvolvimento sustentável do turismo angolano como fundamental para a atracção do empresariado italiano e cita a existência de voos directos entre Luanda e Roma como um dos principais obstáculos para o incremento do investimento italiano no país.

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Que significado tem a visita do chefe de governo italiano, Paolo Gentiloni, para as relações entre Angola e Itália?

Fizemos questão de ser o primeiro país do hemisfério norte a ter o seu chefe de governo a visitar Angola, depois das eleições. Antes, tinha havido a pequena cimeira sobre o Zimbábue que contou com a presença dos presidentes da Zâmbia e África do Sul. Há-de lembrar que a Itália foi o primeiro país ocidental a reconhecer a independência de Angola, em 1976. Angola estava num outro bloco e não era tão fácil para os países ocidentais. A presença do nosso primeiro-ministro, como o primeiro chefe de governo europeu a visitar Angola, significa estreitar e confirmar os laços históricos de amizade. Esse é o grande significado do momento em que a visita foi realizada. Em termos de perspectivas tem muito mais. Ajudar Angola a diversificar a economia naquilo que somos mais capazes de fazer, que é agricultura, produção alimentar, produção de maquinarias, organização das empresas e turismo.

O primeiro-ministro também recebeu o Presidente João Lourenço quando apenas era candidato às eleições. Não é muito comum. Certo?

Foi recebido, enquanto portador de uma mensagem do então presidente da República, José Eduardo dos Santos. Mas também assim, não é muito comum, foi feita uma excepção dada a estatura e o significado daquele ministro, na altura. É verdade que serviu para começar a estreitar alguns laços de amizade que depois concretizaram-se com a recente visita.

Não consideraram a possibilidade de comprometerem as relações caso o vencedor das eleições não viesse a ser o MPLA?

Não porque, como disse, ele foi recebido como portador de uma mensagem do chefe do Executivo angolano. Se um outro candidato vencesse, teríamos as mesmas relações de amizade que são entre a Itália e Angola independentemente de quem seja o presidente de Angola e qual seja o chefe do governo italiano. Esses laços não são limitados ao que veio a acontecer depois da independência de Angola em 1975, são muito mais profundo.

E têm o reflexo desejado nas relações económicas?

A relação económica entre os dois países tem uma realidade que está a recuperar porque, com a crise, tivemos um momento de flexão, mas existe uma grandíssima potencialidade. Há vários aspectos que podem ser examinados. O primeiro é a ENI que é a maior empresa italiana que opera em Angola. É uma das pouquíssimas empresas petrolíferas que estão a incrementar os seus investimentos em Angola. É muito importante porque os poços de petróleo, uma vez exauridos, acaba a renda para o país que os detém e há necessidade de se encontrarem novos. A ENI é a realidade mais importante que temos nas relações, mas há outras que se referem à diversificação da economia. A segunda maior empresa italiana, em volume de negócios, é a INALCA, uma empresa de alimentação que está a construir um grande ‘hub’, um centro de agro-pecuária, no centro de Angola, vai servir não só o país, mas também os países vizinhos. Será muito importante para o desenvolvimento da produção e exportação de alimentos.

Quantas empresas italianas operam no país?

Nem todas passam pela embaixada, mas estarão entre 40 e 80 nos vários âmbitos da nossa capacidade industrial, agrícola, pecuária e pesca. Algumas têm enfrentado problemas para recuperar os créditos ou divisas para a reexportação ou para a importação de elementos que são essenciais para as suas actividades. Também há um comércio que recuperou muitíssimo desde 2016. Nos primeiros sete meses de 2017, os números já tinham ultrapassado os níveis de todo 2016, fora a parte do petróleo que é sempre muito importante e muito grande. Na fotografia actual das relações económicas, temos em perspectiva uma potencialidade. Reside no facto de as nossas economias serem complementares. A Itália tem uma grande capacidade de produção e transformação de produtos agrícolas, exporta comida. Mas poucos sabem que uma parte é exportada depois de ser importada e elaborada na Itália. Isso dá a possibilidade de Angola, que tem muitas terras férteis e por lavrar, ser um lugar de produção de muitos produtos agrícola que não são produzidos na Itália.

Quais são estes produtos?

