Cadê a auditoria?
Outra vez as preocupações sobre a dívida pública. Na última semana, a ministra das Finanças destacou que o stock da dívida está em níveis que exigem cautela. Há, desde logo, a reconhecer uma evolução no discurso oficial, no sentido pragmático.
Até há relativamente pouco tempo, e mesmo depois de o rácio da dívida ter ultrapassado a fasquia dos 80% sobre o PIB há dois anos, a mensagem predominante era de que o volume não era preocupante. Insistia-se no argumento de que o essencial era a aferição da capacidade que o país teria ou não de pagar os empréstimos. E a conclusão oficial, distribuída de forma mais ou menos harmónica, insistia que o país, pelo seu potencial de recursos, teria a situação sob controlo. Isto a despeito de toda uma conjuntura económica que exigia precaução a todos os níveis, incluindo no optimismo governamental quanto ao comportamento do preço do petróleo.
Hoje há, portanto, sinais de leituras mais realistas, forçados, em parte, pelos ensinamentos da pandemia que devasta o planeta. Não há quase memória, por exemplo, de o Governo ter sido tão cauteloso na previsão fiscal do preço do petróleo. Basta verificar-se, em termos comparativos, nas opções que condicionaram a elaboração do orçamento original de 2020, face ao rectificativo já aprovado na generalidade pelos deputados do MPLA. Em finais de 2019, quando o Governo submeteu o OGE à Assembleia, as melhores previsões apontavam para um limite de entre os 60 e os 62 dólares de preço médio do barril em 2020. Com todo o optimismo, o Governo decidiu inscrever um preço apenas cinco dólares abaixo do limite mínimo que as projecções mais credíveis, incluindo a do FMI e do Banco Mundial, estimavam. Agora, no documento rectificativo, a equipa económica de João Lourenço optou pelo conservadorismo, deixando uma margem mais confortável (cerca de 10 dólares) entre o preço fiscal e o preço médio estimado do mercado. É definitivamente uma opção sensata perante o mar infindável de incertezas que assombram a economia global. É, mais uma vez, uma transição do lunatismo para o pragmatismo económico.
Sobre a dívida, há, no entanto, questões específicas que continuam a aguardar por respostas. E a mais concreta de todas é a certificação dos números que o Governo apresenta. Como assinala insistentemente a Unita, o histórico da dívida pública está ensombrado por relatos de falta de transparência. E não parece haver dúvidas quanto a isso, incluindo na própria estrutura do poder, uma vez que até o presidente do MPLA e da República já fez questão de reconhecer que parte dos empréstimos contraídos pelo Estado beneficiou directamente interesses privados. Continua, por isso, por se perceber a razão de o Governo e o MPLA se manterem mudos face às exigências do maior partido na oposição sobre a necessidade de uma auditoria externa à dívida. Isto numa altura em que alegadamente se combate a corrupção e em que instituições com a dimensão do Banco Mundial voltam a pôr o dedo na falta de transparência na gestão da dívida pública.
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