CAMARADAS, A FOME AGORA É ABSOLUTA!

16 Dec. 2021 V E Editorial

Na última terça-feira, quatro dias antes do discurso de encerramento do Congresso do MPLA, lembrámos aqui a marca da insensibilidade crónica do partido no poder e do seu Governo. Escrevemos sobre a indiferença de João Lourenço e do MPLA, face à pobreza extrema que ceifa inúmeras vidas angolanas pelos quatro cantos do país. E recorremos à incansável guerra de Lula da Silva contra a fome, para recordar aos governantes angolanos o fim último da governação. O texto acabou por ganhar uma dimensão quase premonitória, quanto ao que seria o desfecho da reunião dos ‘camaradas’, no último sábado.

CAMARADAS, A FOME AGORA É ABSOLUTA!
D.R

Mais uma vez, no alto da sua indolência, João Lourenço fez questão de desprezar o sofrimento de milhões de angolanos. E transformou a sua intervenção de encerramento do congresso num dos discursos mais infames do seu mandato. Desta vez, o presidente do MPLA não se limitou a espalhar insensibilidade, ao relativizar a fome. Demonstrou a razão da ausência total de discernimento em muitas das decisões do seu Governo.

É isso o que pode ser visto também, por exemplo, na recente aprovação de 150 milhões de dólares para a construção de dois estádios de futebol no Uíge e no Huambo. O que há nessa decisão é uma combinação catastrófica de insensibilidade e completa falta de juízo. Porque nenhum Governo minimamente sensível e consciente aplica centenas de milhões de dólares em estádios de futebol, sem pretexto de fundo, quando vários pedaços do país se encontram em situação de emergência humanitária.

Mas, como se sabe, este é apenas mais um caso de desvario dos inúmeros que poderiam ser recordados. Como também se deve recordar que a ‘renovação’ consumada na direcção do MPLA não deve trazer consigo uma perspectiva nova de ver e tratar os angolanos. Afinal, tal como alertado vezes sem conta neste espaço, entre os vários cancros que incapacitam o MPLA, destaca-se necessariamente a qualidade da sua liderança. A razão é conhecida. Por vício de fabrico e do poder absoluto, no MPLA, é a liderança que define e determina as cores do arco-íris, em cada dia. O resto segue religiosamente como um disciplinado rebanho. Tudo simples e fácil. Se, no sábado, o presidente entende que a fome em Angola é relativa, é exactamente desta forma que o resto do MPLA deve olhar para a fome. E é como tal que os achados intelectuais do partido devem defender a ‘visão’ do presidente publicamente. Não foi diferente, aliás, do que se viu e ouviu de vários intelectuais do MPLA, ao contraporem as críticas da sociedade ao infame discurso. E ninguém se surpreenderá se esses mesmos intelectuais seguirem o seu presidente, se este, por decisão súbita, passar a ver a fome dos angolanos como ‘absoluta’.