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GEORGES CHOUCAIR, PCA da ADA

Angola precisa ?de 30 anos de industrialização para gerar sucata suficiente

Além da escassez da sucata, o PCA da unidade industrial dedicada à produção de varão de aço apresenta os elevados custos indirectos como um dos principais constrangimentos à competitividade do sector.

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A ADA iniciou actividade há, sensivelmente, um ano. Qual é o balanço que faz deste período?

ADA é, actualmente, a maior siderurgia de Angola e a mais moderna de África. Temos uma capacidade de 500 mil toneladas/ano e conseguimos entre 10 e 15 mil toneladas por mês que representa cerca de 200 mil toneladas por ano. Este período foi muito difícil devido a vários constrangimentos técnicos. Neste momento, estamos numa fase de crescimento, mas continuamos a enfrentar alguns constrangimentos, concretamente no abastecimento das sucatas. Às vezes, somos obrigados a parar a produção devido à falta de sucatas.

E como têm estado a gerir esta situação? Desligam os fornos, mantêm-nos ligados. Quais são os constrangimentos?

São custos, porque não desligamos os fornos e tem impacto na energia. São situações prejudiciais que fazem com que o custo de produção, localmente, seja muito elevado. Teremos de encontrar um consenso entre as siderurgias e as empresas de sucatas para se estabilizar o abastecimento.

Qual é o custo de produção do aço em Angola?

Varia, mas, em média, custa cerca de 500 dólares a tonelada e é muito elevado comparativamente a outros mercados. Tiveram, recentemente, um encontro com o Ministério da Indústria e os vendedores de sucata no sentido de inverter esta dificuldade das sucatas.

Qual é o balanço que faz deste encontro?

É uma iniciativa louvável do Ministério que mostra estar a entender as preocupações do sector. É verdade que uma única reunião não resolve o problema, mas foi muito positiva. Há boas perspectivas, a intenção é que as operadoras de sucata participem e estejam todas comprometidas com o desenvolvimento da economia do país. Algumas estão, mas há as que estão mais viradas para a exportação por causa das divisas. Na verdade, todo este problema que estamos a enfrentar é devido à falta de divisas porque, se as tivéssemos, os produtores poderiam importar as sucatas e operadores exportar sem problemas. Mas há um contra-senso.

Se tivermos a matéria-prima cá, porque é que temos de exportar para depois comprar o produto acabado a preços duas ou três vezes mais?

A proibição da exportação das sucatas e outras matérias-primas necessárias internamente traz muitas vantagens e uma delas é o incentivo à industrialização. Se proibir-se, por exemplo, a exportação da sucata de alumínio, certamente, virão empresas para investir na fundição do alumínio para o seu fabrico.

Quando fez o estudo de viabilidade para instalar esta unidade, certamente que não considerou estes constrangimentos.

Um estudo é sempre um estudo. Quando fizemos, não prevíamos a crise que veio a acontecer e todas as outras situações são consequências da crise do preço do petróleo. Mas, tendo fé no país, na estratégia e visão do Governo, para a melhoria da economia, ficamos encorajados a usar os nossos recursos para suportar as dificuldades e nos mantermos. É um sacrifício para os industriais, mas é um sacrifício calculado porque confiamos no país. Esta é muito importante porque sem ela é difícil. Precisamos de mais encontros entre os sectores, mais consenso entre as partes e ter um objectivo comum, que é o da produção nacional.

Qual tem sido a estratégia da ADA para a aquisição das sucatas. A informação que temos é que tanto fazem a recolha como também compram à porta da vossa unidade. Certo?

Nós recolhemos, temos uma estrutura montada para tal, mas também compramos no mercado. Quando criámos a ADA, o nosso estudo perspectivava emprego para cerca de 500 pessoas e esperava contribuir para cerca de 1.000 e 2.000 postos indirectos, mas, neste momento, os postos indirectos, como resultado da compra das sucatas aos operadores, já foram ultrapassados. Mas este sector é uma mais-valia para a economia nacional. Primeiro, porque representa poupança nos recursos cambiais. Segundo, porque é um bom fornecedor de postos de trabalhos, sobretudo indirectos. Também é uma mais-valia ambiental porque permite eliminar as sucatas ferrosas.

Qual é a capacidade de recolha da estrutura da ADA?

Nós conseguimos recolher de 200 a 300 toneladas por dia, mas necessitamos de 1.000 a 1.200 toneladas. É uma indústria muito grande e temos estado a incentivar a juventude a investir neste segmento.

Quanto custa a tonelada da sucata no país? Ou quanto é que a ADA paga por tonelada?

Varia, pode custar entre cinco mil e 30 mil kwanzas. A sucata precisa de ser preparada para entrar no forno, há um custo adicional. A mais cara é aquela que já está preparada para entrar no forno e, obviamente, a mais barata é mais pesada, aquele que precisa de ser tratada. Há uma classificação em função da qualidade e do tipo de sucata. Temos um sistema de controlo da sucata que contempla a sua análise química para podermos produzir o aço com a qualidade que desejamos.

