Bibliotecários de rua resistem para garantir o sustento
ALFARRABISTAS. Garantem leituras de qualidade a quem queira e possa pagar. É vê-los resistir ao avanço do tempo, numa província em que até livrarias centenárias encerram por motivos diversos. De livros sobre Medicina, Sociologia, Economia, Direito, Investigação Criminal, entre outros menos formais, alfarrabistas estão ao dispor de necessidades várias.
Nas esquinas da grande cidade ou em mercados informais, estes comerciantes proporcionam ao público a oportunidade de adquirir livros sobre temas variados, grande parte dos quais usados. São permanentes, mas é, sobretudo, no início do ano académico, entre Fevereiro e Maio, em que a sua relevância parece crescer. Uns entraram para a actividade por paixão e necessidade, enquanto outros o fizeram apenas por falta de um emprego formal.
João Carvalho tinha 25 anos quando, com apenas dez livros, se lançou ao desafio de os vender pelas ruas da capital. Hoje, aos 55 anos, constata que o negócio cresceu e até já emprega dois ajudantes, aos quais paga entre 25% e 30% por cada obra vendida. Quando as vendas começaram a prosperar, sentiu necessidade de legalizar o negócio. Adquiriu o cartão de comerciante ambulante e até pagava impostos, mas depois, sem saber bem a razão, veio a suspensão da licença e partiu para a venda ilegal na rua das Ilhas do Cabo-Verde, no Rangel, com um acervo de perto dos 200 livros expostos actualmente.
Carvalho factura perto de 100 mil kwanzas mensais, mas observa que a ocupação já rendeu mais. “As vendas e as importações diminuíram bastante devido à crise”, lamenta. Livros sobre Medicina, Direito, Investigação Criminal, Jornalismo, Gestão e didácticos são os mais solicitados. As três décadas de ofício ensinaram a João Carvalho a necessidade de flexibilizar no contacto com clientes, especialmente os mais fiéis. Por exemplo, estes podem adquirir obras na sua bancada mediante pagamentos parcelados. As encomendas são relativas, tanto para escritores nacionais como internacionais.
Agostinho Neto, Pepetela e Manuel Rui Monteir, são a ´prata de casa´, enquanto Luís de Camões, Herman Wallace,Henry Gordon Gale, Fernando Pessoa, Eça de Queiroz recolhem as preferências de quem preza a leitura de autores estrangeiros. Carvalho não tem qualquer formação na área, mas esclarece que domina bibliografias como poucos. O seu projecto é abrir uma livraria própria, mas a falta de apoios não o permitem.
Um dos livros mais caros que já vendeu foi “Vida Prática, Segredos e Curiosidades”, de M Tavares Adam: 130 mil kwanzas, isso em 2014. De resto, os valores dos demais cifram-se entre dois mil e 25 mil kwanzas, mas também há os mais caros ou mais baratos. Depende de quem os escreve. Um dos maiores riscos da profissão: são os roubos. Pois é. O interlocutor do VALOR lamenta que receba na sua bancada quem apenas venha para observar para, depois, surripiar.
Carlos Makumbe, 35 anos, é outro alfarrabista que ´despacha´ livros na Mutamba. Está no negócio há apenas dois meses, mas não é de todo novato no negócio. Antes trabalhou na Lello, emblemática livraria e ponto de cultura que se situava na Rua da Missão, na baixa da capital, cujo encerramento, este ano, chocou importantes sectores da sociedade.
A livraria Lello resistiu a várias crises e ao avanço do tempo, mas a morte, há alguns anos, do seu proprietário, o poeta Ricardo Manuel, e o assédio expansionista do que chamam de ´modernismo arquitectónico´ ou ´ditadura do betão´, ensombraram a sobrevivência de um ícone no panorama cultural e intelectual de Luanda. Pois bem.
Makumbe fez-se ao negócio, como diz, “para pagar a faculdade e sustentar a família”. Para tal, bastou um capital inicial de 45 mil kwanzas. “Foi um bom investimento”, garante. E já que se trata de vendas de rua, “basta que se esteja em pontos estratégicos e se conheçam os melhores escritores”.
Em média, factura 30 mil kwanzas mensais. Mas é como tudo: existem aqueles dias em que o mundo parece ter desistido da leitura e o balanço financeiro se revela desolador, como também desfruta de momentos em que acredita ter sido bafejado pela sorte. Aos 36 anos, Sérgio Rodrigues vende livros há 11.
Começou por aplicar 20 mil kwanzas em revistas cor-de-rosas, aquelas publicações cheias de gente bem-parecidas e sorridentes em momentos de festas e outros convívios sociais. Sucederam-se encomendas para escritos sobre Medicina, Direito, Sociologia e Economia… Era o negócio a prosperar e a vida a tornar-se menos difícil, pois permitia suportar as necessidades básicas em casa, propinas dos filhos incluídas.
Para este negociante de rua, tal como Carlos Makumbe, a matéria-prima do seu trabalho provém, sobretudo, de livrarias, de cerimónias de lançamentos de livros e, em menor escala, de importações. Os maiores clientes são estudantes e trabalhadores, principalmente de Direito.
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