As prioridades que afinal nunca o foram
Por muito que se mantenha a narrativa política e judicial, o pretenso combate ao saque ao erário ficou formalmente comprometido nas últimas semanas. Pelas palavras de João Lourenço, o país acabou oficialmente esclarecido sobre a razão de o seu Governo, até hoje, não ter apresentado uma estratégia integrada, tão exigida por alguma crítica relevante.
Os factos são de fácil leitura. Um projecto para levar a sério incluiria a obrigatoriedade de os titulares de cargos públicos apresentarem publicamente o seu património. Para que, em termos simplificados, os contribuintes passassem a saber com quanto determinados angolanos assumiam a gestão da coisa pública e com quanto saíam da gestão da coisa pública. O escrutínio dos órgãos de justiça, da comunicação social e da própria sociedade estaria mais facilitado. Seria um tremendo e inequívoco gesto de luta pela transparência na gestão daquilo que a todos pertence. E não é a primeira vez que o dizemos. Não menos crucial, um plano a sério implicaria também que o combate ao saque integrasse as prioridades incontornáveis do Governo, tão históricos e endémicos são os níveis da roubalheira em Angola.
Ora, a verdade é que João Lourenço afinal tem outro entendimento. Não quer nem uma, nem outra coisa. O Presidente não aceita que os servidores públicos divulguem os bens, porque, pelo conhecimento que tem de democracias, isto seria uma invencionice à angolana. Da mesma maneira, o Presidente também acredita que a maioria dos angolanos, senão todos, ou são surdos, ou o entenderam mal nos últimos quatro anos e meio. Ou seja, a contar da campanha eleitoral. Porque, em boa verdade – revela-nos agora o Presidente –, ele nunca disse, tão-pouco sugeriu que o combate à corrupção fosse o seu cavalo-de-batalha. Mas antes a diversificação da economia.
Retomando a ideia com que começou o texto, as palavras do Presidente, no fundo, limaram algumas arestas. Como a inquietação sobre o facto de, apenas no último ano do mandato de João Lourenço, o ministro de Estado e chefe da Casa Civil se ter referido, pela primeira vez, à elaboração de uma suposta estratégia integrada de combate à corrupção. Resta agora saber, a poucos meses das esperadas eleições, se João Lourenço vai mudar de ideia e apresentar a estratégia prometida por Adão de Almeida na campanha eleitoral; se vai manter-se fiel à última revelação de que não é nada prioritário combater o saque; ou se terá a coragem de dizer aos angolanos que pode continuar a combater a corrupção ‘às escondidas’.
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