“Brasil e Angola estão a virar uma página”
Em Angola desde Novembro de 2016, Paulino Neto mostra-se confiante nas relações bilaterais e prevê uma visita de Jair Bolsonaro para Junho de 2020. Avança a vontade dos brasileiros de exportar aviões para Angola e de investir em agro-negócio e na produção de medicamentos genéricos.
Como se econtram as relações bilaterais?
As relações são históricas, tradicionais e muito intensas. Desde a tomada de posse de Presidente João Lourenço e a mais recente tomada de posse do presidente Jair Bolsonaro, têm-se intensificado. Tanto é que o ministro das Relações Exteriores do Brasil esteve em Luanda, na semana passada, para uma visita de três dias, isto simboliza a relevância das relações bilaterais. Os dois países têm trabalhado para que estas relações adquiram um rumo novo com as agendas presidências, tanto com a de João Lourenço quanto a do presidente Jair Bolsonaro. Combate à corrupção, transparência na gestão e administração pública, investimentos do sector privado, incentivo por meio de um quadro normativo mais actualizado e moderno para que empresas estrangeiras possam investir em Angola. Há muitas coincidências do ponto de vista de políticas económicas e de ideias entre os dois Estados, além dos laços históricos. Fomos o primeiro país a reconhecer a independência de Angola, mas queremos olhar para o futuro. Temos algumas vantagens competitivas em relação a outros países.
Após a visita do ministro brasileiro das Relações Exteriores, há a hipótese de visitas ao mais alto nível?
Sem dúvidas! Não cabe a mim anunciar visitas de presidentes. No entanto, está prevista uma visita de João Lourenço ao Brasil e uma visita de Jair Bolsonaro a Angola. Ele virá provavelmente para a cúpula da CPLP, marcada para Junho do próximo ano. Queremos muito que João Lourenço vá ao Brasil para vender a imagem desta nova Angola. País que enfatiza os aspectos sociais da governação, que luta contra a corrupção, que tem orientações e iniciativas na área política, económica e na diversificação da economia. Temos uma contribuição a dar, através do espírito empreendedor dos investidores brasileiros em diferentes ramos, já que as condições macroeconómicas aqui estão a melhorar e vão melhorar ainda mais.
Falou em semelhança de agendas entre os Presidentes do Brasil e de Angola. Como avalia a recepção destas agendas por parte das populações dos dois países?
A situação de Angola e do Brasil não é a mesma. O Brasil tem uma economia e população maiores. A economia brasileira já voltou a crescer e em Angola, com essas medidas que foram tomadas, há esperanças de que a economia volte a crescer a partir de 2020. O fundamental é realçar que as políticas económicas e decisões dos dois governos vão no sentido de atrair o capital de estrangeiros, o investimento directo e produzir localmente, tanto no Brasil como em Angola. Só que as reformas económicas no Brasil começaram antes e foram intensificadas agora com o ministro Paulo Guedes e os primeiros resultados já se fazem sentir. Este ano, a economia brasileira crescerá mais de 1% e, no próximo ano, entre 2,5 e 3%. O que para economia brasileira é bastante significativo. Estamos numa curva ascendente, ainda que o cenário do mercado internacional não seja dos melhores. Na China, em que sempre houve um índice de crescimento muito elevado, tudo indica que há um certo arrefecimento. Por isso, é importante diversificar as nossas economias por vários mercados em África, nas Américas e na Ásia.
Como é que os investidores brasileiros olham para o mercado angolano?
Há interesses. Há um grupo relativamente grande de empresários aqui, pequenos e microempresários no comércio, prestação de serviços em diversas áreas. São empresas que empregam muita gente, sobretudo, angolanos. Na alimentação, por exemplo, temos restaurantes e empresas que oferecem refeições em eventos cuja mão-de-obra é 99% angolana. Antes tínhamos grandes empresas que empregavam muito, hoje temos pequenas empresas que também empregam. Temos perspectivas de novos empreendimentos na área do agro-negócio e na área de produção de medicamentos genéricos.
Há empresas brasileiras a sairem de Angola por causa da crise?
Sair propriamente não. As grandes construtoras brasileiras, por razões que todos conhecemos, diminuíram a carteira de negócios. Mas nada impede que elas voltem a actuar de um modo mais intenso. Isto depende muito do crescimento económico de Angola, da questão da administração da dívida pública angolana, e essas empresas irão adaptar-se às novas circunstâncias. Elas terão de actuar com novo modelo de transparência e compliance.
