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A SOMBRA DA DÍVIDA

15 Dec. 2020 V E Editorial

Um dos argumentos da Casa-CE para chumbar o Orçamento Geral do Estado de 2021 colocou, outra vez, o Governo em contradição quanto ao tema da transparência da dívida pública. A coligação liderada por André Mendes de Carvalho, entre outras, justificou o voto contra com a hipótese de o Governo se ver obrigado a pagar dívida por serviços não prestados. A ministra das Finanças apressou-se a ‘corrigir’ que toda a dívida pública contraída e paga pelo Governo é lícita e resulta de serviços efectivamente fornecidos. Vera Daves referiu-se particularmente à dívida financeira, a que pesa de forma mais significativa no Orçamento, declarando que não existem quaisquer desconfianças em relação à mesma.

Ocorre que quem elevou a fasquia da desconfiança generalizada em relação à transparência da dívida foi o chefe de Vera Daves. Foi em Junho de 2019 que João Lourenço disse, em pleno congresso do MPLA, que a dívida pública serviu também para financiar o enriquecimento de um grupo restrito, seleccionado na base do “parentesco, amiguismo e do compadrio”. O presidente do MPLA não fez tamanha afirmação por vaidade ou por mera fixação contra o grupo selecto a que ele se referia. Baseou-se seguramente em informação que lhe foi fornecida pelos serviços especializados que o apoiam e que se presume ser verdadeira.

Em termos políticos, os argumentos da Casa-CE não poderiam ter, portanto, base mais sólida de sustentação. Por graça de João Lourenço, desde Junho de 2019, cada dólar que se paga de capital ou de juro aos credores encerra a suspeita fundada de que terá servido também para o enriquecimento ilícito.

O tema da transparência da dívida pública deve ser lido e interpretado, portanto, desta forma mais exigente e completa. Não se trata apenas de perceber se os empréstimos entraram em Angola ou se os serviços contratados foram realmente prestados. É uma questão também de se aferir se o Estado foi o único beneficiário legítimo desses empréstimos ou desses serviços. Pelas palavras do mais alto magistrado do Estado, já se sabe que não. E, precisamente por isso, até prova em contrário, ninguém pode assegurar categoricamente a licitude da dívida pública. Nem mesmo um auxiliar relevante de João Lourenço como a ministra das Finanças. A menos que Vera Daves tenha provas desconhecidas do grande público que desmentem as afirmações do presidente do MPLA.

Dito isto, recordamos uma exigência que se tornou recorrente na praça pública: até que se faça uma auditoria externa credível, a dívida pública ficará por longos anos ensombrada pela mácula da batota.