AS RAZÕES DA IGREJA CATÓLICA
Qualquer indivíduo ou entidade que defenda, como última causa, a luta pela justiça e pela dignidade do homem pode e deve intervir contra tudo o que represente o sequestro do Estado e a má governação. Independentemente da sua actividade, do espaço geográfico e das circunstâncias históricas, políticas e sociais.
O jornalismo, por exemplo, através do seu papel de intermediação, assume necessariamente uma função regulatória que tem como último propósito a luta por sociedades mais justas. É desta forma que os jornalistas que compreendem os fundamentos filosóficos do jornalismo encaram a profissão. Em última instância, é por isso que se debatem e não raras vezes se expõem conscientemente a riscos com custos nefastos.
A igreja posiciona-se necessariamente nesse prisma. Na sua vocação primária de divulgação da palavra divina, está incontornavelmente a construção de uma humanidade mais justa. Ainda que historicamente, e até no presente, a actuação da igreja esteja preenchida de registos contraditórios, a sua última razão filosófica é a formação de um homem justo e de bem. E este processo é indissociável da procura incessante por governantes que defendam a vida e a dignidade humanas e que respeitem os interesses e a riqueza que a todos pertencem.
É neste quadro que devem ser percebidas as críticas duras da Igreja Católica contra o poder em Angola. O mesmo sucede até em sociedades democraticamente maduras ou mesmo quando vemos lideranças da Igreja levantarem-se contra a passividade de organizações transnacionais em certas matérias. Nesses casos, a laicidade do Estado não é encarada como pretexto racional para impedir a intervenção da Igreja. Até porque, se assim fosse, o Papa Francisco já teria precipitado várias crises diplomáticas entre o Vaticano e algumas potências mundiais e não só. Senão pelo seu posicionamento claro contra a fome global, seria pela sua crítica aberta às práticas que promovem a destruição do ambiente e as guerras entre povos.
Em Angola, o entendimento da Igreja Católica parece claro. No pós-guerra, as razões da pobreza extrema e dos conflitos sociais e políticos radicam na luta insana pela manutenção do poder e na cristalizada privatização do Estado. E, quanto a isto, não há dois culpados. Quem quer manter o poder a qualquer custo é o MPLA. Quem consolidou a transformação do Estado na extensão do seu quintal é o MPLA. Qualquer angolano sabe disso pela forma como a justiça e os órgãos eleitorais se mantêm sequestrados. Pela agravada partidarização da comunicação social pública, enquanto instrumento de propaganda e de ataque aos adversários do MPLA. Mas também pela maneira como os monopólios e privilégios beneficiam as ‘novas’ famílias à volta do poder.
Denunciar este estado de sítio com veemência não é imiscuir-se na política partidária, ainda que, inevitavelmente, o poder se sinta tocado. É antes expor as reais causas da nossa desgraça. É apontar o que, de facto, deve ser corrigido para a construção da almejada Angola. E a Igreja, assim como o jornalismo, tem e terá a sua palavra. Sobretudo enquanto as demais forças que propiciam o equilíbrio se mantiverem atrofiadas e aprisionadas.
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