“Aqui vende-se arte”
É um dos artistas plásticos mais proeminente da sua geração. Tem 20 anos de carreira e expõe regularmente. Em entrevista ao VALOR ECONÓMICO, entre outros temas, o artista fala da carreira, do mercado das artes e da desilusão que foi a União Nacional dos Artistas Plásticos.
A partir de que momento descobriu que tinha jeito para arte?
Foi muito cedo, quando estava no primário e desenhei o rosto do meu pai. Mais tarde fiz um curso para aprimorar o dom em Portugal na associação da Lameiras, depois fiz aprimoramento na Holanda e Nova Iorque.
O que significa o livro “Deep- Hildebrando de Mello 20 anos de carreira”?
Significou um balanço de como está a minha arte. Já tinha essa ideia há muito tempo, através do que fizeram os grandes artistas depois da morte. E eu quis fazê-lo vivo e fiz. O Ensa-Arte foi o primeiro prémio que ganhou como artista plástico.
Que significado teve para si?
Foi o catapultar da minha carreira. Estavam mestres no mercado como o Augusto Ferreira e o Van. E terem-me dado aquele prémio foi o coroar de um trabalho. Talvez, se não ganhasse, a minha carreira não teria tantos ‘inputs’.
Já teve exposições além fronteiras, o que é que carrega consigo sempre que tem uma exposição dessas?
Estamos a sair de uma feira na África do Sul em que foram também outros artistas angolanos. Fomos muito bem acolhidos. As pessoas, quando lá estávamos, não acreditavam que o que levamos era pintura angolana, mas sim de Nova Iorque.
Sente que lá fora não têm conhecimento do que produzimos?
É muito normal. As pessoas quando abrem os noticiários, o que ouvem? Corrupção, petróleo e por aí. As artes não estão. Devia ser ao contrário, porque as artes são o que representa qualquer país. Passamos por este triste facto, porque não temos uma marca para dizer: isso é pintura contemporânea.
E a representação que temos abafa as artes?
Sem dúvida. Essa situação das estátuas que foram buscar com ajuda de um galerista Francês, por exemplo, isso é pano de fundo para a corrupção. E as pessoas deviam parar com esse tipo de espalhafato a nível internacional. Isso de nada nos ajuda. Se quisermos mostrar Angola que é, temos de mostrar os povos e a sua forma. Estamos mais virados para colecções sem pés nem cabeça. Essa colecção do Sindika Dokolo não tem pés nem cabeça. É mais propaganda do que outra coisa.
E por onde é que devemos agarrar para mudar o quadro?
O problema está na base. Não se pode ter boas omeletas com maus ovos. Depois passa pela iniciativa estatal. Essa ministra da cultura que saiu foi muito má. No princípio, fez tudo para agradar e no fim dilacerou-nos. Dividiu-nos. Pôs-nos todos à parte. Deveria haver mais espírito congregacionista da parte do Estado e das associações. Deu-se a trienal de Luanda e os artistas plásticos mais importante de Angola não estiveram lá.
Qual é a exposição que mais o marcou?
Marcou-me a última, dos 20 anos de carreira, realizada no Instituto de Camões. Foi muito triste. Pelo artista que sou e por ter feito 20 anos, devia ser num centro de arte contemporânea angolano. Não foi. Foi no centro cultural Camões. E foi um misto de alegria e tristeza.
Temos boas salas de exposição?
O Instituto Camões é a melhor sala que temos. Não temos boas salas. Tudo o que produzo enche três salas como o Camões. É muito mais urgente um centro de arte contemporânea do que um museu da moeda como a ministra quis fazer crer. É muito mais urgente um centro de arte contemporânea do que um museu da ciência, porque não produzimos nada em ciência.
Os materiais são muito caros?
Sempre que viajamos trazemos sempre uns quilos de tinta. E é isso que nos aguenta. Porque, se compramos no mercado nacional, estamos a falar de cinco vezes mais o valor do tubo de tinta. E isso encarece a pintura.
Temos empresários a apostar nas artes?
Temos. Cada vez mais vemos muita gente a coleccionar. Estou até estupefacto, parece que as pessoas estão a acordar de um grande sono. O que é muito bom para os artistas. Temos bancos, empresas de seguros, entre outros.
Quem compra a arte em Angola?
É muito subjectiva a pergunta. Quem compra arte é quem tem dinheiro, muito dinheiro. A arte não é uma coisa de classe baixa. É para o médio alto.
Como é que está o mercado?
Apesar de todos os males no país que temos, aqui vende-se arte. Na Europa, as vendas praticamente pararam, porque o mercado está saturado. Esse é um mercado novo, há novos coleccionadores a surgirem. Eu vivo da arte e vivo bem. Não sou rico, mas vivo bem.
Qual foi o quadro mais caro que já vendeu?
Não tenho memória. Sei que há bem pouco tempo vendemos muito.
Tem quadros que chegam os 50 mil dólares?
Tenho aí coisas nesse preço.
Sentiu os efeitos da crise?
Não senti. Os coleccionadores têm um apetite voraz. Sempre que estão chateados adquirem mais uma peça. Quem colecciona arte compra sempre. Mas também porque é um bom investimento.
O que é que significa à UNAP?
Desilusão. Desilusão de uma associação que não anda para frente nem para trás. Porque não tem gente à altura, gente que perceba de arte contemporânea, que saiba o que é. É a velha máxima ‘não se faz boas omeletas sem bons ovos’. Não têm salas de exposições condignas. Estão a fazer obras há qualquer coisa como cinco anos e não andam para frente nem para trás. E um indivíduo como eu tem que ser expulso, e fui expulso.
PERFIL
Nome - Hildebrando Teixeira Mesquita de Melo
Estado civil - Solteiro
Calçado - 41
Viagem de sonho - Angola
BCI fica com edifício do Big One por ordem do Tribunal de...