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EUSÉBIO DE BRITO TEIXEIRA, GOVERNADOR DO KWANZA-SUL

“As políticas do Estado não estão mal encaminhadas, estão mal combinadas”

Assume-se como um opositor à dependência das importações, considerando-as “irritantes”. Por isso, defende uma séria aposta na pecuária e na agricultura, sobretudo no “nosso grande petróleo”, o café. Eusébio de Brito Teixeira critica o Estado por optar por políticas “mal encaminhadas” e “mal combinadas”, em que “um diz uma coisa e o outro faz outra”. O governador do Kwanza-Sul ameaça ainda confiscar as terras que não estejam a ser aproveitadas, mesmo as que pertencem a dirigentes do MPLA e governantes.

 

“As políticas do Estado não estão mal encaminhadas, estão mal combinadas”

Qual é a estratégia para impulsionar a economia da província numa altura de restrições financeiras?

Orientámos as nossas atenções na tomada de medidas administrativas, visando o aumento das receitas fiscais. Estamos alinhados com o Governo, no sentido de direccionar os poucos recursos disponíveis para sectores prioritários e indispensáveis ao desenvolvimento e bem-estar da população.

E quais são esses sectores?

A agricultura, que é a grande base do desenvolvimento da província. Depois, temos as pescas, energia eléctrica e águas, turismo e a extracção mineral.

Quando fala em extracção mineral, a que se refere concretamente?

Estou a falar de águas gaseificadas, gesso, cimento, quartzo, fundamentalmente. Mas temos também diamantes, no Mussende, de origem aluvionar que são explorados de forma tradicional, uns de forma ilícita, outros oficializados. Mas esta não é a nossa prioridade. A grande base económica da província são agricultura e a pecuária.

Há projectos agro-pecuários? Qual é a relevância destes na económica local?

A avaliação que fazemos é positiva na medida em que esses projectos contribuem não só para abastecer o mercado local, mas também para o nacional, em hortofrutícolas, tubérculos, lacticínios, leguminosas e cereais. Somos polivalentes nisso, mas precisamos de apoiar essa produção, sobretudo o sector camponês, que tem mais debilidades em termos organizativos.

E o que se está a fazer, em termos concretos, para potenciar esse sector camponês?

Para uma agricultura sustentável, a primeira coisa que fizemos, ao assumir a direcção da província, foi a reabilitação das antigas valas de irrigação por gravidade, paralisadas há 40 anos. Entre outras, recuperámos as do Kissute, Cauembe, Zâmbia e Maria Helena. Ainda neste domínio, existe um ambicioso projecto na Hamba, submetido ao Ministério da Energia e Águas, de fornecimento de água para a agricultura e pecuária ao Porto Amboim. Já foram feitos estudos e falta apenas o concurso público.

Pode quantificar a produção do sector empresarial?

Não tenho ainda números, mas, em termos de produção empresarial, no grande corredor de cereais e leguminosas no país, o Kwanza-Sul é o mais forte. Existem fazendas no corredor Libolo/Quibala/Cela, Cassongue e Mussende. Na Quibala e Cela, há fazendas com mais de mil hectares irrigados. Se o mesmo esforço for implementado em Benguela, Huambo, Bié e Huíla, não precisaremos mais de importar milho porque, em conjunto, poderemos atingir acima de 12 milhões de toneladas anuais necessárias para o consumo interno e para a exportação.

Comenta-se que há fazendas entregues a importantes figuras do MPLA e do Governo que não as conseguem rentabilizar...

Temos alguns dirigentes que receberam fazendas e não produzem. Mas outros, que não são dirigentes, produzem bastante. Refiro-me, por exemplo, às fazendas Santo António, Cambondo, Agrolider e Refriango. Todas na Quibala. Produzem cereais e leguminosas para ração e alimentação. Na Cela, a AgroWaco produz muita batata e o projecto agro-pecuário Aldeia Nova é forte em lacticínios e produção de ovos. Logo, esses projectos implantados na província têm um impacto positivo, sobretudo, na redução do desemprego.

O que vai acontecer aos fazendeiros que não produzem?

