ANGOLA GROWING
Bessa Teixeira, cantor

“As crises estão sempre à espreita”

MÚSICA. Lamenta por serem apenas dois músicos a cantar no Huambo, onde “o sector da cultura nunca teve norte”. Bessa Teixeira aconselha o aperfeiçoamento do sungura e de outros estilos locais para não “sermos ‘engolidos’ pela concorrência”. Evita falar de política, mas assume que são os espectáculos do MPLA que o ajudam a ter “a panela sem greve”.

 

“As crises estão sempre à espreita”

Vive da música?

Não vivo da música. Mas há quem dependa dela, porém, com muitos sacrifícios porque há muitos altos e baixos. Esta arte é comparável a uma loja. Umas vezes temos lucros, outras, não. As crises estão sempre à espreita.

Quando pensa gravar um novo disco?

Estou a gravar músicas ‘tiro a tiro’, quer dizer, uma por uma. Colocamos no mercado até ganhar aceitação de patrocinadores. Mas isso passa por um grande exercício de marketing para que tenha credibilidade junto de patrocinadores. Porque os patrocinadores têm medo de perder e não ‘largam’ dinheiro para gravar logo à partida.

Como avalia a evolução da música angolana?

Nota-se algum crescimento. Há muitos miúdos a cantar e são bem-vindos para os desafios do futuro. Aliás, a cada dia envelhecemos, logo é preciso passar o testemunho às novas gerações. Tem algum filho a seguir-lhe o exemplo? Tenho uma filha com vocação, mas já está casada e o marido trava. De qualquer das formas, como tenho os mais pequenos, é provável que um deles venha a prosseguir o meu trabalho. Mas ainda estou apostado nos seus estudos. A idade está a avançar e não devemos deixar os filhos à deriva sem um princípio para a vida.

Porque no Huambo há poucos músicos no auge?

Não sei explicar. Eu e o Justino Handanga somos o trampolim. Fazemos esforços mesmo sem dinheiro. O dinheiro está difícil e reitero que é por isso que estamos a tirar as músicas aos poucos. Mesmo com essas dificuldades, já tenho em mãos um novo trabalho praticamente desconhecido, embora esteja a ‘rolar’ timidamente em alguns círculos da imprensa local, ‘Olobutão’, que significa botões. É baseada no quotidiano do cidadão do planalto central.

Canta apenas para o MPLA?

Também canto em casamentos e aniversários. De qualquer das formas, os convites do MPLA têm sido benéficos na minha promoção social.

Do ponto de vista financeiro…

Graças a esses convites socialmente estou a um nível médio.

É cantor do MPLA?

Negativo. Sou cantor de Angola.

Quanto ganha com os convites do MPLA?

Os preços são variáveis. Mas ajudam para evitar que as ‘panelas entrem em greve’.

Quantos ‘shows’ realiza por mês?

Em média, por mês, quatro a cinco. Durante o ano, são muitos convites, mas o problema é sermos apenas dois artistas do Huambo no auge.

Que conselhos dá aos novos talentos?

Devem envidar esforços para saírem da ‘casca’. Até já metemos vozes nos trabalhos dos ‘putos’, mas, infelizmente, muitas vezes, até músicas nossas não tocam.

Como os ‘mais velhos’ conseguem impor-se?

Viajamos para fazer marketing fora do Huambo. Entregamos os nossos trabalhos às rádios, temos amigos que são ‘disco jockeys’ e também jornalistas que têm dado muito apoio na divulgação da nossa música.

Qual é o seu estilo de música?

Canto sungura, que vem dos nossos antepassados contratados para as minas de ouro na África do Sul. Iam para as minas de Mkoti em Joanesburgo e ali permaneciam por dois anos. De volta, traziam gira-discos, com discos de sungura, lolwé e kilapanga. Os mais velhos gostavam muito do tipo de música. Também gostei e apostei. Com uma ou outra inovação, o sungura é mesmo o meu ‘fio’, está-me no sangue e não o largo.

Como vê o futuro do país?

Antes as coisas eram muito monopolizadas. Agora estão mais expansivas e até o carvoeiro tem uma palavra a dizer e dá conselhos que podem ser acatados.

Portanto, antes não se falava?

Falava-se, mas de uma forma muito limitada.

Há mudanças no estilo de governação, mas a vida agravou-se..

Quem diz que nada mudou em termos sociais essa crítica é válida. É a sua ideia. As pessoas dizem que a vida está cada vez pior. Isso é a crítica que mexe na ‘ferida’. É bom para que haja mudanças e as coisas melhorem. Uma só pessoa não consegue fazer tudo.

Como está a cultura no Huambo?

É débil. Nunca se prestou atenção aos fazedores de cultura. Vários governadores tentaram apoiar, mas os outros nem nos ligaram. Mas temos de convencer os governantes que somos os melhores para termos a igualdade nos ‘cachets’ entre artistas locais e os de fora.