A SÍNDROME DO HOMEM VITALÍCIO
A forma como terminaram os 38 anos de governação de José Eduardo dos Santos, em condições normais, deveria servir de aprendizagem para qualquer humano sensato. A lição de fundo é tão simples quanto esta. Nos regimes autocráticos, a construção do homem forte não passa de uma ilusão incitada pela síndrome do poder vitalício. E quem padece dos sintomas do poder eterno, via de regra, alimenta-se de outra paranóia não menos perigosa. Vê-se como uma espécie distinta dos seus pares terráqueos, porque se sente infectado pelo vírus do homem vitalício. Embriagados pelos aplausos indefectíveis e oportunísticos da camarilha, os autocratas chegam ao ponto de se esquecer que não são nem uma coisa nem outra. Nem extraterrestres vitalícios nem eternamente poderosos, salvo quando morrem na cadeira. Mas a segunda afirmação também, muitas vezes, se revela falaciosa. Não faltam registos de autocratas que morreram no poder, mas cujo legado acabou varrido e depositado num caixote de lixo em 24 horas.
Historiador de formação como se sabe, João Lourenço faz tudo menos aplicar as aprendizagens históricas que adquiriu na escola e na vida. Uma verdadeira ode ao caos, a sua governação é uma metáfora pura à jornada do homem infectado pela síndrome do humano vitalício e do poder eterno. É um homem despreocupado, como se os comandos do futuro estivessem sob seu livre arbítrio e pleno controlo. Só assim se compreende o desprezo indisfarçável que tem pelos angolanos. Só desta forma se percebe o desinteresse genuíno em promover transformações que limpem a atmosfera pesada e poluída em que os angolanos respiram. Só assim para ignorar todas as vozes que lhe dizem o contrário do que vê e do que pensa.
Raul Araújo, Luzia Sebastião e Carlos Magalhães são três juízes jubilados do Tribunal Constitucional. Sérgio Raimundo é dos advogados e penalistas mais respeitados do país, conhecido pela sua intransigente honestidade intelectual. Os quatro dizem a mesma coisa ao Presidente. A justiça está na lama, está falida. Os Tribunais Superiores não dão o exemplo. Ou melhor, dão-no no sentido da destruição total da justiça, logo do Estado que se pretende democrático de direito. Tão demonstrativo disto, está hoje instalada uma luta, em terreno plano, entre o Tribunal Constitucional e o Tribunal Supremo. O Supremo desvaloriza decisões do Constitucional, a instância de último recurso. Ridiculariza-o, coloca em causa a sua serventia e o Constitucional aparentemente não tem mecanismos de defesa. A sociedade reage que as ordens para a desordem partem do Presidente. Todavia, o Presidente não reage. Não dá respostas. Não ouve. Pelo contrário, vê em todos que lhe apontam os erros, como o próprio lhes chamou, a “resistência organizada”.
Entretanto, a história é também uma sádica construção de ironias. Talvez não esteja tão longe assim o dia em que o Presidente descobrirá que a “resistência organizada” sempre foi, na verdade, a sua principal aliada. Nessa hora, o Presidente não terá poder para resistir às provas de que se entreteve por década a destruir grupos empresariais para substituí-los por outros da sua conveniência. Não poderá refutar as provas públicas de que, na sua Era, empresários que dormiram como donos de cantinas, acordaram com verdadeiros conglomerados empresariais, com operações em sectores incontáveis da economia. Não poderá negar que aprofundou as desigualdades, que atrasou ainda mais o processo de democratização e que arrasou as liberdades. Não terá como contestar que destruiu por inteiro os sonhos de, pelo menos, duas gerações completas. Mais especificamente da que se encontrava na casa dos 20 anos e dos que perfilavam na faixa dos 30 anos, quando chegou ao poder. Porque os dos 20 anos atravessaram uma década pelo deserto e chegaram aos 30 desempregados. Logo, cada vez, com menos possibilidades de serem empregados. Porque os dos 30 anos percorreram uma década desempregados e, chegados aos 40, tornaram-se velhos de mais para merecerem uma primeira oportunidade. O Presidente não terá
argumentos para contrariar as acusações de que causou um exêdo monumental e fez mais por si e pelos seus próximos do que fez por Angola. Como dissemos lá atrás, por ironia, a “resistência organizada” ainda pode vir a revelar-se que sempre foi o seu principal aliado. Daltónica e gravemente afectada pela anosmia (a perda do olfacto), a camarilha que suporta João Lourenço não sente senão o cheiro do dinheiro. E o dinheiro muda de lado tão depressa quanto se desmorona o homem vitalício que cai em desgraça. É assim nas autocracias. Não há escapatória.
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