BATOTAS DE CAMPANHA
O apito soou agora oficialmente no Cuando-Cubango. A campanha eleitoral do MPLA, que, em certa medida, nunca parou, foi lançada na última semana com a apresentação da sua agenda política. Foi um lançamento com estrondo que visou, antes de mais, abalar a concorrência. João Lourenço usou o momento para, enquanto presidente do MPLA, comunicar o aumento do salário mínimo e o ajustamento dos ordenados da função pública. O anúncio posterior da fixação do aumento num limite máximo de 50% deve levar, entretanto, o trovão do Cuando-Cubango a fazer algum ricochete. Dizem os sindicalistas das associações mais expressivas que, na verdade, foram pegos de surpresa. Nas declarações prestadas ao Valor Económico, garantem que o Governo anunciou os aumentos sem fechar as negociações que conduzia com os sindicatos. É como se o Governo lhes tivesse feito uma ultrapassagem pela direita, como se diz por cá na gíria dos automobilistas. Ou, conforme slogan adoptado pelo próprio MPLA, os sindicatos ‘só assustaram já está’. O problema para o poder é que os sindicalistas prometem dar luta e recusam peremptoriamente a oferta de 50%, quando têm na manga uma contraproposta acima dos 360%.
Noutro movimento com sabor a campanha, o Governo decidiu avançar com as compras para a Reserva Estratégica Alimentar, sem consultas prévias a operadores nacionais relevantes. Pelos menos é o que se fica a saber agora com revelações que este jornal traz neste número. Destacados produtores de sal, por exemplo, asseguram que a equipa de João Lourenço jamais se dignou ouvi-los sobre a matéria. Isto mesmo apesar de terem em stocks quantidades muito superiores às necessidades da primeira fase da Reserva Estratégica. Tão grave quanto isto, os produtores atestam que não sabem de qualquer plano do Governo quanto à alimentação da Reserva, muito menos lhes é dada informação sobre se efectivamente está a ser importado sal e em que quantidades. Embora com menos acutilância, reclamações parecidas ouvimo-las também de produtores de milho. Assim como no sal, declaram ter produção suficiente para cobrir parte significativa das necessidades da Reserva Estratégica.
Verdade ou não, até porque há uma desconfiança generalizada nas estatísticas oficiais e oficiosas sobre a produção nacional, o facto é que o Governo, mais uma vez, é acusado de não ouvir ninguém. Ou melhor, de ignorar com prepotência os produtores que alega defender, estando em causa um tema vital para a sobrevivência destes. Note-se que, só em Benguela, há um produtor que dá a cara e reclama ter armazenadas 50 mil toneladas de sal, praticamente o dobro das necessidades da Reserva Estratégica nesta fase.
Lançados também como trunfos de campanha eleitoral, o aumento do salário mínimo nacional e a alimentação da Reserva Estratégica têm, afinal, pontos comuns capazes de produzir uma bolha. Uma bolha que pode rebentar nas entranhas do MPLA por razões combinadas que bem o caracterizam e que é incapaz de as dissimular mesmo em tempo de campanha: a arrogância, a surdez, a opacidade e a manipulação.
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