Vamos tomar medidas com pesadas multas e, se não conseguirem pagar, entregamos a pessoas com capacidade de trabalhar. Quando é para fazer agricultura, temos de mudar de vida, não é viver em Luanda e depois dizer que estamos a desenvolver a agricultura.

Quantos postos de trabalho foram criados pelo sector empresarial?

Não tenho, neste momento, números de todos os projectos, mas, só na Agrolider, pelo menos, mil jovens, na sua maioria da Quibala, têm ali o ganha-pão. No entanto, a província conta com 310.283 agricultores e 3.749 empresas catalogadas, que dispõem de 1.777.328 hectares. Desta área concedida apenas 25% é explorada.

A agricultura é o ‘cavalo de batalha’ para reduzir as importações?

Tenho dito, na brincadeira, que ‘o petróleo tem nome e está quase a acabar’. Ali não cabemos todos. Consome mão-de-obra qualificada. Os diamantes também. Mas, na agricultura, revemo-nos todos e garante a renda das famílias. Com empenho, podemos acabar com a importação de milho, feijão, batata, cebola, tomate e alho. O Governo deve tomar medidas para impedir a importação e estimular a produção desses produtos ao mesmo tempo que se devem criar pequenas unidades de comercialização e transformação na origem, entrepostos de conservação e silos. É preciso também resolver o problema das vias secundárias e terciárias para o escoamento dos produtos. Para o sucesso destas políticas, acima de tudo, é preciso valorizar a produção do camponês.

“IMPORTAÇÕES QUE ENGORDAM”

Há condições para se evitarem as importações em alguns domínios, mas continuamos a consumir muita cebola e batata da África do Sul ou alho da China. Qual é a razão?

São as políticas do Estado.

Estão mal ‘arrumadas’?

Não estão mal encaminhadas, estão mal combinadas. Um diz uma coisa e o outro está a fazer outra. Um diz que produz, mas o outro passa licença para importar porque as importações ‘engordam’ mais no bolso a curto prazo.

Há quem diga que os sul-africanos se riem das nossas fraquezas?

Sim, porque estudam as nossas estratégias e antecipam-se, oferecendo grandes quantidades a preços de importação baixos em relação à produção nacional. Mas temos de melhorar, pôr mais técnicos no campo e dar mais atenção às pequenas unidades de transformação. Cada província devia ter um pólo de desenvolvimento agro-industrial para não ter de levar tudo para Luanda. As estratégias devem ser definidas pelo Estado e o sector privado deve concretizá-las. Frustra o camponês quando ele produz e, depois, a sua produção fica deteriorada por falta de escoamento e aproveitamento.

Na indústria de transformação, a reabilitação da Caima - grande moageira de fuba de milho da Quibala - não entra nas vossas contas?

Esta unidade de produção já tinha sido alienada sem sucesso. Agora tem de ser entregue a quem tenha capacidade.

O caminho-de-ferro do Amboim é para esquecer?

Consta do programa do Ministério dos Transportes a reabilitação desse troço ferroviário até 2025 para ligar ao CFB, no Huambo, e ao Caminho-de-Ferro de Luanda.

Onde ficam as zonas de maior actividade pecuária?

Porto Amboim e Sumbe são dois municípios com muito potencial bovino e caprino.

São essas valências que elevam Porto Amboim à capital económica do Kwanza-Sul?

Há outras valências, como a indústria de apoio ao sector petrolífero.

A Peskwanza que dava ‘vida’ ao município está ‘moribunda’…

Esse é o verdadeiro estado dessa empresa de pesca e congelação. Devia potenciar a província em termos de fornecimento de pescado e marisco, mas, com a crise, sofreu um forte abalo e praticamente está paralisada. A ponte cais encontra-se em avançado estado de degradação, não há embarcações, mas algumas baterias de congelação funcionam. Pode ser reabilitada, porém trata-se de uma unidade de produção de âmbito central que depende directamente do Ministério das Pescas e do Mar. A nossa proposta é que seja privatizada a favor de alguém com capacidade de desenvolver a actividade piscatória e que contribua para o relançamento da economia da província.

Porque as ruas da cidade do Sumbe não são reabilitadas há vários anos?

