AS CONTRADIÇÕES DO PRESIDENTE
Há um rastilho de contradições e equívocos que fazem marca no discurso de João Lourenço sobre o combate à corrupção. O último, mais uma vez, foi confirmativo.
Comecemos pelas contradições. Na última terça-feira, o presidente do MPLA afirmou que o seu partido não pode passar mensagens erradas à sociedade quanto ao combate à corrupção. E proibiu os seus militantes de tomarem posicionamentos que interfiram ou influenciem as decisões dos tribunais. Curiosamente, ninguém no MPLA fez tanto quanto João Lourenço para condicionar a actuação da justiça. Em várias ocasiões e publicamente, o presidente do MPLA comentou processos específicos que se encontram na PGR e nos tribunais. Deu respaldo à narrativa da acusação e sentenciou antecipadamente os arguidos. Repita-se: não se trata das suas declarações genéricas. Mas de comentários concretos sobre processos específicos, colocando-se na condição de acusador.
No fundo, o próprio presidente do MPLA, se não violou, pelo menos ignorou repetidas vezes a presunção da inocência, postulado fundamental do Estado de Direito. Não é possível, pois, que João Lourenço nunca tivesse percebido que colocou, desde a primeira hora, procuradores e juízes em ‘saia justa’. Afinal a equação é simples. Se há uma narrativa de combate à corrupção, as instituições da justiça têm de apresentar resultados. O que significa promover processos, remetê-los aos tribunais e, se necessário, condenar, ainda que ao arrepio da própria Lei. É a subjugação histórica da justiça ao poder político que se mantém intacta. É a consequência da prática de actuação em rebanho que a longevidade e a hegemonia do MPLA criaram nas instituições do Estado. Porque só assim se entende que até juízes de tribunais superiores em algum momento se tenham esquecido do seu papel de árbitros e tenham subscrito publicamente o discurso do combate à corrupção.
Passemos agora para os equívocos. Na terça-feira, o presidente do MPLA também atacou os críticos do combate à corrupção por relativizarem frequentemente os reduzidos números de casos que envolvem figuras de relevo. Para Lourenço, os críticos ignoram que o processo começou há apenas dois anos e que já produziu mais do que o conjunto da governação de Agostinho Neto e de José Eduardo dos Santos. O problema real, entretanto, é outro. O que a crítica esclarecida questiona não são necessariamente os números. Mas antes a clara selectividade da agenda pelo menos em relação a figuras de topo.
Finalmente, um argumento enganoso para justificar a descapitalização do Fundo Soberano de Angola. Para o Presidente, o FSDEA não precisava de tanto dinheiro como lhe fora atribuído, sustentando que há fundos com muito menos e bem geridos. No entanto, nada disto faz o menor sentido. O Governo descapitalizou o Fundo para investir num programa com laivos eleitoralistas, ainda que defensável, o PIIM. Mas também, como se prevê, para financiar o Orçamento Geral do Estado. Isto significa que, por hipótese, se o país estivesse numa situação financeira confortável, a descapitalização do Fundo Soberano seria, no mínimo, incompreensível.
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