Quantas empresas brasileiras operam em Angola?
É difícil dizer, porque as estatísticas muitas vezes não reflectem o momento. A presença continua expressiva, apesar de algumas empresas terem saído do mercado. Brasil e Angola estão realmente a virar uma página, deixando um passado que foi muito baseado em escolhas de empresas campeãs e que tinham financiamento do banco brasileiro com garantia soberana.São coisas que interessam ao Brasil e não interessam a Angola. A visita do ministro das Relações Exteriores do Brasil serviu também para marcar o início de um novo capítulo nas relações económicas. Trata-se de tornar esta nova Angola mais conhecida no Brasil para que haja mais protagonismo do sector privado brasileiro, engajamento em projectos e saber que temos em Angola um novo ambiente jurídico, mais transparente e que transmite mais segurança. Todas as reformas estruturais da economia estão a ser levadas a cabo com muita responsabilidade e compromisso e é isso que o sector privado brasileiro tem de conhecer melhor e estamos a trabalhar nisso. Vender essa nova Angola no Brasil é o nosso objectivo.
Qual acha que será o futuro da Odebrecht em Angola?
Não posso falar em nome da empresa. No entanto, é uma empresa grande no Brasil e aqui em Angola tem um acervo de obras respeitáveis, tem capacidade técnica, um corpo de engenheiros de primeiro nível e internacional. No Brasil e em Angola, pagaram as suas penas, eles têm de seguir as regras de transparência e de compliance em vigor no Brasil e em Angola.
A Odebrecht cá, pelo menos, tinha muitas obras que beneficiavam da linha de financiamento e que depois foram suspensas. Como é que está este processo?
O Governo angolano tem, como prioridade, investir na área social. O orçamento público deve ter como foco de gastos a saúde e a educação. Angola tem uma dívida pública bastante elevada. O que o Governo quer é baixar a dívida e, para baixar a sua dívida, não pode contratar mais empréstimos ou, pelo menos, empréstimos nas bases que até então trazia garantia em petróleo. Tudo isso acabou e é plenamente justificado. O que se quer é trazer investimentos estrangeiros. O próprio investidor traz os seus recursos e o risco é dele. Não cabe aos Estados dar incentivos especiais a este tipo de investimento. As linhas de crédito perderam um pouco o seu sentido, por isso Angola e Brasil vivem novos tempos. Não queremos mais que poucas empresas sejam beneficiadas através de linhas de créditos a taxas de juros relativamente baixas, comparadas às taxas de juros utilizadas no mercado internacional. O próprio Governo angolano tem outras prioridades. A linha de crédito não é mais um cavalo da condução de relações económicas bilaterais. Os dois Estados querem que os privados investam em Angola e criem empregos. Essa é a grande mudança. Demora, não é simples e cheia de contratempos, mas é a única maneira de fazer crescer a economia com bases sólidas e mais justas.
Ou seja, não há possibilidades desta linha de crédito voltar?
As linhas de crédito que permitiram financiar os projectos como a hidráulica de Laúca e outros, muitas delas tendo a Odebrecht como vencedora do concurso público aqui em Angola, foram encerradas por decisão judicial do Brasil. Os desembolsos do Bradesco foram interrompidos e, na semana passada, o Governo angolano quitou o saldo devedor referente a essas linhas de crédito. Inauguramos uma nova fase de cooperação económica e financeira, que é baseada no protagonismo do sector privado, sem escolhas de empresas campeãs, com a diversificação de sectores, porque não devemos ficar circunscritos em sectores de infra-estruturas. Porque não ter investimentos brasileiros na agricultura?
Angola já não deve ao Brasil, a dívida…
Ela foi zerada. Angola não deve nada ao Brasil.
O Banco do Brasil encerrou a sua representação em Angola. Pode voltar?
Encerrou por uma questão de gestão interna, que não tinha necessariamente que ver com o mercado angolano. Eles deixaram de ter actividades em muitos países e não só em Angola. O Banco do Brasil é controlado pelo governo brasileiro, mas é uma sociedade anónima quotada em bolsas de valores e as decisões são tomadas pelos seus sócios. O que podemos imaginar é que bancos brasileiros privados possam vir a Angola em algum momento. É uma decisão que deve ser tomada por eles e não pelo governo brasileiro. Vai depender do sistema bancário angolano que está em curso e a questão das divisas que tem melhorado, mas ainda há muito a ser feito.
Não acha que a nova realidade a que se refere para os privados brasileiros em Angola ‘obriga’ à presença de bancos brasileiros no país?
