A VÍTIMA

10 Jun. 2020 V E Editorial

É verdadeiramente perturbador o ritmo com que milhares de angolanos são lançados ao desemprego diariamente. Ainda que não surpreendam, apesar de antecipados, os números são arrasadores. É o inevitável choque da realidade.

Na última semana, a Folha de Informação Rápida do Instituto Nacional de Estatística (INE) contabilizava um aumento de 2,3% do desemprego no primeiro trimestre do ano para mais de 4,7 milhões de pessoas. A comparação é feita aos resultados do último trimestre de 2019. A taxa oficial de angolanos em idade activa sem emprego agora é de 32%. E as contas começam pelos 15 anos. Em termos precisos, entre Janeiro e Março, mais de 100 mil angolanos com 15 ou mais anos deixaram de ter uma fonte de renda.

É um tremendo pesadelo. Sobretudo se partirmos do princípio que há uma reconhecida, ainda que desconhecida, distância entre os números oficiais e os números reais. Mas por outras razões também. A notícia que faz manchete neste número 212 do VALOR antecipa que a rede de supermercados Candando vai mandar para casa pelo menos mil trabalhadores e encerrar metade das oito lojas que construiu desde 2016. É apenas um exemplo expressivo dos vários que vão alterar necessariamente para pior os próximos gráficos do INE. Quando o Instituto apresentar o balanço do segundo trimestre, em finais de Julho, o mais certo é que os dados se tornem ainda mais assustadores. Até porque, em sentido contrário, não acontece rigorosamente nada que compense a destruição dos empregos, com a criação de uns poucos novos. No máximo, o que algumas empresas ainda vão conseguindo é manter alguns postos de trabalho para não fecharem completamente as portas. Mas este esforço dos empresários tem limites óbvios, porque, em muitos casos, é feito com a consciência de que só se está a adiar o inevitável: o encerramento das empresas. Alternativas não existem. Os apelos múltiplos da classe empresarial ao Governo, no fundo, são feitos com a certeza de que este nada pode fazer. É um exercício estéril de exclusão de hipótese, senão de limpeza de consciência.   

Talvez hoje não restem mais dúvidas até aos mais optimistas. Quando João Lourenço terminar o mandato, estarão destruídos muitos mais postos de trabalho do que os que prometeu criar. E, ainda que seja uma desculpa perfeita, a culpa não será apenas da pandemia. A equipa de João Lourenço manteve a economia de rastos até antes de Março e as políticas especificamente direccionadas ao emprego, como o PAPE, anteciparam-se como um gigantesco fracasso.

Mas não são apenas as políticas de emprego que não criaram empregos. Exemplos como o antecipado encerramento das lojas do Candando reafirmam outras causas de destruição do emprego com fundamentos mais absurdos. Explicam a cegueira e a arrogância dos que teimam em não perceber que o alegado combate à corrupção não pode fazer dos mais vulneráveis, mais uma vez, a principal vítima.