ABREU PAXE, ESCRITOR

“A UEA podia ser mais ambiciosa no interior da cultura angolana”

ENTREVISTA.Vencedor do Prémio Literário ´António Jacinto´, com a obra ´Chave no repouso da porta”, Abreu Paxe é membro da União dos Escritores Angolanos e acredita que em nenhuma parte do mundo é possível viver só da escrita, fora das grandes corporações.

 

Como se identifica enquanto escritor?

Com a cultura nos seus processos flutuantes e poéticos.

Quando descobriu que tinha inclinação para a escrita literária?

Não consigo precisar essa fronteira. É como quando se cria, é difícil descrever todo o processo por que passa a criação. Só sei que comecei, mas não sei quando comecei exactamente. Há episódios de que me recordo, mas que não são determinantes, se os analisarmos à luz da complexidade do acto criativo.

O que significaram os prémios ‘António Jacinto’, com ‘Chave no repouso da porta’, e o do concurso ‘Um poema para África’, em 2000?

Foram um estímulo a esses prémios que associam à publicação dos meus textos em revistas de poesia entre Bélgica, Espanha, Portugal e Brasil. Deu para marcar posição, sobretudo para quem estava a começar um projecto artístico. Um tanto quanto indigesto, para alguns. Foi estimulante.

A União dos Escritores Angolanos, da qual é membro, tem cumprido com o seu papel?

Naquilo que é a sua missão primária, sim, embora, em relação ao objecto, a literatura, pudesse ser mais ambiciosa no interior da cultura angolana e na sua difusão e disseminação mais ampla, com diálogos, encontros e reencontros entre as diferentes ‘Áfricas’ e os diferentes mundos que nos atravessam culturalmente.

Vale a pena ser escritor em Angola?

Porque não, se Angola é um lugar onde se produz cultura?

É possível viver só da escrita em Angola?

Em nenhuma parte do mundo isso acontece, se não for integrado, por exemplo, nas grandes corporações mediáticas ou financeiras.

Como sentiu o custo de produção para o lançamento dos seus livros?

Não tive nenhum, pelo contrário, ganhei apenas. Ou seja, nos dois livros que tenho publicados, ‘A Chave no Repousa da Porta’, que resultou do prémio recebi pelo mesmo um valor avaliado em cinco mil dólares, e o segundo livro, ‘O Vento Fede de Luz’. Não tenho razões de queixa.

Que referências há hoje na literatura angolana e africana?

Na minha experiência de leitor, vejo poucas, embora, entre nós, na África austral e central, mais exactamente nas regiões a que Angola pertence, existam as barreiras linguísticas dos então colonizadores. Há mais um quadro que se funda em conformismos, em convenções, em que são levados a actuar como porta-vozes das experiências de poetas ou prosadores anteriores a eles.

Até que ponto a juventude conhece a literatura nacional?

O problema é estrutural e está ligado a vários factores, desde o ensino às instituições de distribuição do livro, às diferentes partilhas, à sistematização da literatura nacional como área de conhecimento e essa estar presente nas diferentes instituições e nos diferentes lugares de interacção, onde, neste caso, os jovens estejam. Se não temos livrarias, bibliotecas se falarmos dos espaços distribuídos pelos bairros, pelas vilas, pelas comunas, municípios e, em alguns casos, até províncias. Se não existem esses circuitos de circulação do livro, como se pode exigir isso dos jovens? Que condições nós criamos para que isso seja uma realidade? Agora não se pode deixar de reconhecer os esforços que têm estado a ser feitos e que sempre foram feitos para que chegássemos aí, embora ainda tenhamos de caminhar muito. Muito mesmo.

Os livros em Angola são muito caros?

O que é que não é caro em Angola? Até ficar doente é muito caro!

Isso pode justificar o (des) interesse de leitura no seio dos jovens?

Sim, pode ser um dos factores, embora não se façam só leitores com quem compre livros. As bibliotecas têm essa função também, entre outras instituições de fomento à leitura.

Em que se inspira para escrever?

Na relação que o homem estabelece com a natureza e a cultura, combinando com a memória da cultura, história das técnicas e a história da cultura material e espiritual. Acontece mais numa dimensão poética do que propriamente de inspiração, que me parece uma forma muito vaga de se falar de criação.

Se tivesse a oportunidade, que mudança faria em/para Angola?

O que nos deve orientar é a necessidade de nos reencontrarmos com a cultura, aquela que nós produzimos e até a que herdamos e que foi produzida nesse espaço que chamamos hoje Angola, e acrescentar nesse reencontro o génio criador e inventivo com as suas dinâmicas e transformações.

Sente-se feliz com Angola de hoje?

É a Angola que temos, com os seus problemas como de qualquer país. Devemos assumir-nos onde a definimos e ver o que queremos que ela seja. Isso depende somente de nós, única e somente de nós e de mais ninguém, disso eu tenho plena certeza!

 

PERFIL

Nome completo: Abreu Castelo Vieira dos Paxe

Data de nascimento: 19 de Outubro de 1969

Estado Civil: Casado

Filhos: 3

Prato favorito: Não tenho porque tenho um estomago eclético.

Viagem de sonho: Para o interior de Angola, nos seus lugares mais recônditos para partilhar saberes e afectos.