“A sociedade não se deve preocupar com o músico apenas quando morre”
MÚSICA. Uma das grandes referências da música angolana, Dom Caetano prevê lançar, em breve, duas obras discográficas em simultâneo. Com perto de 45 anos de carreira, faz uma avaliação positiva da presença dos jovens na música angolana, mas apela ao maior reconhecimento dos artistas quando estes ainda estão em vida.
Como está a preparação do álbum?
A obra ‘Esperança Divina’ está toda terminada sob a chancela da produtora Arca Velha. É importante andar de mãos dadas com os jovens. As classes devem estar compactas. É preciso ouvir e observar, tanto do vem dos mais velhos como um dos mais novos.
Há um motivo especial para lançar dois álbuns?
Seriam três (risos)! Um deles é uma homenagem aos 35 anos de carreira de um dueto que se chamou ‘Dom Caetano e Zeca Sá’. Zeca Sá encerra a sua carreira artística e dedica-se ao empresariado e o disco ‘Homenagem 35 anos Dom Caetano e Zeca Sá’ conta com canções produzidas ao longo desses anos.
É para ficar na história?
Penso que sim! É uma proeza que merece sempre alguma reflexão em termos de valorização. Não cantamos desde 1996 por vários motivos. Não foi uma dissolução, mas uma separação, porque ele vai para Portugal formar-se e eu ingresso para a música ligeira com mais consistência. Passei a pertencer aos ‘Jovens do Prenda’, ‘1.º de Maio’ e, mais tarde, à ‘Banda Movimento’ e comecei a fazer uma carreira mais a solo.
Há também concertos?
Claro que sim! Vamos estar na Casa 70, Muxima Ngola, Kilamba, entre outros sítios. Tudo ainda para este ano.
Conta-nos sobre a homenagem a Beto de Almeida?
Tive o cuidado de produzir duas músicas e quis as participações de Yuri da Cunha e Moniz de Almeida, mas não foi possível, por indisponibilidade do Yuri. Já o Moniz, depois de ouvir os estratos da música ‘Vizinho’, ficou emocionado e preferiu não participar. Quis muito que fosse ele a cantar comigo. Este álbum foi gravado em menos de 90 dias. Foi um record.
O que acha dos jovens que cantam em língua nacional?
Olho para aquilo que a crítica faz com Eddy Tussa e deixa-me estupefacto. Ele faz muito bem, mas deve ser chamado a fazer melhor. É um grande esforço encontrarmos um jovem a cantar quimbundo como ele faz. Imagine que tivéssemos 10 Eddy Tussa a cantar quimbundo? A música angolana da linhagem quimbundo estaria mais enriquecida. Temos de dar vida à comunicação oral.
O que acha das homenagens feita aos músicos falecidos?
Uma homenagem é um reconhecimento que deve ser merecido. Naturalmente que, na história da música angolana, há muitos músicos que merecem esta homenagem. Também, encontramos muitos músicos que têm ainda um caminho a percorrer para merecerem esta homenagem. A sociedade não se deve preocupar com o músico apenas quando morre, mas sempre e independentemente do papel ou do trabalho que desempenhe.
O álbum vai trazer histórias fictícias ou reais?
Não gosto muito de surrealismo. As coisas que acontecem são sempre um antídoto para o sentimento. Há maior emoção quando se espelha alguma coisa que aconteceu, do que quando se espelha o fictício. Isso torna o sentimento mais livre e dilacera a alma! O fictício é mecânico e o nível de sentimento é diferente. A minha mística vai ser resgatada, porque gosto de semba e sou bom fazedor de rumba. Aliás, um deles é interpretado em espanhol.
Sente exclusão dos mais velhos nos espectáculos?
Trata-se de uma questão de opção. E pode estar virado para a especificidade do concerto. Se for público e de caracter publicitário, compreende-se que se chame a juventude para actuar. Agora, se for um espectáculo como o último que aconteceu na Baía de Luanda em homenagem ao ex-presidente José Eduardo dos Santos, ele é mais velho, e, para tal, teriam de pôr um mais velho a actuar, até porque ele já foi músico. Tinha de ter, pelo menos, os ‘Kimbamba do Ritmo’, Elias Diakimuezo, entre outros artistas da minha geração. Os meus álbuns ‘Adão e Eva’ e ‘Mateus 7:7’ não tiveram muita sorte e não tocaram muito. O mercado estava com uma espécie de concorrência desleal, pessoas que pagam DJ para tocar. A corrupção no mundo da música tem de acabar.
E de que forma é que deve acabar?
É fácil! É chamar as estruturas que se responsabilizam pelas pessoas. Que são activistas, no sentido da promoção e publicação das obras, no sentido de serem coerentes, disciplinadas e respeitarem o trabalho dos artistas. Acho que há alguma causa emocional dos nossos produtores.
PERFIL
Caetano Domingos António, ou simplesmente Dom Caetano, nasceu a 25 de Abril de 1958, em Luanda. Pai de 22 filhos, fez parte dos grupos ‘Jovens do Prenda’, ‘Conjunto Astros’, ‘Os sete amigos’, ‘Surpresa 73’, ‘Sete Incríveis’, do ‘Instrumental 1.º de Maio’ e da Banda Movimento, ao qual pertence até hoje. Tem obras a solo, ‘Mateus 7:7’ e ‘Adão e Eva’; e colectivas, como ‘Espontaneidades’ e ‘Kufungissa’ (com a Banda Movimento). Em 1991, conquistou os prémios ‘Welwitchia’, pela RNA, e ‘Canção’ pela UNACA. Em 1996, vence novamente o prémio da ‘Canção’ com a música ‘Nova cooperação’ e o primeiro e único Prémio Sonangol da Canção, com a música ‘O pecado carnal’.
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