Pode ser uma alternativa sem dúvidas. Os investidores brasileiros dos diferentes sectores podem ser beneficiários do sistema bancário existente em Angola. Para o investidor brasileiro não necessariamente, ele tem de utilizar um banco brasileiro naturalmente. Em investimentos mais volumosos, há a necessidade de financiamento bancário sem dúvidas. E caberá aos próprios investidores buscar o agente bancário que possa fornecer este investimento.
Por causa da falta de divisas existem empresas brasileiras a solicitar o apoio da embaixada para transferir lucros?
Isso ocorreu mais no passado. Agora tem diminuído. Não tenho um quadro preciso actualizado sobre isso. As remessas, ainda que não tenham sido normalizadas, é mais fácil hoje do que há dois ou três anos.
Que benefícios trará o acordo de dupla tributação assinado recentemente?
É um acordo especificamente para evitar a dupla tributação dos lucros aéreos e marítimos. Isto vai facilitar muito a vida da Taag no Brasil.
A Taag anunciou o fim de ligação entre Luanda e o Rio de Janeiro…
A Taag tem projectos grandes para o Brasil, inclusive de aumentar a frequência para São Paulo. São Paulo é o grande ‘hub’, pode ir-se para qualquer lugar do Brasil e do mundo. Não posso anunciar os objectivos da empresa, mas sei que a Taag vai utilizar o aeroporto de São Paulo como base para usar outras companhias brasileiras internacionais para que os passageiros que saem de Luanda possam viajar para os EUA, Europa e para outros países da América do Sul e o melhor ponto de conexão é seguramente o aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
Há brasileiros detidos em Angola e vice-versa. Qual é a possibilidade de se assinar um acordo de extradição entre os dois países?
O acordo já existe. Infelizmente temos o flagelo do narcotráfico e, às vezes, pessoas que não são responsáveis pelo narcotráfico, por uma quantia pequena de dinheiro, transportam drogas para os grandes traficantes. Além de ser um problema social e familiar, isto acaba por fazer com que outras pessoas sofram além do necessário. Claro que essas pessoas têm autonomia para fazer o que elas quiserem, nesse caso tomaram decisões equivocadas e têm de pagar por isso. O problema central não está neles, mas sim nos grandes traficantes que têm de ser combatidos.
Mais em Angola do que no Brasil temos mais ‘mulas’ traficantes a serem detidos do que os ‘barões’. Acredita que, com este acordo, num futuro próximo, haverá a detenção de mais ‘barões’?
O narcotráfico é um combate complexo de se realizar. A força do narcotráfico é avassaladora em muitas países. No Brasil e até Angola, de certa maneira, não tanto como os outros países. Mais isso exige políticas públicas e coordenadas de segurança bilateral, no plano internacional, multilateral e permanentemente tem de ser combatido sob pena de ficarmos nas mãos desses ‘barões’ do narcotráfico. Depois temos a questão do consumo. As pessoas têm de parar de consumir drogas porque, se há uma oferta, é porque há uma demanda.
As trocas comerciais entre Angola e o Brasil já estiveram fixadas em cerca de mil milhões de dólares…
O nosso comércio bilateral tem caído desde 2015. Até 2014 estava em torno de mil milhões de dólares, mas, no ano passado, reduziu para cerca de oitocentos milhões, somando tudo o que o Brasil exporta para Angola e tudo o que Angola exporta para o Brasil. Este ano, houve mais uma quebra. Queremos aumentar a perspectiva. Por exemplo, o sector industrial fazer a aquisição de autocarros fabricados no Brasil. Queremos exportar aviões para Angola, temos a Embraer que produz aviões regionais e que podem ser usados eventualmente pela Taag. A Embraer lançou o avião E –195, a nova geração de aviões de passageiros com capacidade de até 150 lugares e adaptar-se-iam muito bem às rotas domésticas de Angola e às rotas regionais, a preços competitivos e com financiamentos sem garantia soberana.
Já existem contactos neste sentido?
Houve já uma demonstração deste avião em Angola recentemente. O avião fez um voo, foi mostrado a potenciais compradores e autoridades do sector aéreo. Mas é uma decisão que cabe ao Governo angolano.
A queda nas trocas comerciais deve ser atribuída essencialmente à situação económica de Angola?
Aos dois países, só que, no Brasil, talvez a curva ascendente tenha começado um pouco antes. No entanto, os especialistas dizem que a economia angolana vai crescer, vai gerar empregos e criar riquezas.
