A surpresa surpreendente do Presidente
Na sua visita ao Bengo, na última semana, o Presidente da República deu provas de que não sabe até onde vai a concentração de competências, na máquina que o próprio administra. João Lourenço mostrou-se chocado ao aperceber-se que, até para a aplicação de uma multa ambiental a um fazendeiro do Kuando-Kubango, o ministério de tutela tem de movimentar uma equipa a partir de Luanda. Apesar de estar há quase 40 anos entre os altos escalões da governação e da liderança do seu partido, apesar de a desconcentração e a descentralização integrarem os eixos da reforma do Estado que o MPLA promete, João Lourenço soube disso apenas há uma semana, numa conversa aparentemente inócua com a governadora Mara Quiosa e com o ministro Jomo Fortunato.
É óbvio que, se João Lourenço se surpreende com o execesso de concentração do seu próprio Governo, os angolanos (ou pelo menos muitos angolanos) se surpreendem ainda mais com a surpresa do Presidente.
Dito isto, há dois factos que têm de ser sublinhados numa relação causa-efeito. Primeiro, fica mais uma vez demonstrado que o Governo aborda a reforma do Estado, alterando leis de forma fortuita. Ou seja, não há uma ideia integrada. Segundo, com base nesta lógica de alterar ao acaso as leis que viabilizam a concentração de competências, o Presidente da República tem razão, quando exigiu ao ministro do Ambiente que começasse a trabalhar na alteração da lei. Parafraseando o Presidente, as contas são simples. Se estão erradas, as leis não podem ser olhadas de forma impávida apenas porque são leis. Os homens fazem as leis, os homens alteram as leis. É justamente com base nesse princípio, recordado pelo Presidente, que lembramos aqui outro caso de leis erradas que merecerem ser alteradas. Referimo-nos concretamente ao conjunto de diplomas que regula a comunicação social, já que a Constituição é um caso perdido.
Estando em curso uma revisão do pacote legislativo da comunicação social, e sempre respeitando o princípio do Presidente, o ministério de tutela deve aproveitar para eliminar o impedimento de os órgãos serem financiados por organismos internacionais. Porque, ao afunilar as opções de financiamento da imprensa privada, o diploma transforma-se numa lei antidemocrática, logo numa lei errada. É para corrigir em alinhamento ao pensamento de João Lourenço.
A oportunidade deve ser aproveitada também para se expurgar da lei a possibilidade de renovação de licenças. Por outra razão fundada. Afinal, havendo já um quadro definido em que os operadores podem perder licenças por razões económicas ou legais, não faz qualquer sentido incluir um esquema de renovação de licenças de carácter marcadamente político. Porque apenas um propósito pode justificar esse expediente: condicionar arbitrariamente órgãos independentes ou indesejados. Bolsonaro ameaçou fazê-lo no Brasil. Não conseguiu, porque, apesar de tudo, o Brasil é um Estado Democrático de Direiro. Viktor Orbán tentou na Hungria. Conseguiu, porque, apesar de estar na Europa, a Hungria não é um Estado Democrático de Direito. E nós?
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