Brasil numa nova encruzilhada
DESTITUIÇÃO. Depois de uma longa luta, no Senado, Dilma Rousseff acabou mesmo por ser destituída, mas vai recorrer. Desde 1930, apenas por quatro vezes, um presidente terminou o mandato para que foi eleito. Michel Temer tomou as rédias do poder, mas com forte oposição interna e externa.
Lula da Silva, em dois mandatos, Dutra e Fernando Henrique Cardoso podem orgulhar-se de serem os únicos presidentes, em 86 anos, que terminaram os mandatos para que foram eleitos. Dilma Rousseff, como se esperava, foi a última a cair, depois da votação do Senado na semana passada. Acabou por ser condenada por ter assinado três decretos de créditos suplementares em 2015 sem a autorização do Congresso e por ter usado dinheiro de bancos públicos em programas do Tesouro, realizando manobras contabilísticas, as popularmente chamadas “pedaladas fiscais”. No Senado, defendeu-se, provou a inocência, mas a sentença estava praticamente ditada. 61 senadores votaram a favor da destituição, 20 foram contra. Apesar disso, Dilma Rousseff manteve os direitos políticos e poderá voltar a candidatar-se em 2018.
A destituição recebeu os aplausos imediatos dos patrões. As federações das Indústrias trataram de, em comunicado, elogiar o processo por ter chegado ao fim e exigiram medidas para “endireitar a economia”. O presidente interino, agora de facto, partiu para a China, para participar no encontro do G20, que reúne as maiores economias do mundo. Ao governo, Michel Temer adiantou que era a oportunidade para anunciar a “novidade brasileira” e atrair investimentos. “Estamos viajando exacta e precisamente para revelar aos olhos do mundo que temos estabilidade politica e segurança jurídica”, garantiu.
Do lado oposto, parte dos parceiros do Mercosul já se manifestou contra o novo presidente, Michel Temer. Bolívia, Venezuela, Nicarágua e Equador condenaram, na Organização dos Estados Americanos (OEA), “o golpe de Estado parlamentar”. A China e a Rússia, membros como o Brasil do BRIC, limitaram-se a informar que não querem “interferir nas questões internas”, mas, na semana passada, Moscovo admitia chamar o embaixador, enquanto a Venezuela ameaçou com um corte diplomático. Os EUA mostraram-se dispostos a respeitar a decisão do Senado brasileiro. Dezenas de deputados, na Europa, assinaram uma petição para que a União Europeia interrompesse as relações com o Brasil e suspendesse os acordos com o Mercosul, enquanto durasse a actual presidência.
Michel Temer vai ser presidente por dois anos e quatro meses.
Nas ruas, milhares de pessoas protestaram em várias cidades, especialmente em São Paulo, contra a destituição. Vários autocarros foram queimados e a polícia lançou gás lacrimogéneo. “Fascistas, golpistas não passarão” foi uma das frases repetidas pelos manifestantes.
Michel Temer, ex-vice-presidente de Dilma Rousseff, vai governar um país com mais de 12 milhões de desempregados e que atravessa um crise política e económica há nove meses.
A defesa de Dilma Rousseff anunciou a intenção de recorrer, primeiro, no Supremo Tribunal Federal e, depois, internacionalmente. José Eduardo Cardozo, advogado da agora ex-Presidente, falou num “dia de luto para a democracia brasileira”: “Entendemos que não existem pressupostos formais. Há uma série de violações ao devido processo legal e também porque falta a chamada justa causa, o motivo para a destituição.
Do lado político, o partido de Dilma Rousseff anunciou que não vai reconhecer o governo. A senadora Fátima Bezerra respondeu aos jornalistas que o processo foi uma “infâmia”. “A lição que fica hoje para o Brasil e para o mundo é uma lição deplorável de desrespeito à Constituição e de desrespeito pela soberania popular”, vincou.
A senadora do PT avisou ainda que os “movimentos sociais” estão “fortemente mobilizados para enfrentar a agenda do golpe”.
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