Temos o maior crescimento de consumo de frutas tropicais, mas não produzimos ananás, banana, cacau e nem café. A Itália tem a maquinaria necessária para este tipo de produção. Há ainda o exemplo da pesca. Temos uma capacidade pesqueira que vai além da possibilidade de exploração das águas do mediterrâneo que já foram muito exploradas. Uma parte da frota italiana poderia vir pescar em Angola. A Itália tem peixes que são pouco apreciados pelos italianos, mas muito pelos angolanos. É o caso do carapau. E Angola tem peixes que são uma fineza na Itália e são normais em Angola. É o caso do espada ou do camarão vermelho. Na Itália, o camarão vermelho é sinónimo do máximo que se pode encontrar. As pedras são outro exemplo, Angola tem mármores que são maravilhosos e a Itália é o mais famoso país pela produção de mármore e não apenas porque tem o mármore de Carrara, mas também porque produz as maquinarias que são consideradas as melhores do mundo para cortar, produzir e limpar este mármore. Há muitíssimos destes exemplos, poderia continuar a falar. O turismo, seria uma vantagem para Angola porque a Itália o que mais produz são turistas.

E há empresários italianos com interesse nestes sectores?

Temos empresários italianos que querem investir, mas há alguns problemas. Existem alguns obstáculos que deveriam ser removidos para incrementar a possibilidade dos empresários italianos investirem em Angola. É o que eu chamo dos três “vês”. O primeiro é o visto, aceder a Angola é muito problemático por causa do visto. Há que ter em atenção que a estrutura do sector empresarial italiano é feita de muito poucas grandes empresas (vocês conhecem a ENI e também a Fiat) e muitas pequenas e médias. O dono de uma empresa pequena é uma pessoa que trabalha na mesma empresa, às vezes, é o director. Essa pessoa não vai fazer uma viagem para ver que possibilidades de negócios há em Angola se precisar de dois dias para obter o visto. No seu comício, o Presidente Lourenço falou da necessidade de simplificar o sistema dos vistos e está a fazer. Em 60 dias de presidência, foram tirados os vistos de turismo e de negócio com Moçambique e África do Sul. Temos uma perspectiva de eliminação de um dos obstáculos que é muito pesado, especialmente para a indústria italiana que é dominada pelas pequenas e médias empresas.

Quais são os outros “vês”?

O segundo são os voos. Não há uma ligação directa entre Angola e Itália. Seria fantástico se um dos aviões Boeing 777 da TAAG fosse utilizado para um voo Luanda/Roma directo que depois poderia seguir para outras capitais como Estocolmo ou Moscovo, entre outros lugares onde há interesse por Angola. Para ir à Itália tem de se fazer desvios muito grandes, passando por Lisboa ou Dubai. O mais directo é Ethiopia, mas demora quase um dia. O terceiro ‘vê’ é o mais problemático. É o valor da divisa. As empresas italianas, como todas as empresas, têm tido dificuldades em adquirir euro e, as vezes, de receber os pagamentos pelos serviços prestados. Essas dificuldades, em alguns casos, paralisaram empresas italianas e, em poucos casos, mas significativos, obrigaram empresas a abandonar Angola. Esse problema, sem dúvida, impede que novas empresas venham com confiança. Foi um dos assuntos que foi tratado entre os dois chefes de governos e foi recebido com muita compreensão e disposição em resolver, em tempos razoáveis, pelo Presidente da República e também pelo ministro das Finanças que esteve nos encontros.

Nunca esteve sobre a mesa a possibilidade de negociar a supressão dos vistos ou outros mecanismos?

A Itália não tem capacidade para assinar protocolos de supressão por estar integrada no sistema de vistos Schengen. O problema não é tanto a supressão, mas a maneira como são dados os vistos. Seria a melhor solução, mas outra possível seria a de dar o visto na fronteira, pagando o preço equivalente ao que pedimos para quem vai à Itália. Manteria o equilíbrio entre os dois estados. Ou um sistema, como está a ser estudado, de se obter o visto à distância e em poucas horas. Também seria necessário que Angola tivesse um visto turístico que permitisse às pessoas virem quando quisessem porque é isso que traz os turistas. A solução passa por examinar quais as dificuldades e eliminá-las. A Itália não dá muitos vistos para angolanos, mas damos, praticamente, a todas as solicitações, há uma taxa muito baixa de recusa e uma quase inexistente de angolanos que entram na Itália sem visto ou clandestinamente. Entre toda esta onda de emigração que chegou à Itália, nos últimos anos, foram centenas de milhares de pessoas, só havia dois que se declararam angolanos, mas se declarar não quer dizer que fossem.