Em Outubro de 2012, quando cá cheguei, procurei saber do estado da cidade e havia um projecto de infra-estruturas integradas do Sumbe, Porto Amboim e Gabela que não tinha sido aprovado. Fui em busca do projecto ao Ministério da Construção e fiz diligências junto do ex-Presidente da República. Pedi-lhe apoio institucional para o andamento das obras e estas arrancaram em 2013 pela Odebrecht. No início de 2014, por causa da crise, paralisaram sem o nosso consentimento. No segundo semestre, aumentou a crise e a Odebrecht teve problemas sérios. Fizemos novamente ‘démarches’ junto do ex-PR e forçámos a rescisão do contrato com a Odebrecht para uma outra empresa chinesa. Antes da pré-campanha, em 2017, a empreitada foi entregue a chineses e já foram pagos 15%. Fizeram-se algumas correcções, mas as obras abrandaram por falta de dinheiro.

Qual é o valor da obra?

Quando foi lançada, o valor estava estimado em 81 milhões de dólares. As pessoas criticam porque as vias da urbe continuam degradadas. Trata-se de um projecto de âmbito nacional. O dinheiro escasseia, mas estamos esperançados de que os trabalhos retomem à luz do novo empréstimo financeiro chinês ao Estado angolano.

A estrada circular que o Presidente João Lourenço prometeu, durante a campanha eleitoral, já arrancou?

Arrancou e até mudámos de traçado de 25 quilómetros. A aceleração desta obra também depende do financiamento chinês.

Por que razão as casas da ‘Nova Centralidade do Sumbe’ não são entregues aos beneficiários, quando se sabe que os apartamentos estão há muito concluídos?

É também um projecto de âmbito central. Faltam alguns pormenores técnicos, como acessos, água e reforço da energia e depósito de resíduos sólidos. São 250 apartamentos, 156 lojas e acreditamos que, no próximo ano, serão entregues aos inquilinos que a elas se candidataram.

Na ‘batalha contra a corrupção’, muitos dizem que o Governo está a dar o ‘tiro no próprio pé’. Concorda?

O MPLA é o partido que sempre governou o país. É um mal que afecta o desenvolvimento económico e, por isso, deve ser energicamente combatido. Um combate dentro do partido e do Governo.

“Temos de plantar paras as próximas gerações”

Como está a produção de café?

Fala-se da diversificação económica e o café deve voltar a ocupar o seu lugar. Este foi e deve ser o nosso ‘grande’ petróleo, que é preciso recuperar e ajudar na arrecadação de divisas que fazem falta aos cofres do Estado para alavancar outros sectores mais carenciados. O café é uma cultura tradicional desta região tanto a variedade ‘robusta’, como ‘arábica’. Recentemente, tivemos uma reunião na Gabela com quadros do Ministério da Agricultura, onde discutimos intensamente a necessidade do relançamento do café e a produção do palmar, que também foi uma cultura importante. O café sempre foi destaque na Gabela e contribuiu, em grande medida, para o crescimento do município e da província. A Gabela sempre teve muita circulação monetária e, logicamente, um papel de relevo na economia local. Aliás, o Sumbe cresceu com dinheiro do café. Vamos também, numa fase experimental, avançar com a produção de cacau.

Mas, em números, as safras do café são insignificantes...

Não levo números, isso é tarefa dos técnicos. Gosto mais de falar de estratégias, ou seja, de políticas para alavancar a produção. Sabemos que já existe uma produção com alguma expressão, mas é preciso estimular o produtor. Os preços praticados pelos compradores não estimulam o produtor, porque não cobrem os custos de produção. Os interessados na plantação de café devem ter acesso aos bancos, porque é uma cultura com uma produção de longo ciclo que varia de três a cinco anos. De forma geral, temos disponíveis 20 mil hectares para a produção do café. E estamos a fornecer mudas. Podemos voltar a ser grandes produtores de café e fica aqui o apelo a quem queira investir neste sector. Demora a colheita depois de plantar, mas são 25 a 40 anos de produção do ‘bago vermelho’. Temos de plantar para deixar para as outras gerações.