E com estes constrangimentos, há a possibilidade de pensarem na exportação do aço?

Não só pensamos como já começámos a negociação. Temos pedido de exportação para alguns mercados, vamos começar no final de Agosto. Vamos exportar, inicialmente, cinco mil toneladas, que é uma quantidade muito boa para a Serra Leoa. Temos contactos com outros mercados, como é o caso dos Camarões. Estamos muito confiantes devido à nossa política de qualidade.

O início da exportação não significa cortes nas quantidades produzidas para o mercado interno?

Não prejudica, porque, neste momento, por causa da crise, o consumo de aço diminui bastante porque não há obras. Esperamos a retoma das obras no segundo semestre do ano ou em 2018, mas também temos uma capacidade acima da necessidade do país. Precisamos também de cumprir outro objectivo que prometemos ao Governo, que é o de trazer divisas para o país.

Esta aposta na exportação pode ser entendida como a solução encontrada para diminuir o stock devido a falta de consumo interno?

Não temos stock em demasia, conseguimos ajustar, até porque a nossa produção também é prejudicada pela escassez de sucatas. A nossa produção é feita em função das necessidades do mercado, precisamos produzir muito mais. Neste momento, estamos a planificar 30% para a exportação e 70% para o mercado interno, este é o nosso objectivo, mas vai variando em função das necessidades dos dois mercados.

Os industriais de aço têm estado a enfrentar outro problema decorrente da Pauta Aduaneira. Muitos importadores importam varão de aço como sendo liga de ferro para beneficiar da isenção da liga. Tem conhecimento deste fenómeno? Como têm estado a enfrentá-lo?

É uma realidade, já alertámos e é por isso que a nova Pauta levou em consideração esta preocupação do sector siderúrgico, mas também considerou a preocupação das empresas de construção civil e chegou-se a um consenso. A Pauta tinha duas posições, uma elevada para o varão de aço e outra isenta por ser um material para a construção civil, que é a liga de ferro. Os importadores deixam de pagar a posição pautal elevada porque declaram ser um produto da posição pautal que beneficia de isenção. A Nova Pauta leva em consideração este fenómeno que não acontece apenas na indústria siderúrgica.

Algumas vozes acusam os industriais de também recorrerem a práticas semelhantes. Importam o varão de aço devido aos altos cultos de produção localmente e vendem como se tivessem sido produzidos localmente. A ADA tem importado varão de aço?

Acho que não preciso responder a esta pergunta. Hoje com o NIF (Número de Identificação Fiscal) da empresa consegue-se saber os produtos importados e o nosso NIF é público. É possível ver se nós importamos alguma tonelada de varão. Não o fizemos.

Como olha para o futuro da indústria siderúrgica. Tanto no que diz respeito à aquisição das sucatas como em relação a outros constrangimentos?

No que diz respeito às sucatas, chegará um momento que teremos de importar, porque o país precisa de 30 anos de industrialização para gerar sucata suficiente. A sucata existente é decorrente do passado e temos também a proveniente do sector petrolífero (que também é uma boa fonte de abastecimento). Segundo a nossa análise, o país tem sucatas para dois a três anos. Estão espalhadas por todo o país e as empresas só precisam de estar estruturadas, ter os recursos financeiros e logísticos necessários para a recolha. Mas, como disse, a determina altura, teremos mesmo de importar, ainda não estamos a fazê-lo devido à escassez das divisas. Precisamos de 20 a 25 mil toneladas de sucata por mês, o que não é fácil.

Geograficamente, Luanda, certamente, é a província com maior concentração de sucatas?

Luanda é a zona com mais sucatas leves. Noutras províncias, encontramos as sucatas mais pesadas. Por exemplo, em Cabinda há muita sucata pesada, proveniente do sector petrolífero. Sucata militar está quase terminada, assim como a do caminho-de-ferro. Depois, vamos encontrando sucatas médias resultantes da destruição de indústria e outras, mas Luanda tem, sim, a maior concentração.

E quais são os outros constrangimentos do mercado?

O custo da logística é mais elevado comparativamente a outros países. Temos a problemática da energia que poderá ser resolvida em breve. Temos ainda vários custos indirectos devido a uma administração algo pesada. Precisamos de criar um ambiente mais fluído, transparente e que facilite as administrações das empresas. Por exemplo, o custo do porto é muito elevado se compararmos aos outros países do mundo. Temos de ganhar competitividade, porque esta não vem só das empresas, mas também do ambiente e das infra-estruturas envolventes. Por exemplo, temos um custo do caminho-de-ferro muito elevado, que pode ser considerado um contra-senso, quando comprado com os outros países. O custo de exportação do mineiro de ferro de Cassinga para o Porto do Namibe é maior que o do próprio mineiro. São ferramentas que têm de ser estudadas para atingir-se a competitividade nacional.

E com estes custos, como pensam contornar a concorrência nos mercados para onde vão exportar o vosso aço?