Falou da necessidade de se equilibrarem os preços dos vistos. Existe muita diferença?

O preço do visto da Itália é o equivalente a 100 euros, é pagos ao cambio oficial e o preço do visto angolano custa 250 euros, mas o problema não é tanto o preço, mas sim o tempo que precisam para obter o visto.

Nunca houve negociação no sector da aviação?

Nós temos uma companhia que é particular e faz os seus programas. Vejo mais possibilidades de ser a TAAG a voar para Roma. A companhia da Itália estava disposta a assinar os acordos de aquisição de lugares, segundo os acordos que as companhias bem sabem fazer. Vejo que existe uma potencialidade e, sobretudo, uma capacidade de voo da TAAG que ainda não está explorada.

Além dos três “vês” existem outras situações que preocupam as empresas italianas no país?

Os ‘vês’ são os obstáculos para os novos empresários. Nós conseguimos trazer alguns empresários para participar em reuniões e ficam abismados pelas potencialidades do país e, quase todos, ficam no país mais tempo do que os programados. Este é um sinal. O que quero fazer entender é como funciona uma pequena e média empresa que é o tecido da produção italiana. É o dono que faz uma viagem turística, vai ver um jogo de futebol ou vai de férias e analisa as oportunidades. Se nós tivéssemos empresários tirando uma semana de férias no Mussulo ou no Namibe, eles iriam ver e reconhecer as possibilidades de negócios e voltariam. Assim funcionam as empresas italianas, é preciso que eles venham para ver o que há de bom. Angola tem de desenvolver um turismo sustentável, que faça apreciar as suas belezas como as Cataratas de Kalandula, Fenda de Tunda-Vala ou o Deserto do Namibe. São coisas únicas que os italianos adorariam, assim como as praias, as belezas culturais como Mbanza Congo. Isso com a facilidade de viagem, começaríamos a ter as pessoas a virem, reconhecer as possibilidades e a formar emas parcerias precisas para desenvolver a diversificação da economia angolana.

A edição de 2015 da FILDA contou com uma participação numerosa de empresários italianos. Teve ‘feedback’ destes empresários?

Sim. Depois de 2014, foi aberto o escritório do Instituto do Comércio Exterior da Itália na embaixada. É assim que temos um grupo de pessoas que estão a lidar exclusivamente com o crescimento do comércio. Passámos a italianos a participar na FILDA e angolanos a irem para as várias feiras na Itália. Isso já se percebe nos números, há um crescimento no comércio directo entre os dois países. Os produtos italianos eram importados através de países que já tinham maiores relações com Angola. O que estamos a fazer, além do crescimento das vendas, é baixar o custo o que é melhor para o empresário italiano e para o consumidor angolano. Isso também criou algumas parcerias que estão a ser desenvolvidas. Vou dar um exemplo. Veio cá um empresário para uma destas reuniões que organizamos e, num dia livre, foi visitar um empreendimento agrícola. Encontrou tractores e máquinas de transformação agrícola de sua produção, mas tinham sido vendidos por outra empresa, aumentando o preço e não eram as maquinas apropriadas para aquele trabalho. Nasceu logo um acordo.

Em quanto estão avaliadas as trocas comerciais entre os dois países?

Nos primeiros meses de 2017, estava em 700 milhões de euros com uma potencialidade de mil milhões de euros até final do ano. Está a crescer, comparativamente a 2016. Ainda não chegou aos níveis precedentes a 2014, o máximo foi em 2011, mas o intercâmbio comercial não dá exactamente os níveis das relações. Primeiro porque o principal produto é o petróleo que tem um preço variável, pode-se importar a mesma quantidade mas ter o preço diminuído pela metade. Segundo, nem todos os produtos italianos chegam directamente da Itália. E, terceiro, a Itália faz parte da União Europeu que é uma unidade aduaneira e, às vezes, os italianos exportam de portos que não são italianos e a importação parecerem, por exemplo, holandesa. Acho que devemos olhar para os dados, mas não nos fazer enganar por eles.

Qual é o nível de solicitação de vistos para a Itália?

