“As empresas angolanas, em reorganização, deviam ser geridas por estrangeiros”
É a primeira grande entrevista em que ‘abre o jogo’ abertamente sobre os processos críticos que herdou na gestão da TAAG. Peter Hill, o britânico que gere a companhia aérea de bandeira, desde Setembro do ano passado, explica como desfez negócios “intocáveis” e por que razão apenas um estrangeiro seria capaz de tornar a TAAG numa empresa rentável. Mais ao fim, não deixou de mencionar a meta histórica de médio prazo: elevar as receitas ao nível das despesas da companhia.
Já se passaram 12 meses à frente da TAAG. Qual é o balanço possível?
É verdade. Foi há15 de Setembro de 2015 que eu e minha equipa, porque somos uma equipa, tomámos posse da gestão da TAAG. Entretanto, o plano de negócios que vimos executando, concebido pelo Governo em colaboração com a Emirates, para ser implementado nos próximos 10 anos, foi desenvolvido na primavera de 2014. Nessa altura, o país estava numa situação muito diferente, em relação à situação em que se encontrava em Setembro de 2015, quando tomamos posse, e que se arrasta até agora. Em 2014, o país ainda estava numa plataforma muito positiva. O petróleo ainda estava a vender perto de 100 dólares o barril e a vida era boa. Todo o mundo estava ansioso para mais expansão económica, maior desenvolvimento, mais investimentos, assim por aí. Passou-se um ano e a coisa toda mudou. E foi nessa altura em que assumimos a gestão da TAAG. Acho que não se poderia ter escolhido uma turbulência pior para assumir o comando.
Em que estado encontrou a empresa?
A empresa atravessa por um período de grande expansão. Novas aeronaves, novos equipamentos, foi removida da lista negra, de modo que novas rotas foram iniciadas e tudo caminhava a bom ritmo. Era assim há vários anos. Quando começámos a olhar para os livros, para o modo como a forma de gestão como foi concebida, tenho de dizer que foi uma confusão. Não necessariamente por culpa de alguém em particular, mas apenas porque estava fora de controlo. Por isso, tivemos de segurar e estabilizar o navio. Tivemos de analisar as contas, a organização e, basicamente, remodelá-la para tentar adequá-la ao que esperávamos que viesse a tornar-se uma empresa sólida. É o que temos vindo a fazer desde então.
Houve um atenção especial à questão financeira, certamente.
Reformulámos completamente a situação financeira da empresa. Agora podemos dizer, com segurança, que sabemos exactamente quem somos e que dinheiro devemos. Sabemos o que está no banco e sabemos para onde estamos a ir, em termos do nosso desempenho financeiro. Sabemos o que temos de aprovisionar, à medida que vamos para frente. É um quadro muito diferente do que herdamos. Agora recebo um extracto mensal das contas, verdadeiras e factuais. Estou muito confiante em que o Governo está muito feliz com isso, os nossos credores também, e, certamente, a equipa de gestão está confortável com isso.
Sentiu necessidade de manter algumas práticas anteriores, já que se trata de um negócio do Estado e que, por isso, encerra outras preocupações de cariz social, por exemplo?
Relativamente à organização, nós tivemos de racionalizá-la. Reconhecemos que isto é uma negócios do Estado, logo há pressupostos a manter. Há muitos trabalhadores na organização que não estão necessariamente nas posições adequadas. Temos de reconhecer isso e tomar as medidas adequadas para tentar ou retreiná-las ou mudá-las para outras áreas. São pessoas, digamos, complicadas. Não por culpa delas, mas, se calhar, por culpa da gestão anterior. De qualquer forma, não despedimos ninguém. A única coisa que fizemos, em termos de redução da força de trabalho, foi olhar para todas as pessoas que estão acima da idade de aposentadoria e certificar-se de que elas se aposentassem. Nem todo o mundo quer reforma, mas eu tenho a obrigação de criar espaço para as pessoas novas entrarem. Os mais jovens precisam de ser promovidos, é sua prerrogativa, seu direito e temos a certeza de que é possível.