O processo ‘Lava-Jato’ e muito por culpa da suspensão da linha de crédito criou-se um certo ‘irritante’ na relação entre os dois países. Está totalmente ultrapassado?
Sem dúvidas! Uma plena superação disso é que, em outro momento, vamos estar a fazer julgamentos de quem quer que seja, a ex-dirigentes, a representantes do sector privado. Não é o meu papel, pelo contrário. O que nós queremos é olhar para frente e, olhando para frente, vemos um cenário que nos parece melhor do que se olharmos para o passado recente.
Os angolanos acompanham muito o que acontece no Brasil por razões óbvias. Há aqui uma legião de apoiantes de Lula. Como é que podemos olhar para o futuro do ex-presidente do Brasil?
De política interna do Brasil prefiro não falar. Decisões sobre política interna são tomadas pelos eleitores. Aos diplomatas cabe cumprir as decisões dos nossos presidentes.
No caso de Lula até às eleições ainda tem a justiça ao meio…
O ex-presidente Lula foi condenado já em dois processos. Isso significa que hoje por hoje ele não poderia candidatar-se a qualquer eleição por voto no Brasil.
Há muitas queixas sobre dificuldades de acesso a vistos para o Brasil.
É uma visão equivocada. As pessoas têm uma tendência sempre de reclamar sobre tudo o que envolve juntar documentos, comprovar determinadas coisas, tudo toma um tempo. Nós emitimos cerca de 15 mil vistos para cidadãos angolanos, o índice de rejeição de vistos deve estar em torno de 20% no máximo. Enquanto nos outros países o índice de rejeição e de 50%. Autorizámos vistos com múltiplas entradas, duração de um ano, vistos de turismo. Mesmo os cidadãos brasileiros que pedem vistos para Angola, os vistos são de curta duração e nem sempre de múltiplas entradas. Tudo é uma questão de reciprocidade. Os mecanismos podem ser aperfeiçoados sem dúvidas.
Os angolanos gostavam de ter a porta do Brasil aberta…
Isso depende dos dois governos, tem de haver um desejo angolano e brasileiro. É uma possibilidade. Sem dúvida seria muito bom para os dois povos.
Como podemos caracterizar a comunidade brasileira em Angola?
É muito diversificada, ela está aqui com a sua situação regular. Muitas pessoas têm o próprio negócio, alguns são empregados em diferentes sectores, têm um nível educacional e de formação relativamente alto e estão muito bem inseridos aqui. O grosso está em Luanda e alguns em Benguela.
Quantos são?
Cerca de 15 mil brasileiros, não é um número preciso.
Como perspectiva as relações bilaterias, quando estiver a terminar o mandato de João Lourenço?
Vejo que haverá uma integração económica maior. Os investidores brasileiros com uma presença maior; o comércio bilateral crescerá mais do que se possa imaginar; Angola será cada vez mais uma referência para o Brasil em África, sem dúvida. O peso de Angola é bastante significativo para o Brasil.
Quando chegou a Angola, que missão trazia e que avaliação faz hoje?
Cheguei num momento muito sensível. Cheguei em Novembro de 2016, estávamos no auge da crise económica e tentávamos resolver outros aspectos decorrentes da ‘Operação Lava-Jato’, mas tudo isso foi superado. Os dois países, do ponto de vista político-económico, estão com novas orientações, com muita clareza do que querem fazer e já têm feito muito. Há uma crescente coincidência de valores e acções. É um caminho lento infelizmente, muitas vezes, mas é o único caminho a ser trilhado.
E que balanço faz?
Temos sempre as nossas frustrações, em parte conseguimos manter as relações políticas muito bem ajeitadas. Os dois governos, independentemente das preferências políticas de um e de outro, sempre mantiveram um grau de fraternidade, de amizade, de conversa franca. Na área de cooperação técnica, fizemos algumas coisas nos últimos três anos, de igual modo, na área de cooperação jurídica, segurança e mobilidade. O balanço é positivo. Não quero antecipar o final da minha missão que ainda não está no horizonte.
Diplomata há 34 anos
Paulino Franco de Carvalho Neto é natural de Curitiba (Brasil), começou a carreira diplomática em 1985. É formado em diplomacia e administração pública, no Brasil. Entre as funções desempenhadas nos últimos anos estão a de director do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos, tendo ainda sido chefe da Divisão do Meio Ambiente e chefe da Divisão de Serviços Gerais. Já foi diplomata na Suíça, Itália e Chile.
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