A nossa aposta será na qualidade. O nosso produto está certificado pela Comunidade Europeia e esta certificação resulta da busca de uma qualidade com nível internacional, devido à credibilidade. É neste âmbito que temos de caminhar. Se temos de crescer no mercado internacional, teremos de ganhar notoriedade e esta só é possível com uma aposta na política de qualidade, segurança, higiene e ambiente dentro do nosso processo produtivo.

Não concorda que o preço é sempre um entrave?

É verdade, mas existem os preços estratégicos, os preços de mercado e os preços políticos. O preço não é um problema. O objectivo é conseguir ao aceder o mercado internacional e depois as coisas vão-se ajustando. Neste momento, a nossa preocupação é mostrarmo-nos ao mercado internacional. Mesmo que vendermos mais barato, não faz mal, porque estaremos a competir com outras siderurgias como são as chinesas, turcas ou russas com um historial reconhecido como países com tradição no sector. Somos ainda pequenos, não temos ainda uma tradição siderúrgica. A nossa prioridade é ficar conhecido no mercado internacional, levar a bandeira angolana fora do país.

Além deste objectivo da exportação, existem outros a serem efectivados a curto prazo?

Uma indústria não é estanque, está sempre em investimento e nós temos projectos de investimentos e de desenvolvimento. Mas a nossa preocupação, neste momento, é estabilizar o que temos e atingir os níveis que pretendemos e prometemos. A nossa meta é atingir estes objectivos até ao final do ano ou até ao primeiro ou segundo semestre do próximo ano, mas vai depender da conjuntura que vamos viver. Contudo, estamos esperançados e engajados.

Recentemente alguém classificou como sendo de “aço” os empresários do sector devido às dificuldades que enfrentam. A continuarem as dificuldades todas, pensa que conseguem ser de “aço” mais quanto tempo?

O problema não é de ser heróis. É verdade que estamos a sofrer, mas o verdeiro herói é a população que está a aguentar a crise e que tem esta força interior. O nosso papel, enquanto empreendedor e investidor, é o de contribuir para a estabilidade, criando empregos, recursos e melhorar as condições das famílias. A juventude necessita de ter uma visão e objectivos. Precisa de ser enquadrada num sistema onde possa aprender, a desenvolver-se e isso só é possível com empreendimentos. Precisamos de muito mais iniciativas, por isso, sempre que posso, apelo a outros investidores estrangeiros no sentido de olharem para Angola como um país do futuro. Temos de ter fé, as crises são cíclicas. O Governo angolano tomou medidas para reduzir os feitos da crise e estamos confiantes, apesar das dificuldades. É tempo de união e não de atritos.

Quando fez o projecto da ADA, o país estava numa conjuntura económica totalmente diferente.Se tivesse a começar agora, apostaria no mesmo sector?

É um bom sector. Talvez com um outro investimento, mas voltaria a apostar nele. O país necessita, vamos atingir 30 milhões de habitantes e estamos muito dependentes da importação quando o país tem muitos recursos naturais. Porque não exportar o produto final? Porque é que um país como a Costa do Marfim tem uma industrialização? Porque iniciou depois da independência e hoje é um país que exporta. Quando olhamos para a África do Oeste, vemos que todos os países têm indústria. É altura de Angola fazer, temos de investir.

E quais são os resultados financeiros da ADA?

A nossa preocupação neste momento não é o lucro, não estamos a prever para este ano. O nosso objectivo é atingir uma produção desejada, controlar os custos e estabilizar todos os insumos que estão no país. Seguidamente, teremos uma melhor análise de onde teremos de melhorar. Alguns destes aspectos estão identificados, estamos a trabalhar para melhorá-los de maneira a sermos mais competitivos, baixando os custos para entre 250 e 300 dólares. Vou adiantar alguns valores aproximados, mas hoje, por exemplo, temos um custo muito elevado com o pessoal devido ao alojamento, alimentação, segurança e saúde. Também temos um custo muito elevado com a manutenção dos meios rolantes. São situações difíceis, decorrentes da situação económica. Quando precisamos de comprar peças, pagamos três vezes o preço que deveria ser, assim acontece com os alimentos e outros produtos. São situações anormais, são estes custos indirectos que perturbam a competitividade do preço, porque, a nível do preço da produção, estamos a nível do custo internacional. O problema é com os custos fora da linha da produção, acontece com as outras industriais, mas temos de estar todos conscientes de que é uma fase de formação, uma fase de treinamento, uma fase de estabilização que precisa de dois ou três anos.

Qual é a perspectiva de recuperação do investimento?

Como deve imaginar não é de prazo curto. É entre quatro e cinco anos. Disse que está a começar a exportar. Muitos que também começaram esta aposta reclamam da burocracia.

Tem motivos para reclamações?

Não sentimos nenhuma dificuldade. Há um procedimento que considero normal e transparente. A AGT tem um processo muito célere, temos de ter uma declaração do Ministério da Indústria para melhor controlo, senão teríamos importadores a exportar os mesmos produtos que importam.