EUA NÃO QUEREM TRANSFERÊNCIAS DE ANGOLA

Bancos angolanos ‘impedidos’ de movimentar dólares para o exterior

TRANSFERÊNCIAS. Por falta de correspondentes bancários americanos, Angola só pode efetuar transferências de dólares via Europa. Esta última porta também está a fechar-se.

 

Um a um, os poucos bancos ocidentais que ofereciam serviços de correspondentes para pagamentos em dólares foram-se retirando do país, após serem notificados por reguladores internacionais sobre riscos associados a questões de ‘compliaence’.

O Standard Chartered foi o último a “fechar tudo”, no ano passado, seguindo as pegadas do Citi Bank e do HBSC que deixaram Luanda muitos anos antes.

“O Standar Chatered tem capital empatado no país, porque não consegue tirá-lo. Neste momento, fechou todas as contas dos bancos comerciais e mantém aberta apenas a do BNA”, revela um alto funcionário de um escritório de representação de um banco internacional que, de seguida, explica os contornos do processo. “As divisas movimentam-se através de bancos correspondentes e o problema destes é que o regulador responsabiliza os intermediários pelas operações dos seus clientes, ou seja, os bancos têm de ‘conhecer os seus clientes’, procedimento que se designa por ‘know your customer’ em inglês.” Segundo detalha, mesmo com os filtros electrónicos, “é impossível o banco internacional responsabilizar-se por todas as operações vindas de qualquer parte do mundo e confirmar que esta ou aquela transação que ajudou a operacionalizar não tem nenhum vínculo com branqueamento de capitais ou financiamento ao terrorismo”. A alternativa, neste caso, passa por perguntar aos bancos que operam como correspondes detalhes da operação e de quem a realiza, processo que acarreta custos e riscos elevados e que, por isso, os bancos preferem declinar.

Como consequência imediata, os operadores nacionais ficaram impossibilitados de movimentar divisas directamente com os Estado Unidos, passando a fazê-lo através de correspondentes europeus, muitos dos quais, na realidade, filiais de bancos angolanos, como o BIC Portugal, o BAI Europa ou o Atlântico Europa.

Bancos portugueses com ligações a Angola, como o BPI, também engrossam a lista das alternativas. “Mas sempre que esses agentes pretendem transacionar em dólar têm de fazê-lo inevitavelmente por meio de um banco de Nova Iorque”, explica outra fonte, também alto funcionário de um banco internacional no país. E por conta disso, revela, os bancos norte-americanos começaram já, há algum tempo, a notificar os bancos portugueses e sul-africanos de que não querem mais operações de origem angolana. “Eles (bancos norte-americanos) dizem: nós continuamos a ser correspondestes vossos em dólares, mas não queremos operações de origem angolana”.

 

“De-risking”

Em 2014, os bancos internacionais apanharam um susto, com a imposição da pesadíssima multa de nove mil milhões USD ao BNP Paribas por ajudar a violar sanções financeiras impostas a Cuba, Sudão e Irão. Anos antes, o HSBC foi multado ‘apenas’ em 1,9 mil milhões de dólares por reguladores norte-americanos numa investigação de lavagem de dinheiro. Há alguns em vigor nos Estados Unidos, o de-risking – sistema que consiste na eliminação de todo o risco, já que não é possível conhecer todo o cliente – está agora a ser adoptado na Europa, para impedir essas situções. “Os bancos internacionais passaram a fazer contas e concluem que os lucros nos negócios com Angola não compensam os riscos”, analisa a fonte do VE.

 

GAFI

Até há pouco tempo, as questões de ‘compliance’ “não eram levadas a sério no país, sendo vistas apenas como custos”, segundo uma das fontes do VE. “Com a publicação da lista cinzenta do GAFI, passa a ser urgente a implementação da legislação adoptada”, alerta, destacando a necessidade do foco do banco central no tema. “A Nigéria, por exemplo, tem comité de ‘compliance’, realiza workshops, convida bancos estrangeiros para divulgar o que faz fazer, têm assistência técnica do FED, do Treasury, e têm a vantagem da língua”, enumera, comparando. “Já Angola está muito focada no mundo lusófono, sem se pôr a par do que se passa no mundo anglo-saxonico”.