Clientes devem 20 mil milhões de kwanzas à EPAL
Cerca de 700 milhões de dólares foram já investidos, nos últimos cinco anos, pela Empresa Pública de Água de Luanda (EPAL), em vários projectos ligados ao melhoramento de distribuição de água. Nos entanto, segundo a administradora da empresa para a área financeira e tecnologias de informação, Natália Miguel Zongo, a EPAL tem dificuldades em ver o retorno dos investimentos, entre outras razões, devido ao elevado número de dívidas por parte de clientes.
Qual é o quadro geral da situação financeira da EPAL?
Até ao mês de Maio de 2016, ainda estávamos com taxas de cobranças não muito satisfatórias. Com o novo decreto (que aumenta os preços da água), tivemos um aumento na nossa facturação de 40% e, naturalmente, isto também representou um aumento de cobrança. Entretanto, tomámos uma decisão interna de pedir consultoria. Deste modo, temos o projecto ‘Dinamização Mais EPAL’, com uma empresa portuguesa, a Águas de Gaia, que tem cá dez técnicos, e o trabalho tem surtido efeitos. Fechámos o ano com resultados acima do esperado e, com isso, conseguimos pagar os nossos salários com os nossos recursos próprios. Com a crise, praticamente, já não recebemos subsídios a preços (do OGE). Mas temos conseguido pagar os nossos salários a tempo. Para 2017, esperamos atingir taxas de cobranças acima dos 60%. Conseguimos pagar os salários, mas temos muitas dívidas com fornecedores que nós queremos sanar.
Qual é o valor dessa dívida aos fornecedores?
Infelizmente, fruto da anterior situação da empresa, acumularam-se dívidas consideráveis com fornecedores, mas estamos há já algum tempo, num processo de validação e negociação de dívidas. São números que não podemos ainda avançar. Temos fornecedores locais de acessórios de equipamentos, material gastável e alguns produtos químicos. Trabalhamos também com fornecedores estrangeiros, principalmente para os produtos químicos e aquisição de bombas de água bruta e tratada e outros equipamentos.
E a dívida de clientes, em quanto está avaliada?
Acima de 20 mil milhões de kwanzas. Temos uma grande franja de clientes com dívidas. Entretanto, o que mais nos preocupa são as dívidas superiores a dois meses, com uma percentagem superior a 80%, e superiores a seis meses e com um peso considerável a nível da estrutura da empresa.
Este valor é recuperável?
A EPAL tem estado a fazer todos os esforços para recuperar boa parte dos valores em dívida de clientes, aliás é parte dos nossos objectivos. Por outro, é importante salientar que a existência dessas dívidas constitui para nós perdas financeiras, pelo facto de termos tido custos no tratamento e na distribuição dessa água e que ainda não houve o retorno. De qualquer forma, do ponto de vista comercial, estamos a fazer campanhas de cobrança e temos planos de recuperação da dívida. É importante que a população crie hábitos de pagamento da factura de água, só assim a EPAL poderá continuar a desenvolver a rede de água. Trata-se de um esforço comum.
Quem são os grandes devedores?
Os grandes devedores são os clientes domésticos, principalmente nos bairros e nas zonas de maior difícil de leitura e cobrança. É uma realidade que queremos contrariar com a realização do cadastro comercial e geográfico. Temos de conhecer a rede e conhecer os nossos clientes. A partir do momento em que tivermos um cadastro com boa qualidade e fiabilidade, conseguiremos conhecer e actuar junto dos nossos consumidores com o propósito de diminuir a dívida e melhorar a cobrança.
Os 20 mil milhões de kwanzas representam a dívida de clientes devedores. E, o que representa as perdas financeiras com consumidores, não-clientes?
Infelizmente, temos consumidores que não pagam o consumo de água. Temos situações de zonas ainda sem abastecimento de água, mas estamos a fazer todos os esforços para ultrapassar estas dificuldades, não só para a melhoria da eficácia da cobrança, mas também através de campanhas de sensibilização aos nossos clientes e à população em geral. Mas, quando falamos em perdas, temos de abordar dois aspectos fundamentais. As reais que são perdas técnicas da rede que só se conseguem reduzir com investimento na renovação da rede de abastecimento e as perdas aparentes que são todas que resultam do cálculo da água distribuída e não facturada, ou seja, que resultam de situações de fraude, erros de contagem de contadores ou baixa qualidade da facturação. Assim, temos de continuar a investir na rede de distribuição de água com vista a conseguir reduzir-se as perdas reais ou técnicas, apostando também na telegestão e georeferenciação da rede como forma de monitorizar a rede, prevenir incidentes, gerar alertas e conhecer comportamentos que nos indiquem utilização indevida de hidrantes e as ligações directas.
Quantos clientes tem a EPAL?