Como primeiro PCA não-angolano, na história da TAAG, enfrentou resistência por esse facto? Ou terá sido pelas reformas que aplicou?
Esta não é a primeira vez que assumo um cargo, como estrangeiro. Estive em Omã, no Sri Lanka e fiz parte da equipa que fundou a Emirates. Logo, isso não é novo para mim e não o é para a maioria da minha equipa também. Em termos de TAAG, isso foi completamente novo. O pessoal ficou realmente um pouco preocupado que isso tenha ocorrido. Tive conversas com ministros e vários funcionários do Governo. É muito mais fácil para um estrangeiro chegar a uma empresa aérea, como a TAAG, e implementar políticas que realmente têm efeitos benéficos sobre o negócio. Elas podem até perturbar as pessoas em Angola, mas a pessoa encarregada de as realizar, no caso eu, não tem qualquer pressão que não seja a pressão de ser o CEO da empresa.
Deve depreender-se que a TAAG não avançaria com angolanos à frente?
Pelas razões que referi, é mais fácil para mim implementar a mudança, do que seria para um angolano. Porque o angolano seria pressionado por todos os tipos de pessoas e interesses externos. Quanto a mim, eu realmente tive a vida facilitada. Quando se coloca algum tipo de pressão de alguém do Governo para fazer determinada coisa, respondo: eu tenho um mandato do Presidente, que me diz que isso tem de acontecer como um negócio. Eu simplesmente indico isso, quando alguém me desafia, inquirindo por que faço isso ou aquilo. Quando lhes digo isso, eles recuam. E eu acho que isso é benéfico. Se quem estivesse sentado na minha cadeira fosse um angolano, acho que seria muito mais difícil para ele. Mesmo para mim, não é simples, mas eu não tenho essa pressão. Por isso, acho que empresas como esta, quando se estão a reorganizar, devem talvez trazer um estrangeiro por um período de tempo, apenas para assentar as coisas, nivelar a empresa, colocá-la num melhor curso, e depois devolvê-la a um angolano qualificado, para assumir o comando.
Recentemente, disse à imprensa que a TAAG conseguiu poupanças de 70 milhões de dólares em um ano?
Que despesas teve de cortar? Os 70 milhões de dólares é o montante que conseguimos economizar desde a nossa chegada. Na realidade, no total são 120 milhões de dólares, porque há ainda os 50 milhões de dólares que tivemos de aprovisionar para as contas deste ano e do ano anterior.
Como fizeram isso?
Tivemos de passar pente a tudo. Analisámos os contratos e a forma como estes foram concebidos. Será que precisamos de todos eles? Tínhamos contratos de consultoria em quase todas as áreas da nossa actividade. E eu perguntava-me: se eu tenho um gestor aqui que deve desempenhar a sua função, por que razão tenho um consultor sentado ao lado dele a fazer o mesmo trabalho? Ou o gestor faz o trabalho ou o consultor! Não preciso de duas pessoas para o mesmo trabalho. Era assim em toda a empresa. Por isso, tivemos uma grande racionalização em ambas as áreas. Ou dispensámos o consultor, o que foi invariavelmente o caso, ou dissemos ao gestor: se não é capaz de fazer, sinto muito, vamos ficar com o consultor até ao momento em que podermos colocar o nosso próprio funcionário e aí o consultor sair. Por conta disso, nesse momento, temos muito poucos consultores. Na verdade, a empresa gastava muito dinheiro com consultores, estamos a falar em milhões de dólares. Esse processo começou no topo e estendeu-se a todas as áreas: operações, finanças, tecnologias de informação, etc. Não conseguia acreditar na quantidade de consultores que trabalhavam para esta empresa. Essa foi a primeira coisa.
Houve mais?
