ANGOLA GROWING
CERCA DE SEIS MIL NACIONAIS EM DOIS ANOS

Angolanos em Portugal sobem 23,4%

MIGRAÇÃO. Apesar de a crise económica estar a arrastar-se desde 2014, foi em 2018 que passou a ser apresentada como justificação para o abandono do país por várias famílias. Desde então a tendência é de aumento do número de angolanos em Portugal. Realidade actual recorda o movimento migratório do pós-guerra.

Angolanos  em Portugal sobem 23,4%

Depois de em 2018 registar um aumento de 9,1%, o número de angolanos residentes em Portugal voltou a disparar 23,4% em 2019, saltando dos 18.382 para 22.691 pessoas.    

No conjunto dos dois primeiros anos de mandato de João Lourenço (2018 e 2019), a comunidade angolana no país europeu ganhou assim um total de 5.837 novos membros, quebrando de forma consecutiva a tendência decrescente que se registava desde 2008, aquando da realização das segundas eleições legislativas do país. Nesse ano, a comunidade angolana em Portugal era de 27.619 pessoas, depois de uma redução de 15,6%, face aos 32.728 de 2007.

O aumento migratório confirmado pelas autoridades portuguesas contraria, desta forma, as declarações do Presidente João Lourenço no ano passado que negavam a existência de uma vaga de angolanos a deixar o país para se instalar em Portugal.

A situação económica tem sido a justificação apresentada por muitos que decidiram tentar a sorte em solo luso. Nesse leque estão muitos empreendedores que inclusivamente desistiram de negócios por “estarem apenas a registar perdas nos últimos anos”, como sublinhou a proprietária de um antigo salão de beleza, em Luanda. “Estou em Portugal desde meados de 2019, arrendei o meu espaço, a minha casa e mudei-me com a família e estamos cá, estou a trabalhar e não me arrependo da decisão que tomei, estava a ser muito cansativo”, testemunha.

O VALOR, entretanto, tem conhecimento de muitas pessoas que ponderam a mesma decisão, sendo que para algumas apenas a pandemia da covid-19 fez adiar a mudança. “Teria ido agora em Junho, este vírus estragou-me os planos mas, assim que for possível, vou-me embora, não está a dar mais”, desabafa, por exemplo, a proprietária de um restaurante em Luanda.    

Mais nacionalizados, mais expulsões e mais impedimentos…

O referido aumento teve reflexo em outros indicadores relacionados aos emigrantes angolanos em Portugal. Por exemplo, o número de pessoas que receberam nacionalidade aumentou mais de 53%, passando de 1.953, em 2018, para 2.993 no ano passado, 610 dos quais por vontade (casamento ou união de facto) contra os 524 em 2018. No sentido inverso, 45 pessoas foram afastadas coercivamente das ‘terras de Camões’, cifra igual à de 2018. Enquanto outras 202 pessoas viram recusadas as suas pretensões de entrar em território português, face aos 168 que tiveram a mesma ‘sorte’ em 2018.

Os dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Portugal dão ainda conta que, em 2019, perto de cinco mil angolanos responderam a processos de contraordenação, 2.848 dos quais por não renovação atempada da autorização de residência. E que, de um total de 86 vítimas associadas ao crime de tráfico de pessoas pelas autoridades portuguesas, sete são angolanas, nacionalidade que em 2018 não constava entre as mais relevantes no que ao crime associado ao tráfico de seres humanos diz respeito.

…E liderança na solicitação de asilo.

Um dos destaques do relatório do SEF é a liderança angolana entre as nacionalidades que mais solicitaram asilo em 2019 em Portugal com um total de 308, um aumento de 37% face a 2018, quando já se tinha verificado também um aumento de 120 em 2017 para 225. Os pedidos de asilo por parte de angolanos são mais frequentes para países como a França e a Alemanha que, em 2018, registaram, respectivamente, 1.080 e 265 solicitações. 

A mesma distribuição manteve-se também no primeiro trimestre de 2020 em que, segundo dados da União Europeia, 460 pessoas já pediram asilo na França, mais 66% face ao período homólogo. Já, na Alemanha, entre Janeiro e Março, pediram asilo 100 pessoas, um aumento de 14%. Neste mesmo período, em Portugal, registaram-se pedidos de 55 angolanos, uma variação de 8%, face aos três primeiros meses de 2019.

Aumento da comunidade sem impacto nas remessas

O aumento da comunidade angolana em Portugal, entretanto, não foi acompanhado do crescimento de remessas enviadas ao país. Registou-se, pelo contrário, uma redução, no primeiro trimestre deste ano, com os angolanos em Portugal a enviarem para Angola apenas 2,32 milhões de euros, uma redução de 12,45% face aos 2,65 milhões enviados de Janeiro a Março do ano transacto. Em sentido contrário, em 2020, a comunidade portuguesa em Angola enviou 47,14 milhões de euros no primeiro trimestre do ano para Portugal, um aumento homólogo de 10,13%. Em 2019, os portugueses enviaram de Angola para Portugal um total de 248,4 milhões de euros, o maior valor desde 2014.  

O ano passado manteve o mesmo declínio com -4,7% de remessas dos nacionais em Portugal, ao passarem de 9,79 para 9,35 milhões de euros, tendência que se regista desde 2016, em que a comunidade angolana em Portugal enviou 17,54 milhões de euros contra 19,54 milhões do ano anterior. Antes disso, tendo como referência 2008, a tendência era bastante variável. Nesse ano, por exemplo, os angolanos enviaram 13,13 milhões de euros para em 2009 enviarem 12,32 milhões de euros.

A falta de cultura de envio de valores para investimento no país de origem e a dificuldade de acesso a serviços que controlam mais de 70% do fluxo de remessas instantâneas a nível mundial, como o Western Union e o MoneyGram, são citadas entre as principais razões para que o total de remessas recebidas em Angola seja relativamente baixo em comparação com outros países.

Cabo Verde, por exemplo, é dos territórios em África que mais beneficiam de remessas que, cada vez, se vão tornando mais importantes para a economia local. Em 2019 a comunidade cabo-verdiana em Portugal, de cerca de 63 mil pessoas, enviou mais de 180 milhões de euros para a terra natal. Portugal recebeu, em 2019, mais de 308 milhões de euros em remessas.

A secção do Banco Mundial (BM) dedicada ao acompanhamento das remessas, liderada por Dilip Ratha, estima que o número oficial de 689 mil milhões de dólares em remessas, a nível global, seja muito inferior ao valor real. “A verdadeira dimensão das remessas é provavelmente três vezes maior”, calcula. “Estamos a falar de números astronómicos que ultrapassam em larga escala os valores de apoio ao desenvolvimento disponibilizados a nível global e é dinheiro que beneficia as pessoas directamente não tendo que passar por instâncias estatais burocráticas”, acrescenta.

Em África, países como a Libéria e a Gâmbia dependem de remessas em mais de 20% do PIB (27% e 21% respectivamente). Do total de 689 mil milhões de dólares em remessas 529 mil milhões tiveram países em desenvolvimento como destino. Índia, China e México lideram o ranking dos recebimentos.

Este ano, no entanto, por culpa da pandemia, vai registando um declínio de cerca de 28% das remessas a nível mundial, segundo estimativas do organismo do BM.