A EPAL tem 440 mil clientes, mas este ano vamos atingir um milhão de clientes com a implementação do projecto ‘700 Mil Ligações’.Este projecto está avaliado em 250 milhões de dólares e está a ser implementado deste 2012 com a conclusão prevista em Junho deste ano.
O que representam os clientes-empresas, em termos de receitas?
Representam acima dos 25% das receitas da EPAL. A maior parte de clientes é mesmo doméstica. Não tinha como não ser e é onde está a maior dor-de-cabeça. Por exemplo, em termos de dívida, 80% recaí sobre os clientes domésticos, nos bairros Cazenga, Cacuaco, Viana e, por aí além. Temos uma preocupação com a indústria, porque, além de ajudar no desenvolvimento do país, também nos garante receitas. É quase impossível uma indústria não pagar a água. Já o caso dos clientes domésticos é completamente diferente.
Quanto custa produzir água numa estação de tratamento?
Nos últimos cálculos que fizemos, antes do aumento da tarifa e antes da crise cambial, tínhamos aproximadamente 189 mil kwanzas de custo unitário por um metro cúbico de água. Agora, com a crise cambial, naturalmente que, com 100 mil euros, comprávamos uma quantidade de produtos químicos, hoje com o mesmo valor compramos muito menos.
O OGE de 2017 prevê 70 mil milhões de kwanzas para capitalização de empresas públicas. A EPAL também vai beneficiar?
Considerando a importância da EPAL no sector empresarial público nacional e da natureza da sua actividade de prestação de serviço público em defesa do interesse do Estado e da população, julgamos que não será colocada de parte nesta questão.
Quais foram os lucros da EPAL, dos últimos dois anos?
Nos últimos dois anos fechamos o exercício económico com prejuízos fiscais apesar das melhorias apontadas. Essa situação também se deve a alguns acertos a nível contabilístico dos anos anteriores, bem como a existência de valores avultados de dívidas de clientes. Não estamos autorizados a avançar os números dos lucros.
E qual é a tendência actual das cobranças?
Temos registado crescimento considerável, principalmente a partir do segundo semestre do ano passado. Com a implementação do programa denominado ‘Dinamização Mais EPAL’, temos conseguido níveis satisfatórios de cobrança. Tivemos um crescimento a nível das cobranças na ordem de 75%. Este é, sem dúvida, um factor estratégico de sustentabilidade da empresa em paralelo, logicamente, com a melhoria da qualidade da facturação.
Qual é a cobertura de fornecimento de água, em termos percentuais?
A cobertura actual da EPAL reconhecemos que ainda não é satisfatória e temos estado a trabalhar para atingir esse desiderato. Entretanto, temos muitas zonas da província de Luanda com abastecimento, tanto regular como intermitente. Para esse ano, as prioridades passam por garantir o término de alguns projectos, iniciados nos anos anteriores, nomeadamente o centro de distribuição do Marçal e o centro de distribuição do Cazenga, bem como iniciar os projectos do plano de acção que vão permitir aumentar tanto a produção como a distribuição de água e reposição da capacidade nominal para 732.720 metros cúbicos/dia e nesse momento estamos com aproximadamente em 400 mil metros cúbicos/dia.
Quantas estações de tratamento de água tem a empresa?
São 14. Sudeste, Luanda Sul, Kikuxi 1, Kikuxi 2, Calumbo, Candelabro, Kifangondo, Bom Jesus 1 e Bom Jesus 2, Caquengue, Kilamba, Muxima, Capari e Cabiri, com uma capacidade instalada de 732.770 metros cúbicos/dia. O número de estações de tratamento não é suficiente. Por esse motivo, temos em carteira projectos para a construção de novas estações de tratamento, nomeadamente o Projecto Bita e Quilonga Grande. A estação do Quilonga Grande vai melhorar o abastecimento na zona norte e nordeste, nomeadamente do Bom Jesus até Capalanca, Cacuaco, Zango 2 e 5. O Bita terá impacto na zona sul de Luanda.
Algum projecto não foi realizado por causa da crise?
A crise financeira afectou-nos porque temos compras de bens e serviços efectuados no exterior do país que, nesse momento, exigem um esforço financeiro maior em termos de desembolso. No caso de projectos não realizados, nos anos anteriores à crise, temos a destacar as estações do Bita e o Quilonga Grande que a EPAL tem procurado implementar há cerca de 10 anos e somente neste ano de 2017 vão arrancar. Estes projectos vão garantir o aumento substancial da capacidade de produção de água e vão permitir atender a procura actual. A demora na implementação tem consequências hoje na quantidade de abastecimento de água. Existem projectos que foram realizados cujos resultados já são conhecidos mas que, por força da crise, ainda registam dívidas avultadas para o Estado. Temos outros projectos em fase de conclusão e também registam dívidas avultadas para o Estado, como por exemplo, o fornecimento e montagem de grupos de bombagem da Estação de Bombagem de Cassaque.