Sim, os contratos com os fornecedores. Tínhamos todo o tipo de fornecedores, poucos bons, alguns não tão-bons e outros ainda inacreditáveis (risos..). Uso essa palavra “inacreditável” e deixo-o pensar o que pensar. Reavaliámos todos esses fornecedores, renegociámos tudo, até mesmo os bons. Novamente, houve milhões que foram poupados. A TAAG é relativamente uma pequena companhia aérea, mas há muitos anos que comprava coisas de que realmente não precisava. Temos grandes excedentes de equipamentos em todas as áreas. Estamos a tentar dispor de excessos, onde podemos, pelo menos as coisas de que não precisamos. Alguns desses módulos temos de viver com eles, outros tentamos eliminar. Não é uma tarefa fácil, mas estamos a tentar remover todos os processos duplicados e os processos excedentes que existiam. No fundo, analisámos os processos e emagrecemo-los. Assim, a gestão, de certa forma, ficou muito mais simplificada. Hoje, o pessoal vê o que é, enquanto, antes, tínhamos tantos processos na empresa, que era difícil saber o que era válido e o que não era. A redução dos processos permitiu-nos também encontrar maneiras de fazer com que muitas pessoas executassem diferentes tarefas muito melhor do que eram capazes antes. Deixou de fazer sentido, por isso, a quantidade de consultores que forneciam informações que não eram usadas. Foi-me dito, entretanto, que eliminar alguns desses contratos não seria fácil.
Por que razão lhe disseram isso?
Porque havia muitas empresas locais, agentes locais, todo o tipo de pessoas envolvido por trás desses processos, desses contratos. Eu respondia ‘ok’, mas o meu mandato é para cortar custos, sempre que for possível e é o que venho fazendo. E isso foi apenas uma vez, em todos esses processos, que me foi dito que havia processos intocáveis. A realidade é que as pessoas que me disseram que se oporiam, não se opuseram. E, no fim de contas, fomos capazes de sanear muita coisa, o que produziu enormes poupanças.
Voltando à questão dos recursos humanos. Admite a possibilidade de baixar salários?
Não necessariamente. Apenas racionalizar o trabalho, olhando para a taxa de trabalho no mercado actual. Muitas empresas estão a fazer isso agora. Quando não se está a ganhar tanto dinheiro quanto antes, tem de se certificar que a força de trabalho seja acessível. Se não for acessível, então tem de se fazer algo. Podemos ter de encontrar um mecanismo de oferecer um esquema de afastamento voluntário. Dessa forma, podemos ter de oferecer às pessoas um pacote de pagamento que vai encorajá-lo a pensar se quer ficar ou partir. Quem partisse seria devidamente compensado. Esta empresa já fez isso antes, certas posições foram eliminadas, mas depois foram recrutadas novamente. Não é muito inteligente fazer isso.
Sobre as rotas da TAAG, fala-se em algumas não rentáveis. Considera fazer cortes?
Há certas rotas que não têm sido rentáveis quanto gostaríamos que fossem. O voo para Cabo verde, por exemplo, leva 5,5 horas no meio do oceano Atlântico. É uma rota muito cara, pois custa-nos 2,5 milhões de dólares por ano, para transportar apenas, em média, 20 pessoas por voo. O 737 faz ida-e-volta com a carga toda. Falando claramente, não podemos dar-nos a esse luxo. Então, Cabo Verde vai sair da programação. Claro, que se o Governo nos disser: “queremos que mantenha o voo e estamos preparados para subsidiá-lo”, nós aceitaremos. Se o governo de Cabo Verde disser: “vamos dar-vos concessões, reduzir as taxas de aterragem, o custo do combustível, etc, etc, se chegarmos a algum tipo de assistência, vamos continuar a rota como um serviço público. Mas, até lá, as pessoas que me desculpem, a empresa tem de ganhar dinheiro.
E voos domésticos são rentáveis?
