Desde a vigência da parceria OPEP+

Angola vai cortar produção pela primeira vez

PETRÓLEO. Nos dois anteriores acordos, Angola não teve necessidade de fazer esforço para atingir a quota atribuída porque produzia menos face ao que tinha direito. Empresário defende avaliação sobre a vantagem de se continuar na OPEP.

Angola vai cortar produção pela primeira vez
D.R

Pela primeira vez, desde a vigência da parceria OPEP+, o acordo de corte na produção petrolífera entre os membros da OPEP e os parceiros liderado pela Rússia terá impacto directo na produção angolana, uma vez que, nos cortes anteriores, não houve necessidade de se fazer esforço para cumprir o acordo, já que a quota atribuída esteve sempre acima da produção alcançada.  

Na semana passada, os membros da OPEP mais os parceiros liderado pela Rússia acordaram um corte colectivo de 11 milhões de barris/dia de forma faseada. A primeira vai até 30 Junho com início a 1 de Maio e será de 10 milhões de barris dias/dia. 

O corte na produção será de 23% para todos os Estados signatários do acordo e tem como referência o histórico diário de Outubro de 2018. No caso de Angola, a referência de 1.528 mil barris o que fixa o corte em cerca de 350 mil barris/dia e a quota a respeitar em cerca de 1.180 mil barris/dia. Estando a produção fixada em cerca de 1.380 mil barris, será mesmo feito o corte contrariamente ao que aconteceu com os primeiros acordos alcançados desde a parceira entre a OPEP e alguns produtores fora do cartel, liderado pela Rússia. 

No primeiro acordo em que se alcançou neste figurino, a produção global dos países signatários passaria de 3,7 para 32,5 milhões de barris/dia o que representaria um corte de 1,2 milhões de barris/dia. O acordo foi alcançado em Novembro e começou a vigorar em Janeiro de 2017. 

A produção angolana do período base tinha sido de 1,7 milhões de barris/dia e, à luz do acordo, passaria para 1.673 mil barris/dia desde Janeiro de 2017. Mas, por razões técnicas, operacionais e de declínio natural, a produção esteve sempre abaixo da quota atribuída. A média diária de produção em 2017 foi, por exemplo, de 1.634 mil barris, cerca de 39 mil barris abaixo da quota.

Em Dezembro de 2017, a OPEP e os parceiros decidem por um novo corte de 1,2 milhões de barris/dia com início a Janeiro de 2018. A produção nacional, nesta altura, estava cerca de 12% abaixo da produção a que tinha direito nos termos do acordo de 2016. Da decisão saída da reunião de Dezembro de 2017, a produção diária angolana seria de 1.480 mil barris e, segundo o relatório da OPEP, em Janeiro foi de 1.414 mil barris e em Fevereiro de 1.387 mil barris, depois de a produção média de 2019 ter sido 1.377 mil barris. Portanto, abaixo da produção a que tem direito desde 2018. 

‘Benefícios’ com baixa produção só em 2021 

À luz do acordo entre Julho e Dezembro de 2020, a quota de Angola passa para 1,249 mil barris/dia e, entre Janeiro 2021 e Abril de 2022, passa para 1,319 mil barris/dia. José Oliveira, investigador do Centro de Estudo de Investigação Científica da Universidade Católica (Ceic/Ucan), acredita que, na última fase do acordo, Angola já não precisará de efectuar cortes, visto que a produção do país estará nestes níveis. “Penso que este último valor vai fazer com que não precisemos de cortar nada, dado que a nossa produção em 2021 não será muito superior a 1,3 milhões”, estimou. 

A última vez em que Angola foi forçada a cortar a produção pelo acordo foi em 2008. Na altura, o país reduziu 99 mil barris na produção estimada em 1,9 milhões de barris de petróleo. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) decidiu então reduzir 1,5 milhões de barris/dia na sua produção que estava estimada em 30 milhões de barris de petróleo/dia.

Qual é a lógica de continuar na OPEP?

Pedro Godinho, empresário ligado ao petróleo, entende que se deveria reflectir sobre a necessidade e vantagens de Angola continuar a integrar a OPEP, defendendo que “deve suspender a sua participação” como membro. “São 99 países produtores de petróleo no mundo. A OPEP cobre apenas 35% das necessidades mundiais. A estratégia da OPEP foi sempre de cortar. Não tenho dúvidas de que, com esta decisão de cortar 10 milhões de barris, o preço vá para os 50 dólares, mas a minha maior preocupação é se Angola precisa mesmo de fazer parte desta organização ao ponto de sermos sacrificados com corte de 348 mil barris”, comenta.

Para o empresário, o baixo nível de produção do país, face aos demais produtores mundiais, faz com que a presença angolana não tenha expressão. “A produção de Angola representa 1% da produção mundial, que varia entre 100 e 105 milhões de barris/dia. Que influência é que Angola tem no mundo? A OPEP controla entre 30 e 35 milhões de barris, quer dizer que a produção de Angola representa 4% da produção da organização”, calcula.

Neste sentido, defende, “Angola deveria ficar no seu canto” e beneficiar do aumento do preço quando há cortes. “País que só representa 1% da produção não fica no seu canto porquê? Os Estados Unidos produzem 15 milhões e nunca participaram nos cortes, mas sempre beneficiaram. A Rússia só em 2016 é que se alinhou porque os seus interesses estavam em causa, mas, no ano passado, quando viu que os seus interesses já estavam salvaguardados, já não quis participar.”  

Pedro Godinho considera “falsa” a ideia de que Angola precisa de se manter na organização por lobby e networking, salientando que a única vantagem de o país estar na OPEP é enriquecimento do curriculum dos ministros dos Petróleos que, por força rotativa na liderança do cartel, têm a possibilidade de serem presidentes da organização.

“É falso [o argumento do lobby] porque Angola já passou por várias crises e nunca vimos os bancos ligados à OPEP nos financiarem ou que a OPEP tenha servido de garantia para um financiamento”, argumentou.

Tem opinião diferente José Oliveira para quem “não se abandona o barco em tempos de crise”, fazendo referência à OPEP onde Angola entrou em 2006