Atraso na disponibilização de verbas paralisa obras do PIIM
INVESTIMENTO PÚBLICO. Empresários consideram valores de contrato “inadequados” para darem sequência às obras. Na falta de actualização, há quem equacione a rescisão de contratos.
Dezenas de obras do Programa Integrado de Intervenção dos Municípios (PIIM) estão interrompidas por atraso nos pagamentos por parte do Ministério das Finanças, de acordo com depoimentos de vários empreiteiros que salientam existir, até ao momento, alguns que só receberam os 15% de down payment, pagos em Maio último.
Waldemar Julião, responsável da empresa EM ACAB, encarregue da construção de duas obras no município do Virei, no Namibe, é uma destas vozes. Uma das empreitadas é a construção da esquadra de polícia municipal, avaliada em 180 milhões de kwanzas, dos quais não recebeu nada, apesar de ter assinado o contrato. A outra é a construção de três bebedouros para o gado, avaliados em 9 milhões de kwanzas, dos quais recebeu 15% em Maio. O empreiteiro teve, entretanto, de injectar recursos próprios para começar a executar a obra dos bebedouros, porque o avanço recebido do Ministério não foi suficiente. Ainda, confessa, teve de paralisar a obra para não acumular “elevados” custos. “O acesso é difícil. Para levar uma escavadora até lá, o valor é três vezes superior aos 15% pagos. Há várias necessidades, desde a montagem de estaleiro à logística alimentar. Este é um grande constrangimento, fez-se o pagamento em Maio e, de lá para cá, não se fazem outros pagamentos”, lamenta.
A obra dos bebedouros teria duração de apenas 45 dias e, de acordo com o contrato, o pagamento de outra prestação seria executado depois de 15 dias da primeira (feita em Maio), mas, passados quase sete meses, o acordo não foi cumprido. Waldemar Julião começa já a ter, por isso, outras preocupações relacionadas com o câmbio, o que o levou a propor a actualização dos valores do contrato. E não descarta a possibilidade de rescisão, caso o Governo não venha a concordar. “O saco de cimento, na altura da assinatura do contrato, estava 1.800 kwanzas na fábrica, agora custa 2.200 kwanzas; o varão de 12 estava a 3.600 kwanzas, actualmente custa quase 7 mil; já o mosaico de qualidade custava 20 mil kwanzas, agora está a 38 mil. Ou temos de nos desfazer do contrato ou temos de remediar, como muitas vezes acontece, fazendo coisas com péssima qualidade”, justifica, acrescentando que a administração do Virei tem referido que já fez a sua parte. “Falta é as Finanças cabimentarem as verbas na conta das empresas”, insiste.
A andar pelo país a fiscalizar obras, o engenheiro civil Óscar Kinganga confirma que várias obras se encontram paralisadas pela falta de pagamento. E aponta a morosidade como a “grande debilidade” do programa. “O erro no PIM está no atraso nos pagamentos. Os autos entram de 1 a 10, a resposta seria de 10 a 20. Mas o empreiteiro fica 40 a 60 dias sem receber nenhum valor, isso dificulta o andamento da obra, tendo em conta a inflação”, explica.
A esta dificuldade, enumera Kinganga, os empreiteiros arcam “grandes despesas” com o pagamento de salários e impostos, compra de materiais, manutenção das máquinas e com a criação de condições de biossegurança, higiene e segurança no trabalho.
Quem também apresentou reticências sobre o PIIM é um empresário do sector da construção que, recentemente, fez parte de uma comitiva do MPLA que visitou diversas obras, classificando mesmo a situação “como uma brincadeira, um autêntico fiasco”. “É um programa falhado, encontramos muitas obras que não passaram dos alicerces e já estão praticamente abandonadas, via-se que os empreiteiros só foram para lá porque foram avisados da visita”, explica o empresário, sob anonimato.
Chineses “maisprivilegiados”
Mateus Silva está a fiscalizar a construção de duas escolas no município do Bungo, Uíge, sendo uma de 12 salas, avaliada em 150 milhões de kwanzas, e outra de sete salas, orçada em 78 milhões de kwanzas. Segundo o fiscal, os empreiteiros angolanos retomaram as obras há um mês, após a paralisação forçada pela falta de pagamentos. E, neste momento, discutem com as autoridades a actualização do contrato, devido à “subida vertiginosa” dos materiais.
Quem, entretanto, não suspendeu as obras, apesar da falta de pagamentos desde Maio, são as empresas chinesas. E, para Mateus Silva, a explicação está na “robustez financeira” destas empresas, ao contrário das concorrentes angolanas que se encontram descapitalizadas.
O VALOR tentou, sem sucesso, o esclarecimento do Ministério da Finanças. Todavia, em declarações a este jornal em Julho, o departamento gerido por Vera Daves explicou que o Governo havia aprovado o Decreto Executivo nº 167/20, de 27 de Maio, com o objectivo de “atenuar os impactos negativos que a desvalorização do kwanza e a inflação poderiam causar à execução do Programa”. A ideia, segundo precisou, passava por repor o “equilíbrio económico-financeiro” dos contratos associados ao PIIM. “Assim, em caso de desequilíbrios financeiros que fundamentem os pedidos de alteração dos Contratos Públicos em vigor, e de forma a garantir a celeridade na execução do PIIM, as Unidades Orçamentais devem proceder nos seguintes termos: O reequilíbrio económico-financeiro dos contratos públicos devem atender aos aspectos concretos de cada contrato, em função das suas características e especificidades”, detalhavam as Finanças. O Ministério lembrava, entretanto, que a moeda de referência para a execução dos contratos públicos, no âmbito do PIIM, era o kwanza, e que não era permitida a indexação do valor dos contratos ou dos seus pagamentos a uma moeda externa, “salvo as excepções que resultarem da avaliação das especificidades”. “O reequilíbrio dos contratos PIIM deve ser feito, tendo em consideração o valor global do plafond de financiamento atribuído a cada Unidade Orçamental”, esclareceu.
Na ocasião, o Ministério das Finanças garantiu que “o trabalho exaustivo que tem sido feito é no sentido de garantir o sucesso e a execução eficiente do plano”, sublinhando que “todo o trabalho está a ser feito, em articulação com as administrações municipais e governos provinciais que estão ‘in loco’ a assegurar a sua prossecução”.
Lançado o ano passado, o PIIM está estimado em dois mil milhões de dólares provenientes do Fundo Soberano de Angola (FSDEA) e deve abranger os 164 municípios do país.
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