Não sei. Têm o seu custo, digamos assim. Estamos a operar uma abrangente rede de voos domésticos, melhoramos um pouco nos horários. Alguns desses voos têm ligação com as rotas que deixam Luanda para outros destinos, como Lisboa. Lisboa é muito popular na nossa rede, por isso é útil que alguns desses voos conectem, para que possam fornecer mais ligações a Lisboa e Porto e vice-versa. Realmente, tivemos de analisar a programação nacional e internacional e é curioso notar que, se olharmos para as rotas internacionais, o que acontecia era que os voos são Angola para outros lugares, e de outros lugares para Angola. Não é esse o potencial de Luanda. Luanda é um ponto importante e estratégico para os serviços aéreos ao sul do Sahara e precisamos aproveitar isso. Por outras palavras, precisamos trazer os voos provenientes da América do Sul, Europa, China, que liguem Luanda a outros pontos em África, de modo a que pessoas viagem de uns destinos para outros e possam usar os nossos voos para isso. Isso é algo que nunca foi feito antes.
Porquê?
Primariamente, é preciso ter um visto para transitar por Angola. Quando chegámos aqui, reunimo-nos com oficiais do departamento de migrações, altos funcionários ministeriais e dissemos-lhes: “olhem, Luanda é uma potencial placa giratória, não precisam pedir vistos a quem entra em Angola”. E eles concordaram e estão a eliminar a maior parte dos vistos de trânsito para as pessoas que apanham voos de ligação dentro de 24 horas, e os resultados do sucesso já são significativos. Embora o mercado angolano não cresça de momento, estamos a conseguir trazer os clientes dos mercados ao redor, o que aumenta a nossa carga dentro e para fora de Angola em voos internacionais. Por exemplo, quando, em Março ou Abril, começámos a ligar Joanesburgo e Cidade do Cabo, para os nossos voos para Lisboa e Porto, tínhamos 6,7 passageiros. Seis meses depois, estamos receber entre 80 e 90 passageiros que vêm através daqueles destinos que conectam com o nosso voo para Lisboa e Porto. Neste inverno, ligaremos para o nosso voo para o Brasil, Havana e talvez Dubai. São essas coisas que irão aumentar o nosso negócio daqui para frente. E isso permitiu-nos manter voos diários duplos para Portugal todo o tempo, mesmo no Inverno, quando, no passado, teríamos de reduzir o número de frequências nessa altura, por falta de demanda.
Onde vê a TAAG chegar sob sua capitania?
A Emirates tem um contrato de gestão de 10 anos aqui. Eu, provavelmente, vou estar aqui por mais dois anos, mais ou menos. Até agora, financeiramente esperamos, pelo menos, atingir o ‘breakeven’ no momento em que sair. Isso é um grande passo, porque esta empresa nunca o fez ao longo da sua história. Em segundo lugar, queremos construir a marca para que as pessoas olham para a TAAG como uma das transportadora aérea líderes em África. Esse é o objectivo. Se vamos ser capazes de o alcançar, vamos ver... De qualquer forma, vou recebendo declarações positivas de muitos dos nossos clientes regulares que estão a notar diferenças. Os voos são muito mais pontuais do que eram no passado. O interior da aeronave é muito mais limpo, muito melhor do que eram. O serviço de chão começou a funcionar melhor. Não é o ideal, porque não estamos a operar num aeroporto ideal. É um muito congestionado aeroporto, lotado. Mas tentamos melhorar os processos que controlamos tanto quanto podemos. O que gostaria de ver em três anos é as pessoas dizerem: “Há aí o voo da TAAG? eu vou com a TAAG”, enquanto, no passado, era: “TAAG? que outra companhia também vai?”
Peter Hill, britânico de nacionalidade, é um consultor internacional de empresas de aeronáuticas, com especialidade em ´tart-ups’ aéreos e ‘rebranding’. No seu longo ‘currículo aéreo’, constam os cargos de PCA das linhas aéreas de Oman, (2008-2011), Sri Lankan Airlines (1999-2008), além de várias consultorias prestadas a FlyDubai, GM Commercial. É membro fundador da Emirates, a companhia que o trouxe à TAAG.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...