Baixou para cerca de dois mil vistos por ano. Até 2014, tínhamos, mais ou menos, o dobro. É preciso ter em conta determinadas situações, porque a leitura das estatísticas pode sempre ser feita de uma maneira ou de outra. Nós incrementàmos a duração dos vistos para os homens de negócios, por exemplo, o que significa que há menos pedidos de vistos. Por outro lado, muitos dos que vão à Itália já têm vistos de outros países, quem dá mais visto da Europa é Portugal. Se a alguém vai a Roma, que não tem voo directo, é provável que faça uma etapa em Lisboa, então vai ter de pedir o visto à embaixada de Portugal. Portanto, não conseguimos saber, com exactidão, quantas pessoas viajam para Itália. Podemos tentar imaginar quantas viajariam. Temos indicações de que muitas pessoas gostariam de ir por motivos turísticos, de negócio e também de estudo e religiosos.

É possível estimar o nível de investimento feito por empresas italianas, sobretudo as grandes no país?

Não consigo avançar os números, posso dar-lhe uma indicação para as empresas menores. Estamos a falar de centenas de milhões de euros. Da ENI não sei porque escapa totalmente a minha capacidade de cálculo. Mas sei que vai rumo à produção de 200 mil barris por dia, nesta altura está em cerca de 150 mil, o que representa um investimento considerável.

A ENI é o provável parceiro da Sonangol para a construção da segunda refinaria do país?

No acordo que foi assinado, está escrito que a ENI participará no aumento da produtividade da refinaria de Luanda o que é importante, porque a construção de uma nova refinaria é muito mais cara do que aumentar a produtividade de uma que já existe. Também, Luanda é o principal pólo de consumo dos carburantes do país, ter a refinaria em Luanda também reduz o custo com o transporte. Sobre a refinaria que será construída, sei que a Sonangol está a estudar os possíveis parceiros, não sei se será a ENI, mas, claramente, que tem toda a capacidade de fazer.

Há algum interesse de empresas do sector financeiro para o mercado angolano?

Sei que que há bancos particulares italianos que estão concedendo créditos a operações de investimentos feitos em Angola, não quero citar nomes porque não temos uma indicação directa destes bancos. Depois, há a empresa estatal italiana que fez algumas operações de protecção de vendas do nosso país Angola. Há ainda um banco que está a trabalhar com os angolanos, mas não tenho conhecimento de outros interesses neste sector.

Qual é o valor da dívida para com as empresas italianas, é um valor considerável?

É um volume grande para as próprias empresas porque são médias e pequenas, mas não é um volume grande para o Estado. Estamos a falar de um total de mais de 90 milhões de euros e, as vezes, não são muito difíceis de resolver, porque a empresa angolana, por vezes, tem o dinheiro, pode pagar, mas não pode adquirir as divisas.

Como avalia os primeiros meses de presidência do Presidente João Lourenço?

Está claro que, mesmo os mais optimistas dos observados entre os quais eu me coloco, estão maravilhados pela velocidade das mudanças, pela implementação das reformas e não há-de esconder que a visita do nosso Presidente do Conselho de Ministros também serviu como um apoio a nível internacional às reformas que o novo executivo está a fazer. Normalmente, começa a falar-se das medidas depois dos primeiros cem dias, mas, depois de dois meses, já estamos a falar com grande admiração e eu quero juntar-me a esta onda de admiração. Porém, mantendo a esperança de que isso siga e que se aprofunde no sector económico que é o mais difícil. A Itália está prestes a fazer a sua parte. Queremos ajudar a passar este período de crise económica de Angola no que sabemos fazer, respondendo ao apelo que foi feito pelo próprio Presidente João Lourenço por ocasião da visita. Disse que as empresas italianas têm de vir para Angola fazer o que elas sabem fazer de melhor e é isso que queremos fazer.

PERFIL

Na diplomacia há 25 anos Nascido a 18 de Maio de 1966, Claudio Miscila está em Angola desde Junho de 2016. Este ano completou 25 anos desde que se estreou como diplomata, em Zurique onde desempenhou a função de vice-cônsul. Licenciado em ciências políticas pela Universidade de Roma foi ainda cônsul-geral em Rosário, Argentina e conselheiro na representação permanente junto da ONU em Roma, bem como vice representante, permanente da Itália junto da FAO, função que desempenhou antes de ser indicado para Angola.