Que outros investimentos relevantes a EPAL fez nos últimos cinco anos?
Nos últimos cinco anos, os investimentos relevantes foram tanto com recursos próprios, como com recursos ordinários do Tesouro. No primeiro caso, temos as agências comerciais e ligações pontuais de ramais. Em relação aos recursos do tesouro, temos a apontar 18 projectos, nomeadamente a construção e reabilitação de estações de tratamento de água e centros de distribuição. Estes investimentos, realizados nos últimos cinco anos (entre 2012 e 2016), custaram acima de 700 milhões de dólares.
A EPAL vai beneficiar de uma reestruturação para se tornar de âmbito nacional?
Até ao momento, não temos conhecimento dessa intenção.
Há quem defenda a entrada de operadores privados na distribuição de água. O que pensa?
A entrada de operadores privados no sector das águas depende de uma decisão do Governo. A concorrência é sempre salutar e obriga-nos a delinear novas metas e desafios, para não perder espaço no mercado. No entanto, acredito que a EPAL tem capacidade para gerir e bem e ser uma referência e um exemplo de que é possível as empresas públicas ou de gestão pública apresentarem bons resultados e serem sustentáveis. A água é um bem social. Temos de avaliar em que medida é que um privado vai ter interesse por um produto em que não se consegue pôr um custo real. Porque, apesar do aumento da tarifa, a EPAL ainda não cobra o preço real.
Quantos funcionários tem actualmente a empresa?
Em termos de recursos humanos, a empresa conta com aproximadamente 1.800 funcionários e temos feito uma aposta constante a nível da formação, uma vez que esta área é também uma aposta da EPAL. Queremos continuar a capacitar os nossos colaboradores, dando formação e competências. As empresas são aquilo que os seus recursos humanos representam. Como queremos continuar a ser uma empresa de referência em Angola, temos de continuar a capacitar o nosso quadro de funcionários e a motivá-los para que tenham orgulho em ‘vestir a camisola’ da EPAL.
Os chamados garimpeiros continuam a ser um problema?
Os garimpeiros continuam a ser um problema para o fornecimento regular de água. Infelizmente, essa realidade tem prejuízos a nível social e económico para a empresa. O garimpo tem impacto a nível social porque os consumidores ficam privados de um bem de primeira necessidade, e a nível económico os prejuízos tanto são para o Estado, por ser o dono das infra-estruturas e para a empresa, com a perda de receitas, pelo não abastecimento de água. Temos muitos problemas de abastecimento de água na Urbanização Nova Vida e no Benfica por causa do garimpo. A Polícia tem ajudado no combate, mas há situações que acontecem à noite e não temos como atacar todos os pontos. Então, continuamos a viver com essa realidade, sim. Mas temos feito tudo para combater. Temos de continuar a reforçar as acções de fiscalização de forma a diminuir esta actividade e contamos com o apoio da Polícia para reduzir o impacto do garimpo e os resultados têm sido satisfatórios.
Empresas que danificam condutas da EPAL, na via pública, são responsabilizadas?
Sempre que uma empresa danifica uma conduta e a EPAL toma conhecimento, tomamos medidas para que a mesma seja responsabilizada e haja a reposição no abastecimento de água. Entretanto, temos algumas situações que tomamos conhecimento à posteriori. Nesses casos, apelamos a população para que nos faça chegar a informação em tempo útil.
Em que pé está a cooperação com as empresas chinesas?
A cooperação com as empresas chinesas tem sido satisfatória. As mesmas estão envolvidas na execução de obras de grande impacto, a nível do abastecimento de água, nomeadamente com a construção de centros de distribuição de água e execução de ligações domiciliares. A EPAL tem equipas dedicadas ao acompanhamento dos projectos que, perante o empreiteiro, garantem o cumprimento dos contratos.
Actualmente quais são as principais preocupações da administração da EPAL?
Terminar os projectos em curso, com impacto imediato a nível do abastecimento de água as populações e da taxa de cobertura no fornecimento de água. Falamos das ligações domiciliares, construção de estações de tratamento de água centros de distribuição para a reposição da capacidade instalada. É ainda nossa preocupação, a construção do centro de formação, de um novo laboratório central, no sentido de termos uma organização moderna e de excelência e continuar o processo de melhoria dos indicadores de desempenho, de forma a garantir a autonomia financeira e capacidade de fazer face aos custos operacionais e minimizar a situação social dos funcionários. A EPAL é uma empresa que faz parte do dia-a-dia de Luanda, com uma história que nos orgulha, mas também com um presente e um futuro que queremos que seja de excelência.
“A Sonangol competia só com as empresas estrangeiras. Agora está a competir...